27 Agosto 2025
"A antirretórica desses primeiros aforismos de Leão XIV, qualquer que seja a nossa profissão — mesmo a de Papa —, nos fará sentir como noviços da mais bela missão do mundo".
O artigo é do teólogo e padre italiano Pierangelo Sequeri, ex-presidente do Pontifício Instituto Teológico João Paulo II para as Ciências do Matrimônio e da Família (2016-2021) e consultor do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, publicado por Avvenire, 26-08-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Palavras desarmadas, mas não reticentes, que dão o tom e o conteúdo ao florilégio dos discursos de Leão XIV, reunidos em E pace sia! Parole alla Chiesa e al mondo (E seja a paz! Palavras à Igreja e ao Mundo, em tradução livre, Libreria Editrice Vaticana), uma coletânea de discursos proferidos pelo Papa Prevost nas primeiras semanas de seu pontificado.
Como guia para uma leitura concisa que possa ajudar a enquadrar o estilo com o qual este pontificado pretende tornar seu magistério e ministério acessíveis, eu poderia sugerir dois planos de referência que revelam seu horizonte.
Um chamado comum ao serviço da paz
O primeiro é definido pela sensibilidade ao contexto histórico atual. A compactação tradicional das ideologias sociais e das instituições civis que haviam prometido uma comunidade humana de livres e iguais parece crivada de fissuras. A fragmentação favorece a desintegração do laço social em todas as suas formas: o espírito de competição, que aceita recorrer às pulsões da submissão violenta, supera em muito o espírito da cooperação, que gera paixões alegres pelo bem comum. A linguagem do Papa, emblematicamente inspirada na saudação de Cristo Ressuscitado com a qual iniciou sua conversa com o povo de Deus ("A paz esteja convosco"), continua sendo sóbria e direta sobre esse tema. Em seu desenvolvimento discursivo, ela parece claramente direcionada à "pacificação" da comunidade humana com sua vocação ao espírito alegre da convivência fraterna e ao cuidado solidário pela casa comum.
São os dois grandes temas do magistério do Papa Francisco, explicitamente evocados como precursores do que poderíamos chamar de virada geopolítica da doutrina social da Igreja. Nem mesmo a sacrossanta defesa da democracia é suficiente, agora, para reavivar as paixões alegres pelo bem comum na sensibilidade do sujeito pós-moderno, meticulosamente treinado a uma liberdade e igualdade impelidas pela desvinculação de todos os laços: aqueles da natureza e os da cultura, os da família e os da comunidade, os da dedicação e os da adoração.
O Papa Leão convoca todas as partes ao serviço da construção da paz entre os indivíduos e os povos, com as harmonias emocionantes da troca de dons entre pessoa e comunidade. As partes da sociedade humana e — antes ainda, como fonte indispensável da certeza de que uma nova aliança é possível — as partes da comunidade eclesial. Tomadas em conjunto, as palavras dirigidas ao interlocutor eclesiástico são um tanto surpreendentes, pela forma como chamam em causa, com o mesmo espírito, os órgãos de governo, os aparatos institucionais e os organismos intermediários da comunidade eclesial. A começar, é claro, pelo próprio ministério petrino. Os cardeais do Colégio, os funcionários da Cúria, os núncios da Santa Sé, assim como os membros do Corpo Diplomático, os líderes das comunidades religiosas — todos são alcançados com o estilo sóbrio e direto do convite à simplicidade do testemunho evangélico e à intensidade da mediação pacificadora. Assim como os bispos, os padres, os religiosos e os seminaristas. Cada um recebe um tom de discurso adequado à condição do seu serviço, mas a vocação essencial é uma só.
O tempo da fraternidade redescoberta
O segundo eixo de referência das palavras de conciliação com o kairos da recomposição “fraterna e doméstica” da convivência, na complexidade introduzida pelo novo respeito à autodeterminação e à igual dignidade de cada singularidade humana, é precisamente o da pacificação da fé cristã com a missão evangélica.
“Brilham em seus postos as estrelas e se alegram, e as chama, e respondem: ‘Aqui estamos’. E jubilosas refulgem para o seu Criador.” (Baruc 3,34-35). Essa bela passagem de Baruc, citada em um discurso dirigido aos astrônomos do Observatório do Vaticano, é retirada de um capítulo em que o profeta lembra a um povo exilado e angustiado que sua redenção depende da redescoberta da Sabedoria de Deus.
Essa inteligência íntima e profunda das coisas, se alguém quiser procurá-la, está em casa na história e no mundo da criatura: “apareceu na terra e permaneceu entre os homens” (3,38). Não há aventuras humanas — tanto as da ciência quanto as do jogo — que não possam aparecer como parábolas intrigantes de uma Sabedoria de vida que se deixa interceptar pelo Evangelho. Na homilia da Festa da Trindade, associada ao Jubileu do Esporte, também há espaço para essa parábola. O Papa Leão declara aberta e francamente a audácia: “O binómio Trindade-desporto não é usado com muita frequência, mas a associação não é descabida. Na verdade, toda boa atividade humana traz em si um reflexo da beleza de Deus, e certamente o desporto está entre elas." A "pericorese" (a circulação vital de amor que une as pessoas do Deus Trino), em sua própria etimologia, é uma "dança". E essa dança se reflete nos "jogos" de Deus entre as maravilhas da natureza criada.
Essa dança e esses jogos, contudo, não são de modo algum divertimentos de belas almas, alheias às profundidade escondidas das coisas e indiferentes às feridas permanentes dos corpos em que vivemos e somos humanos. Mas não devemos permitir que as angústias destrutivas dos nossos insucessos façam regredir nossos afetos pelos laços mais belos da criação e deixem lugar às melancolias sombrias da resignação aos jogos mundanos já realizados.
"Por exemplo, um sacerdote que carrega pessoalmente uma pesada cruz por causa do seu ministério e, no entanto, todos os dias vai para o escritório e tenta fazer o seu trabalho o melhor que pode, com amor e fé, esse sacerdote participa e contribui para a fecundidade da Igreja. Assim também um pai ou uma mãe de família, que vive uma situação difícil em casa, um filho que gera certa preocupação, ou um pai ou uma mãe doente, e que realiza o seu trabalho com empenho, esse homem e essa mulher são fecundos na fecundidade de Maria e da Igreja." (Homilia na Missa do Jubileu da Santa Sé, 9 de junho de 2025).
Uma missão sem retórica
Na quase totalidade das "palavras" de Leão XIV reunidas nessa publicação, encontramos com muita frequência esse estilo direto, despojado de floreios retóricos eclesiásticos: não há constrangimento, por exemplo, em falar do "trabalho de escritório do padre", ao qual ser humilde e simplesmente fieis. "Jesus Ressuscitado nos mostra suas feridas e, embora sejam sinal da rejeição da humanidade, ele nos perdoa e nos envia. [...] tudo o que aos nossos olhos parece quebrado e perdido agora nos aparece como sinal de reconciliação" (Homilia na Missa com Ordenações Sacerdotais, 31 de maio de 2025). A antirretórica desses primeiros aforismos de Leão XIV, qualquer que seja a nossa profissão — mesmo a de Papa —, nos fará sentir como noviços da mais bela missão do mundo.
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