29 Setembro 2025
"Nada que possa fazer recuar a Nação, único verdadeiro sujeito autorizado a agir (e a fazer guerra) por ser dotado de uma ética antiga e reconhecível: o Grande Israel, a Grande América, a Grande Rússia, esse é o vento do terceiro milênio"
O artigo é de Michele Serra, jornalista, escritor e roteirista italiano, publicado por La Repubblica, 27-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Na Assembleia Mundial (por mais desgastada e enfraquecida que seja, esta, e não outra, é a ONU), Bibi Netanyahu falou como um chefe tribal. Como se o contexto fosse irrelevante, descartada para sempre a ideia de que existem interesses supranacionais, que os direitos humanos, por definição, são humanos e, portanto, de todos, que naquele lugar se costuma ir, desde a sua fundação, para tentar — pelo menos tentar! — mediar os conflitos e aplacar o ódio.
Como demonstrou há poucos dias outro chefe tribal, bem maior do que ele, Donald Trump, à ONU agora não se costuma mais ir para falar com o mundo, mas para desafiá-lo na cara dura. Para ofendê-lo ou ridicularizá-lo, para fazê-lo sentir-se um lastro de tagarelice e ilusões, rebaixá-lo a velho estorvo ideológico, a chantagem hipócrita, nada que possa fazer recuar a Nação, único verdadeiro sujeito autorizado a agir (e a fazer guerra) por ser dotado de uma ética antiga e reconhecível: o Grande Israel, a Grande América, a Grande Rússia, esse é o vento do terceiro milênio.
O resto — o multilateralismo, a paz como destino moral supraideológico após séculos de guerra e de extermínio, a gestão supranacional da luta contra as doenças e a fome — é entulho novecentista. A humanidade não existe mais. Só existe a Nação.
Os bancos vazios em mais da metade já eram um sinal: o sinal de uma debandada em massa da tolerância mútua. O show de Bibi tinha a modéstia, imediatamente reconhecível, da propaganda política, e especificamente da propaganda bélica: para sair dela, da propaganda, seria preciso levantar o olhar, tentar enxergar pelo menos alguns quilômetros além dos próprios muros, entender que a dor alheia vale quanto à própria, e que o sangue alheio não lava o seu; nem mesmo na proporção de cem para um, cem litros para cada litro, cem crianças para cada criança, uma meta agora ao alcance de Bibi.
Não é verdade, não é verdade de forma alguma que "todos se esqueceram do 7 de outubro". Na coleção de mentiras de Netanyahu, talvez a mais obscena. A choradeira umbilical de Bibi, idêntica à de todos os chefões nacionalistas, tende a fazer crer que o seu luto, a sua tragédia, é mal compreendida pelo Mundo (Mundo mau!), porque o nacionalista está convencido de que todos são iguais a ele, raivosos e mesquinhos como ele, idênticos em sua visão tribal das coisas e, portanto, incapazes de sentir pena por alguém fora da sua própria aldeia. Não se capacita de que alguém possa considerar igualmente horrendo, igualmente diabólico o massacre sofrido e o massacre infligido. A arrogância nacionalista é tão desmedida que não reconhece inteligência em quem se curva sobre os mortos sem antes verificar o passaporte, especialmente as crianças mortas, demasiados precoces destinatários da catalogação nacional, religiosa e agora neorracial que assola as mentes dos adultos, dos chefes fanáticos e dos ativistas obcecados cujo único objetivo é matar para sobreviver.
Bibi planta seus megafones na cabeça curvada do inimigo, ostenta em sua lapela seu domínio tecnológico e envia seus enxames de drones para atacar aqueles que pretendem não dividir a humanidade em nações, e vão para o mar acreditando que é verdadeiro e respeitado o (antigo!) código de navegação em águas internacionais. A escala invertida dos nacionalistas (a Nação é imensuravelmente mais importante que o Mundo, apesar de ser, objetivamente, uma ínfima parcela) está vencendo, talvez já tenha vencido. Não há mais nada credivelmente internacional. Tudo é apenas Nação. A Nação dá um tempo para a razão, dispensa do esforço de pensar e, até mesmo, de alimentar dúvidas não só sobre os outros, mas até sobre si mesmos: "O povo russo não está acostumado a pensar" é a frase, aniquiladora, terminal, que a filha de Anna Politkovskaya nos entregou poucos anos atrás. Sabe-se lá qual a percentagem do povo israelense, que tem uma tradição milenar de refutação e discussão, ainda está em condições de pensar. E enquanto Bibi despeja o seu diário mínimo na ONU, acreditando ser a Bíblia, um punhado de pessoas desarmadas e sem nação nos barcos da Flotilha sabe que só pode contar com a sua própria boa estrela.
Querendo desencavar um elemento positivo mesmo numa página medíocre – o discurso de Netanyahu na ONU e contra a ONU – é que esse discurso nos ajuda a entender que o nacionalismo israelense não é tão diferente dos outros. Sempre o avaliamos, como é inevitável, à luz da horrível história de perseguição e extermínio que os judeus sofreram. Mal entendemos como, daquela história de perseguição, possa ter surgido tal espírito de perseguição, mesmo que apenas em uma parte daquele povo — e desperta incredulidade, dor e escândalo descobri-lo. Mas o nacionalismo é raso: é igual em todos os lugares: Nós estamos certos, Nós venceremos, e o próprio Deus é quem nos mostra o caminho. Os líderes nacionalistas são feitos com o mesmo molde.
O atual governo israelense não é nada excepcional; seu reducionismo obtuso e violento (Nação vs. Mundo) é o mesmo dos líderes "patrióticos" de meio planeta, nada mais, nada menos. É a outra parte da humanidade, aquela que coloca os direitos humanos acima da Nação, a mistura acima da pureza, portanto a convivência acima da guerra, e o respeito pelo vivente e pelos seres vivos acima de todas as religiões do Livro, que deve se reorganizar como se estivéssemos no ponto zero.
E os discursos de Trump e Netanyahu na ONU são uma boa aproximação daquele que que podemos definir: ponto zero.
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