18 Agosto 2025
A reportagem é de José Manuel Vidal, publicada por Religión Digital, 16-08-2025.
Não é fácil suceder a um grande papa. Francisco deixou uma marca indelével na Igreja Católica: uma personalidade avassaladora, carisma, capacidade de improvisação e governança e, acima de tudo, discernimento e audácia. Ele sabia que era guiado pelo Espírito e transmitia a postura e a confiança de um governante acostumado a tomar decisões e arcar com as consequências, para o bem ou para o mal. Sua mera presença preenchia o cenário eclesiástico e midiático.
Leão XIV, por outro lado, é um Papa diferente. E o é em todos os sentidos: na personalidade, no estilo e no exercício do papado. Francisco e Leão vêm de culturas religiosas diferentes. O primeiro era filho da tradição jesuíta, onde o superior concentra o poder e a tomada de decisões é de cima para baixo. O segundo, forjado na escola agostiniana, com superiores mais democráticos e colegiais e uma vida comunitária que imprime caráter.
O sentimento refletido nas redes sociais e na mídia sugere, por enquanto, uma recepção positiva ao Papa Francisco. Especialmente após o aumento de um milhão de jovens no Jubileu de Tor Vergata, imitando o mesmo número que João Paulo II conseguiu reunir. Um feito e tanto, especialmente após a onda de descrédito e falta de credibilidade que assolou a Igreja após o flagelo dos abusos clericais.
Após a "consagração" de Leão XIV pelos jovens, alguns destacam sua capacidade de inspirar confiança e esperança, enquanto outros, especialmente os conservadores, celebram o fim do que percebiam como um período de instabilidade sob o governo de Francisco. No entanto, as expectativas são altas, e seu pontificado será testado por desafios internos (reforma da Cúria, sinodalidade) e externos (conflitos globais, avanços tecnológicos).
Aos 69 anos, Leão XIV é biologicamente jovem para os padrões da Cúria. Ele está em boa forma (pratica exercícios e joga tênis), cuida de si mesmo e, se Deus quiser, tem um longo pontificado pela frente. Mas também é um homem moderno, familiarizado com tecnologia, inteligência artificial e mídias sociais. Ele usa WhatsApp, ostenta um Apple Watch, escreve e-mails e navega na internet como qualquer outra pessoa de sua geração. É um Papa conectado, que entende o mundo digital e suas dinâmicas e que vive a cultura atual de dentro para fora.
Se algo define estes primeiros cem dias do novo Papa, é a sobriedade. Leão XIV sabe que não pode competir com seu antecessor em carisma e não busca manchetes ou gestos espetaculares. Há menos imagens, menos metáforas, menos rupturas. E, acima de tudo, menos improvisações. Seu estilo é mais equilibrado, menos radical, talvez mais eficaz por sua capacidade de não perturbar, não criar inimigos, evitar confrontos e polarizações. Ele compromete a forma para unir e evitar fraturas. Ele não é um Papa de gestos, mas de substância. Ele não é um Papa de manchetes, mas de textos lidos com calma e reflexão.
Enquanto aguardamos as grandes decisões — viagens, encíclicas, compromissos — adiadas para setembro, a linha é clara: continuidade sem ruptura. O Evangelho, a paz, a unidade, a misericórdia e o diálogo permanecem no cerne da mensagem. A substância é a mesma de Francisco, mas a aplicação é diferente, adaptada a uma nova personalidade e contexto.
A Igreja e a opinião pública esperam sinais claros: continuidade na substância (Evangelho, justiça social, unidade, paz, diálogo) e, ao mesmo tempo, um estilo próprio. O desafio é equilibrar a fidelidade ao legado de Francisco com a necessidade de deixar sua própria marca. Qualquer passo percebido como uma ruptura pode gerar tensão, mas o excesso de cautela pode ser interpretado como falta de liderança.
O clima eclesial atual é marcado pela polarização entre setores reformistas e rigoristas. Manter a continuidade sem rupturas profundas implica evitar confrontos abertos e buscar consensos, mas sem ceder às pressões restauracionistas que exigem uma mudança conservadora. Leão XIV deve demonstrar flexibilidade política e capacidade de diálogo para evitar alimentar divisões internas.
Nessa continuidade reside seu firme compromisso com a sinodalidade. Leão XIV não deterá a primavera sinodal: a Igreja continua a avançar, impulsionada pelo Espírito. A deseuropeização e a despatriarcalização prosseguem, porque a exclusão sexista fere o corpo eclesial e questiona a universalidade da Igreja. Entre sinodalidade e colegialidade, tudo indica que ele optará pela primeira, mas sempre a partir de uma posição de possibilidade: sem forçar a máquina, sem romper o poliedro, sem revolução, mas com uma reforma séria e profunda.
Um exemplo claro: a reforma da nomeação de bispos, com maior envolvimento dos leigos em todo o processo. Leão XIV sabia que a sinodalidade não é apenas método, mas conteúdo, e que a participação genuína do Povo de Deus é a chave para uma Igreja mais fiel ao Evangelho e à sua missão.
Prevost é, acima de tudo, um homem de justiça social. Seus mais de vinte anos como missionário no Peru, berço da Teologia da Libertação, deixaram-lhe uma marca profunda. Sabia que a libertação dos pobres estava enraizada no Evangelho e que a Igreja devia ser samaritana, próxima e solidária. E foi com essa perspectiva que exerceu seu episcopado em Chiclayo, apesar de a diocese ser dominada pelo clero do Opus Dei, que acabou se conformando às tendências de seu prelado. Seu papado terá um sotaque missionário, mas evitará a sacralização do papado e evitará gestos inovadores. Quer chegar ao coração do povo com uma linguagem clara, simples e direta, sem intermediários, mas sem perturbar indevidamente um clero que, após a convulsão conciliar, retornou aos seus quartéis de inverno entre os oficiais do sacro.
A continuidade está em grande parte em jogo nas futuras nomeações curiais. Leão XIV deve formar uma equipe confiável que represente a diversidade eclesial, sem recorrer à divisão de cotas ou à imobilidade. Os setores internos julgarão sua liderança mais por nomes do que por programas, e qualquer decisão pode ser interpretada como um sinal de ruptura ou continuidade.
Leão XIV sabe que, no fim, será julgado pelas nomeações de prefeitos e "associados próximos" que fizer após o verão. Ele deve formar sua equipe, equilibrar as diferenças entre as tendências e evitar o risco de tentar agradar a todos, mas não satisfazer a ninguém. Ele também sabe que, embora o programa seja importante, o aparato curial o julgará mais pelos nomes no organograma curial do que por suas ideias. E que o grande perigo é cair na armadilha do clericalismo da Cúria, essa tentação dos funcionários do sagrado que buscam acima de tudo privilégios e poder.
Ousará, por exemplo, continuar a confiar no Cardeal Víctor Manuel Fernández, o teólogo favorito do Papa argentino e, sobretudo, uma "fera marrom" do fundamentalismo eclesiástico, por ousar publicar a Fiducia supplicans? Quem colocará no Dicastério dos Bispos, que ele conhece tão bem por tê-lo dirigido? Continuará a nomear mais mulheres para cargos-chave nos dicastérios da Cúria? Quem escolherá para chefiar o Dicastério do Culto Divino e suceder ao Cardeal Roche, a quem os rigoristas católicos acusam de ser o implementador da Traditionis Custodes e, portanto, o "justicier" do rito antigo? Até que ponto conseguirá manter o clericalismo curial e a endogamia institucional sob controle?
É evidente que o estilo sóbrio e menos midiático de Leão XIV pode ser eficaz para evitar conflitos, mas corre o risco de gerar desilusão ou distanciamento em setores que esperam gestos proféticos ou palavras contundentes. Ele terá que encontrar maneiras de manter a proximidade com o povo de Deus e a credibilidade na sociedade, sem recorrer à estridência, mas também sem o silêncio cúmplice de quem olha para o outro lado.
A sobriedade na liderança papal incentiva processos mais amplos de consulta e discernimento, menos condicionados pela urgência da mídia ou pela pressão de grupos específicos. O equilíbrio no tom e na forma incentiva a busca por um consenso comum e duradouro, em vez de soluções rápidas ou divisoras.
Sobriedade e equilíbrio são percebidos como sinais de humildade e serviço autêntico, o que reforça a autoridade moral do Papa e da Igreja. Esse testemunho facilita o diálogo porque se baseia no respeito, na escuta e na busca do bem comum, e não na imposição ou no protagonismo pessoal.
Um estilo sóbrio evita a sobrecarga de gestos e mensagens, permitindo que as palavras e ações do Papa sejam recebidas com maior atenção e reflexão. Isso dá profundidade ao processo de diálogo e evita o desgaste comunicativo causado por excessos retóricos ou mudanças bruscas de direção.
Sua abordagem focada na unidade e na estabilidade, embora necessária para apaziguar tensões internas, também corre o risco de ser interpretada como um abrandamento do processo sinodal, suscitando preocupações entre aqueles que viam a sinodalidade como uma oportunidade para democratizar a Igreja e abordar questões como a inclusão de minorias ou o papel das mulheres. Sem medidas visíveis para revitalizar esse processo, os progressistas podem sentir que o impulso transformador de Francisco está a esmorecer, minando a esperança de uma profunda renovação estrutural da Igreja "semper reformanda".
Em suma, cem dias depois, Leão XIV demonstrou que é possível ser um seguidor sem ser um copiador, um reformador sem ser um revolucionário e um líder sem a necessidade de alarde. A primavera continua, mas com ritmo, tom e estilo diferentes. Porque, como ele mesmo sabe, o que importa não é apenas o caminho, mas como se caminha.
Como o leão que leva seu nome, geralmente calmo, mas capaz de rugir e mostrar as presas quando o essencial está em jogo. Essa será, previsivelmente, uma das marcas registradas de seu pontificado: serenidade repleta de convicção, humildade com autoridade, escuta com a firmeza de quem sabe que o tempo eclesial é diferente. Porque se Francisco foi a tempestade que balançou o barco, Leão XIV é a brisa constante que o mantém avançando sem deixar ninguém à deriva. E, na calmaria, a primavera continua e o Espírito continua a soprar na Igreja.
É importante notar que os 100 dias são um período curto, e Leão XIV pode estar priorizando a consolidação de sua liderança antes de abordar questões mais controversas. Seu foco na unidade e na estabilidade pode ser uma estratégia para evitar a resistência que Francisco enfrentou de setores conservadores, o que, a longo prazo, poderia facilitar reformas progressistas. No entanto, essa cautela pode gerar impaciência entre os progressistas, que temem que o ímpeto reformista de Francisco seja diluído.
A parte mais progressista da Igreja, de fato, sente falta, nos primeiros 100 dias do reinado de Leão XIV, da ousadia, dos gestos simbólicos e das posições claras que caracterizaram Francisco em questões de inclusão, justiça global e reforma interna. Embora Leão XIV não tenha fechado a porta para essas prioridades, seu estilo conciliador e a falta de iniciativas concretas podem gerar alguma decepção entre aqueles que esperavam uma continuação mais enérgica da agenda progressista. Mas talvez, depois de um Papa inovador, a Igreja precise de um papado mais sereno e menos disruptivo, para equilibrar melhor os opostos, sem esquecer a primavera de Francisco.
Além disso, em um mundo marcado por intensas tensões geopolíticas, culturais e sociais — como os conflitos na Ucrânia e em Gaza, a polarização política e os desafios éticos da inteligência artificial — setores progressistas da Igreja anseiam por um Papa com voz profética que, embora calmo, ofereça orientação moral clara e ousada. Enquanto o Papa Leão XIV demonstra, como observado, um estilo conciliador que busca construir pontes em uma Igreja e um mundo divididos, uma profecia serena, caracterizada por gestos e palavras simbólicas que inspirem esperança sem exacerbar as divisões, poderia posicionar a Igreja como um farol moral em meio à polarização.
Neste contexto, as palavras de Santo Agostinho (seu santo de referência espiritual) ressoam como um apelo ao pontificado de Leão XIV: "Ama e faze o que quiseres" (Dilige et quod vis fac, Sermão sobre 1 João 7,8). Esta máxima agostiniana convida a uma liderança guiada pelo amor evangélico, o que poderia inspirar Leão XIV a combinar sua abordagem unificadora com a coragem profética. Se conseguir enraizar suas decisões neste amor, como sugere Santo Agostinho, poderá transformar sua cautela inicial em um pontificado que, serena, mas firmemente, guie a Igreja para um futuro de esperança e autenticidade em meio a um mundo dividido. O desafio para Leão XIV será, nos próximos meses, traduzir este convite agostiniano em ações concretas que mantenham vivo o entusiasmo dos fiéis, tanto progressistas quanto conservadores, sem perder o impulso transformador de que a Igreja necessita.
Nesse sentido, a exortação de Santo Agostinho: "Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem" (Noli vinci a malo, sed vince in bono malum, Comentário à Carta aos Romanos, 13,21), ressoa como um chamado a Leão XIV para abraçar uma audácia pastoral que, por amor e bondade, enfrente corajosamente os desafios internos e externos da Igreja, transformando sua prudência em um testemunho corajoso que inspire e renove a esperança dos fiéis em um tempo de crise profunda e sistêmica.
Nos primeiros cem dias do pontificado de Leão XIV, a história parece se repetir, com ecos do grande impulso dado pelo Concílio Vaticano II. Se Francisco foi o "João XXIII" do nosso tempo — o Papa dos grandes gestos, da abertura e dos "aggiornamenti" — Prevost parece encarnar o papel de Paulo VI: o homem do equilíbrio, da consolidação e da calma após a tempestade. Após a criatividade e a profecia de Bergoglio, vêm os primeiros sinais de normalização, de consolidação prudente, como alguém que acalma a espuma após a onda inicial.
Tudo indica que Leão XIV era, de fato, o candidato de Francisco, seu "delfim" cuidadosamente procurado e promovido para garantir a continuidade, mas também a governabilidade. Nos últimos meses, tornou-se claro que Bergoglio tinha plena clareza de que, após os tumultos dos últimos anos, a Igreja precisava de um pontífice capaz de tranquilizar a Cúria sem se envolver em suas intrigas, de acalmar os progressistas sem se aliar cegamente a eles e, ao mesmo tempo, de garantir moderação aos tradicionalistas, mesmo sem compartilhar suas teses. Trata-se de consolidar a mudança sem romper o tecido eclesial com solavancos repentinos. Para salvaguardar o bem maior da comunhão eclesial. Por isso, o lema do Papa Leão XIV é "in illo unum".
O Papa Prevost surge, assim, como o "normalizador" depois do visionário, o confirmador depois do pioneiro. O que é necessário não é uma grande revolução, mas sim calma, disciplina e maturidade na recepção das reformas. Assim como Paulo VI soube traduzir o espírito conciliar para canais institucionais e pacificar uma Igreja convulsionada pelo Concílio, agora Prevost oferece, nestes 100 dias, uma liderança serena, mas firme, pronta para construir pontes e garantir que o longo processo de renovação não se transforme numa guerra de trincheiras, mas sim numa jornada compartilhada rumo a uma Igreja mais sinodal, universal e madura. A primavera continua, e ninguém pode detê-la.