A democracia devorada pelo pantagruélico apetite facínora da extrema-direita. Destaques da Semana no IHU Cast

Por: Cristina Guerini e Lucas Schardong | 23 Agosto 2025

Pantagruel é o nome de um personagem de François Rabelais, um gigante faminto de refeições fartas em alegre companhia. Os afetos que reúnem a extrema-direita global, no entanto, orbitam em paixões tristes e odiosas, com o desejo de extermínio de todos que, na visão desses sujeitos, ousam pensar de modo diferente. Trump encarna uma versão alegórica e patética desse ser, embora seja um dos homens mais poderosos do mundo. O presidente dos EUA, ao lado de Javier Milei, Jair Bolsonaro, Benjamin Netanyahu e tantos outros, tornou-se um dos “democratas falastrões, reacionários decadentes, tiranetes arrogantes: incapazes de querer plenamente o bem e o mal, atolados nos meios-termos e nos preconceitos”.

Lei da selva

“A maneira como Washington aborda as questões internacionais certifica que retornamos à lei da selva. Décadas de multilateralismo foram jogadas fora, o direito internacional e os pedidos do Tribunal Internacional de Justiça cancelados, e agora só conta a força. E a vontade cínica de usá-la. Como o leão na floresta que ruge para reafirmar seu papel e sua vontade a outros animais, Trump impôs seus próprios tempos e métodos”. Nessa análise de Riccardo Redaelli, ele ainda adverte que “depois da Ucrânia, o método Trump será replicado em outros contextos de guerra. E a paz será cada vez menos justa e cada vez mais decidida pelo rugido dos felinos dominantes do sistema internacional."

Vergonha alheia

A análise semiótica da imagem do encontro, que selou a rendição europeia a Donald Trump, ficou por conta de Tarso Genro: “Uma foto que envergonharia Churchill, De Gaulle, Olaf Palme e quem sabe Schoreder, Mitterand. Meninos bem comportados escutando o Professor autoritário de palmatória em riste. Só que não são alunos. São Chefes de Estado. Vergonha alheia! Capitulação e falta de personalidade política".

Perversidade

A perversidade assustadora de Trump mostra o prazer com que ele impõe suas vontades por meio do medo. Conforme explica Radley Balko, "Nada deixa a população tão condicionada a aceitar restrições às liberdades civis e grandes ampliações do poder do governo quanto o medo". E se o envio de tropas norte-americanas para América Latina tem por trás a tomada do petróleo venezuelano, “a motivação para o plano de 'federalizar' Washington é a mesma que está por trás do envio de tropas para Los Angeles; da deportação de pessoas para a prisão em El Salvador; da politização do Departamento de Justiça; e de quase todos os seus excessos autoritários dos últimos seis meses. Ele está testando os limites de seu poder –– e, por extensão, da democracia dos EUA."

Repressão e medo

Na avaliação de Corey Robin, “a ideologia de Trump gira, antes de tudo, em torno dele mesmo. E isso o torna perigoso, porque você nunca sabe o que ele vai fazer. Na entrevista Trump 2.0 e as reconfigurações da direita, adverte que “o ataque à burocracia estatal é preocupante porque representa uma política eficaz de medo. Especialmente nos Estados Unidos, que é uma sociedade sem redes de apoio fortes, a possibilidade de perder o emprego é uma forma eficaz de promover uma sociedade repressiva”.

Antítese: herói de guerra

Nada segura Netanyahu, que precisa da guerra para se manter no poder, ignora o sim do Hamas a uma nova proposta de cessar-fogo e finaliza a invasão da Cidade de Gaza. E só o faz, porque tem o apoio explícito de Donald Trump, que elogiou Bibi como "herói de guerra", e de outros países europeus, como a Itália. Além, claro, do complacente apoio de grandes empresas, como a Microsoft.

Expulsão

Essa semana o exército israelense "aumentou seus ataques contra os subúrbios da maior cidade da Faixa e se prepara para expulsar a população palestina para o sul, onde os campos de deslocados já estão lotados. Israel também informou às autoridades médicas e organizações humanitárias de Gaza que devem se preparar para deixar a Cidade de Gaza e seguir para o sul. O aviso prevê uma ordem de evacuação posterior "para todo o município", onde o Ministério da Saúde da Faixa de Gaza e grupos humanitários estimam haver um milhão de pessoas. De Gaza, o desespero do Padre Romanelli: "Bombas estão caindo por toda parte, mas é impossível sair".

Colonialismo

Colonialismo israelense vem desde o pós-segunda guerra, como explica o ex-professor de Columbia, Rashid Khalidi:"O sionismo não é apenas um projeto de colonialismo de assentamento; é um projeto nacional, com uma importante dimensão religiosa. O Ocidente forneceu a metrópole a Israel, a Grã-Bretanha antes de 1948 e os Estados Unidos depois: sempre há um centro de onde o colonialismo parte. Existe o roubo da terra de um outro povo, a mudança no sistema legal para legalizar esse roubo e o assentamento dos colonos, tanto na Palestina quanto na Argélia e na Irlanda. No caso de Israel, esse processo nunca parou". O professor ainda pergunta se podemos chamar Israel de democracia. "A proteção que o Ocidente reconhece a Israel se explica por interesses estratégicos e geopolíticos e pela visão de Israel como uma democracia ocidental, uma das mentiras mais grotescas da história. Como pode um país que há 57 anos domina metade da população sob seu controle, reconhecendo-lhes zero direitos, ser uma democracia?"

Delírio onipotente

E no delírio da onipotência, Ben Gvir visitou Marwan Barghouti, conhecido como o “Mandela da Palestina”. Prisioneiro há 23 anos de Israel, o líder político não se dobrou à tentativa de humilhação vinda do ministro israelense. E sobre o encontro, foi assertiva a análise de Matteo Nucci: "hoje, entre as marionetes que apertam as mãos e prestam honra ao horror em cerimônias ridículas, é um indivíduo quase evanescente que ocupa o centro do palco. O homem, algemado, indefeso, mas cheio de um orgulho e de uma dignidade que exigem escuta. Sua história ressurge nas páginas dos jornais dispostos a contá-la. E sua humanidade humilha aquele que de humanidade não tem nenhuma”.

Unidade para a paz

Acusado de terrorismo, Marwan foi condenado mesmo antes da sentença, como conta seu filho, Aarab Barghouti. “Israel chama de terrorista qualquer pessoa que se oponha à ocupação, ao apartheid e, agora, à limpeza étnica e ao genocídio, fazendo com que isso pareça um fato. Mas dezenas de advogados analisaram os autos do julgamento, classificando-o como injusto e injusto. O juiz o chamou de terrorista antes mesmo do veredito. Ao levar meu pai a julgamento, eles, na verdade, queriam levar à justiça todo o povo palestino e seu direito à autodeterminação, porque ele sempre esteve disposto a se sacrificar pela causa; ele é uma personalidade capaz de unir. E precisamos de unidade para a paz”.

Limpeza étnica

Uma sociedade sustentada pelas mentiras, inclusive por aqueles protestam pelo fim da guerra, como observou Nathan Thrall: "há uma minoria se manifestando para pôr fim ao sofrimento dos moradores de Gaza, mas a maioria tem apenas uma reivindicação: a libertação dos reféns". Thrall, é vencedor do Prêmio Pulitzer de 2024 por seu livro Um Dia na Vida de Abed Salama, e mora em Jerusalém há anos. Em entrevista, o escritor conta que o “objetivo final de Israel é expulsar os palestinos da Faixa de Gaza. Netanyahu e seus ministros já o declararam, e em março o Gabinete de Segurança aprovou um plano. Chamam isso de emigração voluntária, mas na realidade é uma limpeza étnica. Já está em andamento, mas a estrutura estratégica de Israel só mudará se conseguir expulsá-los”.

Crianças cadavéricas

Genocídio, massacre, limpeza étnica, atrocidade, barbárie... tantos adjetivos para tentar explicar mais um relato em primeira pessoa. O artigo assinado por Majd al-Assar mostra a Shoah provocada por Israel: "Na ala pediátrica do Hospital dos Mártires de Al-Aqsa, em Deir al-Balah, a cena é devastadora. Fileiras e fileiras de crianças mirradas jazem em macas desgastadas, seus corpos reduzidos a esqueletos, os olhos fundos, a pele sem vida e pálida. Os quartos superlotados, desprovidos de qualquer equipamento médico básico, tornaram-se ambientes perigosos, espaços onde não só não é possível prestar cuidados, como também se espalham infecções de uma criança para outra. Gestantes e recém-nascidos, os pacientes mais vulneráveis de todos, são abandonados à própria sorte para enfrentar as consequências do colapso do sistema de saúde e de uma crise alimentar cada vez mais grave".

O golpe continua em edição

Donald Trump quer dar um golpe na democracia junto com a família Bolsonaro. Jair e Eduardo agora indiciados em mais um escândalo de coação no curso do processo e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. Junto com eles, Silas Malafaia, que ficou histérico no aeroporto ao ter que se explicar para a Polícia Federal. Agora, até quando Donald Trump vai apoiar o golpe da família Bolsonaro contra o Brasil, nem mesmo o articulador da trama do tarifaço, Eduardo Bolsonaro, tem certeza. Nas conversas publicadas essa semana, no âmbito da investigação da polícia federal, ele admite que aliados do presidente americano “já querem passar para o próximo”. E, na briga com seu pai, reclama “você vai decretar o resto da minha vida nessa p.... aqui”.

Lavando dinheiro

Segundo a polícia, Eduardo Bolsonaro recebeu R$ 4,1 milhões em dois anos, e Carlos R$ 4,8 milhões em um ano. E Jair Bolsonaro embolsou nada menos que 30 milhões em sua conta, isto é, 14 vezes mais do que sua declaração de patrimônio nas eleições de 2022.

Assombração na floresta

Mais um desgaste para o Brasil às vésperas da COP30, que erra ao suspender a moratória da soja. Uma decisão que implica no aumento do plantio na Amazônia. Com isso, o desmatamento volta a assombrar a região, como advertiu Deutsche Welle. "Um inquérito administrativo foi instaurado para investigar uma possível formação de cartel de compra no mercado nacional por parte de empresas exportadoras de soja. O processo foi instaurado de forma sigilosa a pedido da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados.

Ogronegócio

O ogronegócio comemorou a decisão. A Aprosoja do Mato Grosso, que estava em franca campanha desde 2018 contra o acordo voluntário, afirmou se tratar de “um acordo privado, sem respaldo legal, que vinha impondo barreiras comerciais injustas aos produtores”. No entanto, Ministério do Meio Ambiente e organizações da sociedade civil já avaliam se tratar de “um retrocesso que deve gerar impactos negativos. Segundo o Ministério, “O compromisso ambiental formalizado na Moratória da Soja com participação de agentes econômicos e apoio de órgãos governamentais possui quase 20 anos de vigência com resultados inegáveis para a proteção ambiental. A perenidade do acordo indica seu sucesso e a ausência de elementos que possam, por si só, caracterizar um cartel de compra que motive uma medida preventiva”.

Capturados

O governo brasileiro patinou também no tratado global sobre plásticos. Um estudo da Repórter Brasil revelou que a indústria de plásticos teve forte influência nas negociações do país sobre o tratado global contra a poluição por plásticos. A análise mostrou que em 56% das 87 reuniões governamentais sobre o tema, realizadas entre 2019 e 2025, houve a presença de representantes da indústria. Esse fato ajuda a explicar a posição ambígua do governo brasileiro durante as negociações que ocorreram na Suíça.

Pontificado morno

Robert Prevost completou cem dias à frente da igreja católica. Por enquanto, tateamos nas pistas deixadas para tentar entender os rumos desse pontificado, mas ainda é cedo e incerto um posicionamento mais rígido acerca do futuro da igreja.

Quaresma de São Miguel

O frei Luiz Caros Susin se fez uma reflexão teológica para celebrar o tempo dos anjos. "Quaresma de São Miguel: é hora de falar de anjos! De São Miguel, mas não só. Brasil a dentro espalha-se a quaresma de São Miguel com um fervor crescente. O arcanjo militar, chefe de milícia celeste, com sua espada em punho, desafia o Maligno e todas as suas hostes, um bom combate".

Massacres cotidianos

Enquanto Romeu Zema deseja se ver livre dos pobres, eliminando a população em situação de rua, um dos sociólogos de maior envergadura do país faz memória ao dia deles e ao Massacre da Sé. José de Souza Martins lembrou que 19 de agosto é Dia da Luta da População em Situação de Rua, segundo a Lei 15.187, sancionada em 04 de agosto deste ano. A data remete ao Massacre da Sé, série de ataques violentos contra moradores de rua na Praça da Sé, em São Paulo, entre os dias 19 e 22 de agosto de 2004.

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