25 Setembro 2025
"A cúpula de Belém não apenas testará a durabilidade do Acordo de Paris, mas também examinará se o mundo ainda é capaz de se unir para enfrentar ameaças globais em tempos de fratura e desconfiança".
O artigo é de Christiana Figueres, ex-secretária executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, publicado por El País, 23-09-2025.
Eis o artigo.
Sim, 2025 está se mostrando um ano difícil. Mas se há um país capaz de entregar o que é necessário na COP30, esse país é o Brasil. A tarefa que a presidência brasileira enfrenta vai além dos momentos mais desafiadores dos 30 anos de história do processo climático da ONU. A cúpula deste ano em Belém não apenas testará a durabilidade do Acordo de Paris, que já dura uma década, mas também examinará se o mundo ainda é capaz de se unir para enfrentar ameaças globais em tempos de ruptura e desconfiança.
Uma narrativa perigosa
Em muitos países, incluindo o Brasil, o debate público sobre o clima tem sido sequestrado por aqueles que argumentam que não são as mudanças climáticas que mais ameaçam as pessoas, mas sim a ação climática. Essa falsa narrativa ganha força mesmo com inundações, secas, incêndios e a elevação do nível do mar se acelerando diante dos nossos olhos. O consenso científico sobre a aproximação dos pontos de inflexão planetários nunca foi tão claro, e ainda assim as vozes do atraso insistem em focar a atenção não nos impactos, mas nos custos das soluções.
Ao mesmo tempo, o contexto mais amplo da COP30 é desanimador. A cúpula será realizada em meio a ataques abertos à ordem multilateral que define a cooperação global desde meados do século XX. A COP30 deve, portanto, ir além da mera definição de textos; terá que demonstrar que a colaboração transfronteiriça é possível — e até indispensável — mesmo em meio a uma geopolítica polarizada.
Além da negociação, há também uma necessidade urgente de transformar o próprio processo climático internacional. Por três décadas, as negociações foram o eixo central. Agora, com a ciência mais urgente e soluções mais prontamente disponíveis, a tarefa não é apenas chegar a um acordo sobre as estruturas, mas acelerar ações concretas na prática. Não é surpresa que muitos observadores descrevam o desafio que o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva enfrentará em novembro como quase impossível. Mas não é impossível.
O efeito Paris
Dez anos depois, o Acordo de Paris está funcionando. Seus efeitos em cascata remodelaram as políticas energéticas, redirecionaram os fluxos de capital e desencadearam uma revolução tecnológica. O "efeito Paris" tornou-se tão poderoso que agora transcende as complexidades geopolíticas: os países estão implementando energia limpa não porque esteja na moda, mas porque é mais barata, mais segura e mais abundante do que as alternativas de combustíveis fósseis.
O Brasil tem um vento favorável decisivo: a clara superioridade das soluções de tecnologia limpa. A energia renovável deixou de ser um nicho — agora é a base de uma nova economia. A antiga economia de combustíveis fósseis, que impulsionou tanto a prosperidade quanto os danos planetários, está sob pressão de todas as frentes.
Economicamente: Nove em cada dez projetos de energia renovável são mais baratos do que seus concorrentes movidos a combustíveis fósseis. A energia limpa está consumindo as margens de lucro das empresas de petróleo e gás. No Sul Global, muitos países estão migrando diretamente para a energia solar e eólica, muitas vezes mais rápido do que as estatísticas refletem. Mesmo nos Estados Unidos, com uma administração mais favorável aos combustíveis fósseis, as empresas petrolíferas estão perdendo empregos, enquanto 99,7% da nova capacidade de geração de energia elétrica que entrou em operação em julho era limpa.
Juridicamente: O parecer consultivo histórico do Tribunal Internacional de Justiça, emitido em julho deste ano, abriu novos caminhos para a responsabilização, afirmando que os Estados têm a obrigação de agir em relação às mudanças climáticas. Esta decisão aumentará o escrutínio de projetos de combustíveis fósseis existentes e propostos.
Politicamente: Apesar do barulho, o apoio público à ação climática permanece alto em todo o mundo. Impactos crescentes estão gradualmente corroendo a licença social dos combustíveis fósseis e fortalecendo o mandato para uma transição limpa.
A oportunidade do Brasil
Essa convergência de pressões — econômicas, jurídicas e políticas — abre uma oportunidade única para o Brasil. A COP em Belém pode ser lembrada como o momento em que a diplomacia climática internacional mudou decisivamente de promessas para a entrega de resultados.
O Brasil tem todos os motivos para liderar. Já é líder global em energia limpa, com abundantes recursos hidrelétricos, eólicos e solares. É o guardião da Amazônia, cuja saúde é essencial para a estabilização do clima. É o berço das Convenções do Rio, que lançaram as bases para a diplomacia ambiental moderna. E desfruta de um nível de confiança no Sul Global, inclusive dentro do BRICS, que poucos outros países podem reivindicar.
A COP30 oferece ao Brasil a oportunidade de aplicar todo o seu peso político na promoção de tecnologias limpas e se posicionar como defensor de uma nova ordem econômica liderada pelo Sul Global. Isso não apenas reforçaria a ambição internacional, mas também geraria impulso político interno, transformando Belém na "COP dos Povos".
O que deve ser alcançado
Para ser crível, Belém precisa esclarecer melhor como e quando o mundo fará a "transição para longe dos combustíveis fósseis" — um compromisso assumido pela primeira vez em Dubai, na COP28. Qualquer coisa menos do que isso significaria desperdiçar o progresso da última década e trair as crescentes expectativas da opinião pública global.
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