11 Agosto 2025
O anúncio do primeiro-ministro reacendeu vozes críticas, tanto dentro quanto fora do país, que temem que nem o Hamas seja derrotado nem os reféns sejam libertados, e que alertam para as enormes consequências humanitárias para a população palestina.
A reportagem é de Beatriz Lecumberri, publicada por El País, 10-08-2025.
Milhares de pessoas foram às ruas exigindo a devolução dos reféns e uma solução que pusesse fim à guerra em Gaza. Críticas surgiram de partidos de oposição, mas também da extrema-direita, e suspeitas aumentaram entre o alto comando militar. A decisão do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu de ocupar a Cidade de Gaza e, em seguida, o restante da Faixa de Gaza aprofundou as fissuras que já eram visíveis há meses na sociedade israelense, que sente que o país está imerso em uma guerra sem vitórias notáveis ou uma estratégia clara.
“As pessoas acreditam que a ocupação total da Cidade de Gaza não trará os reféns de volta; na verdade, colocará suas vidas em perigo. Os israelenses querem um acordo agora para pôr fim a esta guerra”, diz Moshe Raz, ativista e ex-deputado do partido de esquerda Meretz.
Nas últimas semanas, as críticas ao governo israelense vieram não apenas da tradicional oposição de esquerda ou da direita mais radical, mas também de fontes inesperadas, como ex-oficiais militares e de inteligência de alto escalão, que, em um vídeo público, exigiram que o governo chegasse a um acordo para libertar os reféns e cessar as operações militares na Faixa de Gaza. Chegaram a enviar uma carta ao presidente dos EUA, Donald Trump, instando-o a convencer Netanyahu de tudo isso.
A forma conta, e os detratores do primeiro-ministro sabem disso. Foi por isso que ativistas israelenses desenharam uma mensagem gigante na areia de uma praia de Tel Aviv na sexta-feira passada, perto de um prédio diplomático dos EUA. A mensagem dizia, em inglês e emoldurada por um perfil de Trump: "Acabem com a Guerra de Bibi", como Netanyahu é conhecido no país.
Outra voz dissidente que vem ganhando força é a do chefe do Exército, Eyal Zamir, que, segundo pesquisas de opinião dos últimos meses, inspira mais confiança entre os cidadãos do que o próprio Netanyahu, em um país onde as forças de segurança são uma espécie de "vaca sagrada". Zamir não concorda com o plano de Netanyahu, que precisa ser aprovado pelo governo nos próximos dias, e a imprensa israelense sugere que ele poderia renunciar, embora, por enquanto, pareça que as Forças de Defesa de Israel estão se organizando para executar ordens. "Vamos nos preparar ao mais alto nível em todos os aspectos e, como sempre, executaremos a missão da melhor maneira possível", afirmou o Exército em um comunicado.
Em 22 meses de guerra, Netanyahu e seus seguidores apresentaram um quadro idílico de conquistas dentro e fora de Israel: Irã, Líbano e o enfraquecimento do Hamas, o movimento islâmico que governa Gaza. Mas essa ideia de vitória total parece estar fracassando.
“Há um ano e meio, Netanyahu vem dizendo que está 'a poucos passos da vitória total' em Gaza. Mas esta decisão de ocupar Gaza completamente demonstra seu desespero. É perigoso e pode sair pela culatra novamente”, afirma Meir Margalit, ativista e autor de O Eclipse da Sociedade Israelense.
Na manifestação semanal em solidariedade aos reféns e suas famílias realizada neste sábado em Tel Aviv, que atraiu milhares de pessoas, essa ruptura foi sentida mais do que nunca.
“Nossos soldados estão em Gaza apenas porque este governo precisa deles. Precisamos tomar um rumo diferente. Pessoas de fora de Israel precisam saber que nem todos nós pensamos como Netanyahu”, implorou Liat Geller, segurando a foto de um dos reféns.
"Meu marido ainda está em Gaza. Não sei se ele está sofrendo, se está vivo... Cada hora conta, estou com muito medo. Presidente Trump, por favor, nos ajude, cheguemos a um acordo, por favor, traga-os para casa", soluçou Lishay Miran-Lavi, esposa de Omri Miran, refém em Gaza.
Nos últimos dias, vídeos divulgados pelo Hamas de dois indivíduos sequestrados, Rom Braslavski e Evyatar David, nos quais eles aparecem enfraquecidos e extremamente magros, desferiram um duro golpe e aumentaram o senso de urgência na sociedade israelense.
Porque desde que Israel encerrou o cessar-fogo em Gaza em meados de março, impôs um bloqueio total à ajuda humanitária e lançou a operação terrestre Carruagens de Gideão, os israelenses não sentiram o Hamas enfraquecer ou avançar na libertação dos 50 reféns ainda mantidos em Gaza, dos quais se acredita que cerca de 20 ainda estejam vivos.
Netanyahu "é facilmente pressionado e não tem capacidade de tomar decisões", concluiu Yair Golan, oficial militar aposentado e presidente do partido centrista Democratas Israelenses, em uma publicação nas redes sociais. "Derrubar este governo salvará vidas", acrescentou.
Além disso, as críticas internacionais a Israel aumentaram após a criação do Fundo Humanitário de Gaza, por meio do qual Israel pretende fornecer alimentos aos moradores de Gaza em vez de recorrer a agências da ONU. Pelo menos 900 pessoas foram mortas a tiros em seus quatro pontos de distribuição de alimentos, segundo a ONU. Sob pressão dos Estados Unidos, Israel foi forçado a permitir a entrada de mais ajuda humanitária em Gaza nas últimas semanas.
Mas, apesar de todas essas críticas, venham de onde vierem, Netanyahu ainda mantém o controle e aprovou com sucesso esta nova fase da guerra. Seu plano começaria com o controle total da Cidade de Gaza, o maior centro urbano da Faixa de Gaza, o que implicaria o deslocamento de quase um milhão de habitantes. O primeiro-ministro não forneceu detalhes sobre o que acontecerá a seguir e para onde essas pessoas irão, visto que o centro e o sul da Faixa já estão lotados de barracas, onde doenças e fome são frequentes.
Segundo relatos da imprensa local, esta evacuação em massa deverá terminar em 7 de outubro, data simbólica que marca exatamente dois anos desde os ataques do Hamas em Israel, nos quais 1.200 pessoas morreram, e o início desta guerra.
“As pessoas precisam entender para onde estamos indo: tomar o maior centro urbano da Palestina, a Cidade de Gaza, e reduzi-lo a escombros, como já foi feito no sul com Khan Yunis e Rafah”, alerta Yehuda Shaul, ativista e codiretor do think tank Ofek.
Analistas consultados por este jornal temem que o plano de esvaziar e controlar Gaza seja mais uma precipitação de um primeiro-ministro preocupado com sua própria sobrevivência política antes das eleições marcadas para 2026.
Para usar uma analogia esportiva, Netanyahu prefere atacar pelos flancos em vez de diretamente. Ele não busca uma vitória rápida. Ele quer manter o máximo de alternativas possível em aberto, ganhar tempo e manter o governo no poder”, opinou Amos Harel em uma análise publicada no sábado no jornal israelense Haaretz, estimando que essa “guerra perpétua” ajudaria o primeiro-ministro a garantir sua vitória nas eleições de 2026.
Dahlia Scheindlin, analista e especialista em opinião pública israelense, afirmou repetidamente em diversas colunas publicadas nos últimos meses que a popularidade de Netanyahu despencou nos primeiros seis meses da guerra em Gaza, mas se recuperou gradualmente, graças principalmente ao Irã e ao Líbano, e está em níveis muito semelhantes aos anteriores a outubro de 2023.
As intenções de Netanyahu também atraíram críticas do governo de coalizão de extrema-direita, mas, neste caso, por acreditarem que o primeiro-ministro não está indo tão longe quanto deveria. O ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, que nos últimos meses defendeu a destruição total da Faixa de Gaza e a expulsão de seus habitantes, disse que o plano de Netanyahu era "mais do mesmo" e visava trazer o Hamas de volta à mesa de negociações.
Arieh King, vice-prefeito de Jerusalém e ativista de extrema-direita, foi ainda mais longe, dizendo que Netanyahu "está errado porque o Hamas e seus apoiadores nunca serão aniquilados por constantes mudanças dentro e fora de Gaza".
"A única maneira é Israel anexar o norte de Gaza e restabelecer as aldeias que tínhamos lá há 20 anos. Que nossas bandeiras e sinagogas retornem", disse ele, referindo-se aos 20 assentamentos na Faixa de Gaza onde 9.000 colonos viveram até 2005, quando o governo ordenou e executou sua retirada completa.
Fora de Israel, o plano de Netanyahu disparou o alarme devido ao potencial alto custo em vidas em Gaza, onde o exército já matou pelo menos 61.000 palestinos. Os ministros das Relações Exteriores do Reino Unido, Alemanha, Itália, Austrália e Nova Zelândia condenaram conjuntamente a decisão do Gabinete de Segurança israelense no sábado, e na sexta-feira, o chanceler alemão Friedrich Merz anunciou o cancelamento do fornecimento de armas a Israel que poderiam ser usadas em Gaza.
Neste domingo, o Conselho de Segurança da ONU realizará uma reunião de emergência para revisar a decisão israelense, a pedido do Reino Unido. O secretário-geral António Guterres alertou que o plano israelense "corre o risco de agravar as consequências já catastróficas para milhões de palestinos, além de colocar ainda mais vidas em risco, incluindo as dos reféns".
Até agora, a única reação do governo dos EUA ao plano de Netanyahu foi a do vice-presidente JD Vance, que admitiu aos repórteres durante uma visita ao Reino Unido que seu país tem muitos objetivos em comum com Israel em relação a Gaza, mas "há algumas divergências sobre como exatamente atingir esses objetivos comuns".