26 Setembro 2025
Com mais de 500 milhões de fiéis na região, as comunidades religiosas podem e devem atuar como pontes de diálogo e defensoras da Terra.
A opinião é de Alejandra López Carbajal, Monsenhor Lizardo Estrada Herrera e Monsenhor Gustavo Rodríguez Vega, em artigo publicado por El País, 24-09-2025.
Alejandra López Carbajal é Diretora de Diplomacia Climática na Transforma;
o Bispo Lizardo Estrada Herrera é Secretário Geral do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho;
e o Bispo Gustavo Rodríguez Vega é Presidente da Caritas na América Latina e no Caribe.
Eis o artigo.
Há uma década, às vésperas das negociações para o Acordo de Paris, o Papa Francisco publicou a encíclica Laudato si', uma perspectiva diferente sobre as crises ambientais, vinculando-as a outros problemas aparentemente independentes, mas que são parte central do mesmo desafio: a desigualdade, a exclusão social e a prevalência de um modelo econômico e de pensamento baseado na dominação e apropriação da natureza. Esta encíclica também faz um amplo apelo para abordar as raízes éticas e religiosas dos problemas ambientais e para proteger nossa casa comum a partir de uma "relação de reciprocidade responsável entre seres humanos e natureza".
Dez anos depois, esse apelo continua válido, mas sua implementação continua insuficiente: mesmo com os atuais compromissos de redução de emissões, o mundo está longe de limitar os piores impactos climáticos. Isso afeta particularmente os países do Sul Global, cuja situação é agravada pela armadilha da dívida, pela pobreza estrutural e por um sistema econômico baseado na extração voraz de recursos naturais, que beneficia poucos, mas prejudica o bem comum.
A COP30, que acontecerá em Belém, no coração da Amazônia brasileira, será um palco vivo das contradições que o planeta enfrenta. Considerado o pulmão do mundo, com suas vastas florestas que regulam o clima e salvaguardam a biodiversidade, é também um território em crise, ameaçado pelo avanço do extrativismo e do agronegócio, que, se continuar como está, poderá se transformar em uma savana árida, colocando em risco a estabilidade climática regional e global.
Essa mesma Amazônia também possui uma imensa capacidade transformadora, capacidade que se encontra em sua riqueza natural, mas também na liderança exercida pelos povos indígenas e comunidades camponesas amazônicas, que são um exemplo de gestão da vida e do planeta. De fato, a presidência brasileira da COP30, ciente de que os problemas que enfrentamos não serão resolvidos apenas por meio da diplomacia ou da tecnologia, propôs o desenvolvimento de uma série de avaliações éticas, entendidas como mecanismos multissetoriais que incorporam dimensões éticas, espirituais e de conhecimento tradicional na análise global da crise climática.
No âmbito dessas avaliações éticas, e reafirmando o apelo da Laudato si', acreditamos que a fé pode desempenhar um papel crucial como fonte de significado e esperança, reforçando a convicção de que formamos uma única comunidade humana. Com mais de 500 milhões de fiéis na América Latina, as comunidades religiosas podem e devem atuar como pontes de diálogo e defensoras da dignidade humana e da Terra. A COP30 exige mais do que compromissos técnicos: exige a recuperação de um horizonte ético, para o qual a religião e os valores de cuidado, solidariedade e respeito possam "dar alma" ao multilateralismo climático.
Assim, neste Ano Jubilar de 2025, a Igreja Católica propõe uma ideia-chave que lhe permitirá recuperar o seu sentido histórico de libertação e restauração social: transformar a dívida em esperança, ou seja, travar a crise da dívida e anular as obrigações injustas e impagáveis dos países do Sul Global. Não pode haver justiça climática sem justiça financeira. O perdão da dívida para o mundo em desenvolvimento e a reestruturação do sistema financeiro global não são atos de caridade, mas de justiça para garantir dignidade e um futuro aos mais vulneráveis.
Da mesma forma, as Igrejas do Sul Global, por meio de um documento publicado recentemente, exigiram o fortalecimento da soberania dos povos indígenas sobre seus territórios para proteger ecossistemas cruciais , a implementação de programas educacionais sobre ecologia integral e economia popular-solidária, e propõem a criação de um observatório eclesial para monitorar os compromissos climáticos e denunciar o descumprimento a partir da perspectiva do Sul Global. Comunidades de base, juntamente com redes/plataformas e comissões, trabalham em defesa da vida e em territórios vulneráveis. Essas comunidades implementam projetos de cuidado ambiental, defesa da água e acompanhamento social, realizando ações climáticas de baixo para cima, o que fortalece a resiliência local. Tornar visível, reconhecer e articular esse potencial é fundamental e serve como exemplo para a Igreja contribuir decisivamente para a agenda climática global.
Esperamos que o legado que o décimo aniversário da Laudato si' e do Acordo de Paris nos trazem possa apoiar transformações profundas em direção a uma casa comum mais justa, humana e sustentável. A crise climática é, antes de tudo, uma crise de valores que exige a superação de um paradigma extrativista, tecnocrático e comercial para a construção de um modelo de desenvolvimento baseado na solidariedade, na justiça social e no respeito aos limites do planeta.
A Amazônia, que sedia uma cúpula do clima pela primeira vez, é tanto um espaço de comprometimento quanto uma oportunidade para a transformação ecológica que o mundo precisa. A voz coletiva do Sul Global nos lembra que defender a vida na Terra é, em última análise, defender nossa própria humanidade, construindo esperança a partir dos desafios atuais.
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