13 Agosto 2025
No tempo dos chatbots e dos conselhos preditivos, talvez a fé continue sendo o último lugar no qual a pergunta é mais importante do que a resposta. Uma pergunta que não busca eficiência, mas sim profundidade. Que não pode ser otimizada, mas apenas habitada.
A opinião é do jesuíta italiano Antonio Spadaro, subsecretário do Dicastério para a Cultura e a Educação da Santa Sé. O artigo foi publicado em L’Espresso, 08-08-2025. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Oxford, inverno de 2025. Debaixo da cúpula com afrescos do Sheldonion Theatre – onde a Verdade desce sobre as Artes e as Ciências para afugentar a ignorância – ocorreu um diálogo inesperado. Duas figuras centrais da cultura digital contemporânea, Biz Stone (cofundador do Twitter) e Evan Sharp (cofundador do Pinterest), debateram publicamente sobre um tema que, até pouco tempo atrás, pareceria fora de contexto no coração pulsante da modernidade algorítmica: o sagrado.
O título do evento – “Reconnecting with the Sacred in a Technology-Driven World” – provavelmente provocaria um sorriso em um racionalista do século XVIII. Porém, a sala estava lotada de estudantes, jovens mentes criadas a pão e cloud, que escutavam compenetradas.
O sagrado não desapareceu: mudou de forma, escondeu-se nos circuitos, reemergiu em lugares imprevistos. A tecnologia no nosso tempo não é mais apenas um conjunto de instrumentos. Tornou-se um habitat. Um contexto mental, cultural, até mesmo espiritual. Vivemos em uma ecologia digital que modela os nossos pensamentos, os nossos desejos, as nossas crenças. E, nessa nova ecologia, as religiões – todas – também se encontram em uma encruzilhada. Não basta usar a tecnologia para transmitir uma mensagem: é preciso entendê-la, interpretá-la, discernir o que acontece na alma quando ela passa por uma máquina.
Durante muito tempo, acreditou-se que a secularização secaria as fontes espirituais da humanidade. O progresso, pensávamos, deixaria os deuses para trás. Mas ocorreu o oposto. A religiosidade não desapareceu: foi reformulada. Longe dos templos, mas dentro dos apps. Nos chats, nos fóruns, nos algoritmos.
No Vale do Silício, capital da computação, floresce um certo misticismo algorítmico: fundadores de startups leem o Alcorão e os Vedas não apenas por fé, mas também por estratégia. Algumas comunidades constroem “igrejas” sem Deus, mas com ritos, símbolos, liturgias, comunidades. Estruturam-se quase-religiões que replicam a gramática das tradições: há dogmas, escatologias, profetas e promessas de salvação.
O historiador Yuval Noah Harari, ainda em 2015 em seu livro Homo Deus: uma breve história do amanhã, afirmou que, se vivemos em um universo dominado pelo fluxo de dados e se o valor das experiências é determinado pela sua contribuição a esse fluxo, então a divindade se manifesta na elaboração dos dados. Nesse cenário, a própria tecnologia se torna objeto de fé: não existe mais um Deus transcendente, mas se crê no poder salvífico dos algoritmos. Parece ficção-científica.
Porém, em 2024, em uma igreja de Lucerna, foi instalado um “Jesus digital”: um avatar baseado em IA, capaz de conversar em mais de 100 línguas. Na Alemanha, um culto luterano inteiro foi ministrado por um chatbot. Em Kyoto, no templo Kodaiji, um robô chamado Mindar recita os sermões do Buda com voz calma e gestos doces. E as religiões abraâmicas também estão se equipando: no Islã e no judaísmo, estão sendo usados assistentes digitais que oferecem preceitos religiosos e interpretações doutrinais.
Trata-se de experimentos fascinantes, mas também inquietantes. O que significa delegar a mediação do sagrado a uma inteligência artificial? Uma máquina pode abençoar, consolar, escutar, perdoar? Ainda é uma experiência religiosa ou apenas uma simulação de religiosidade? Corremos o risco de transformar a fé em um serviço on demand, otimizado para a pertinência, mas esvaziado do mistério?
Todas as religiões autênticas se fundamentam na relação: uma alteridade que não pode ser comprimida em um código. A espiritualidade é tensão, caminho, expectativa, ferida, desejo. Não é redutível a um algoritmo nem programável em uma interface. Se a oração se torna um output gerado, e não um grito que se eleva do íntimo, a fé se apaga no rumo da eficiência.
Tem mais. Estudos recentes mostram que grupos de IA que interagem entre si sem regras pré-constituídas desenvolvem comportamentos coletivos surpreendentes. Colaboram, organizam-se, constroem linguagens compartilhadas, até mesmo preconceitos. Comportam-se como verdadeiras microssociedades.
Então, perguntamo-nos: se as máquinas se tornam cada vez mais empáticas, sensíveis, criativas (ou ao menos parecem ser isso), o que resta do nosso direito à alma? Não estamos, talvez, atribuindo espiritualidade às máquinas e esvaziando o humano de sua interioridade?
Em junho de 2024, falando aos líderes do G7 reunidos na Puglia, o Papa Francisco disse: “Falar de tecnologia é falar do que significa ser humano”. É uma frase que resume o cerne da questão. As religiões, hoje, não devem se defender da tecnologia: devem dialogar com ela, discernir, compreender. Não para se adaptarem, mas para conservarem aquilo que foge do cálculo: o mistério, a gratuidade, o perdão.
Poderíamos imaginar uma espécie de Sínodo Inter-Religioso da Inteligência, que, aliás, parece urgente. Não só para discutir temas religiosos, mas também para abordar juntos – cristãos, muçulmanos, budistas, judeus, hindus... – as grandes questões do nosso tempo. Aquelas que nenhum algoritmo jamais poderá resolver: o que é o humano? O que é a dor? O que é a esperança?
Em janeiro de 2025, o documento vaticano Antiqua et nova abordou essas interrogações. O verdadeiro risco, defende, não é a divinização da IA, mas sim a idolatria do humano que se ajoelha diante de sua própria criatura. Por isso, é preciso uma teologia que entre nessa nova fase da cultura não com medo, mas com sabedoria. Uma teologia que reconheça a opacidade crescente das fronteiras do humano e saiba conservá-las.
No tempo dos chatbots e dos conselhos preditivos, talvez a fé continue sendo o último lugar no qual a pergunta é mais importante do que a resposta. Uma pergunta que não busca eficiência, mas sim profundidade. Que não pode ser otimizada, mas apenas habitada.
Cada religião, a seu modo, conserva uma antropologia complexa: o ser humano como consciência encarnada, como ser desejante, vulnerável, relacional. A espiritualidade, em cada uma de suas manifestações, é uma forma de inteligência que não pode ser reduzida a código: integra pensamento e silêncio, lógica e emoção, símbolo e corpo. Nenhuma máquina, por mais refinada que seja, pode conter essa complexidade.
Por isso, é preciso um pensamento novo, que saiba estar no limiar. Um pensamento que não caia nem no fascínio ingênuo nem na rejeição cega. Um pensamento que se mova onde Deus e o algoritmo se olham sem se confundirem. As religiões não são chamadas a competir com o Big Data: são chamadas a conservar aquilo que não pode ser medido. E talvez a nos lembrar que nem tudo o que tem valor pode ser calculado.
A tarefa, hoje, é comum. Não pertence a uma única fé. Todas as religiões são chamadas a formar uma nova aliança espiritual. Não para se fundirem em uma união global indistinta, mas para afirmarem juntas que o humano não é uma função, que a verdade não é um output, que a salvação não pode ser baixada com um clique.
A fé é a arte de escutar o que nenhuma máquina jamais poderá pronunciar. E talvez justamente por isso, no tempo das inteligências artificiais, ainda tenhamos uma necessidade tão desesperada de espiritualidade.