09 Agosto 2025
"O setor nuclear civil, da produção de energia às aplicações médicas, representa uma ferramenta indispensável para enfrentar os problemas do século XXI, desde que guiado por princípios de segurança, transparência e cooperação internacional".
O artigo é de Piergiorgio Pescali, jornalista, publicado por Il Manifesto, 07-08-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
A relação entre ciência e tecnologia nuclear representa um dos capítulos mais complexos da história contemporânea, caracterizado por uma dualidade intrínseca que continua a definir o nosso presente. Do Projeto Manhattan aos modernos reatores de quarta geração, os cientistas se viram no centro de um debate ético que transcende os limites da pura pesquisa.
O nascimento da era nuclear coincide com um dos momentos mais dramáticos da história da humanidade. Físicos do calibre de Oppenheimer, Fermi e Einstein se viram às voltas com as implicações de suas descobertas quando a fissão nuclear, teorizada em laboratórios, se tornou uma realidade bélica em Hiroshima e Nagasaki.
A famosa frase de Oppenheimer, "Agora me tornei a Morte, o destruidor de mundos", cristaliza o tormento de uma geração de cientistas conscientes de ter aberto a caixa de Pandora.
No entanto, aquela mesma comunidade científica que havia contribuído para a criação da arma mais devastadora da história imediatamente se mobilizou para controlar sua proliferação.
Enquanto alguns físicos, como Enrico Fermi, afirmaram que "ter contribuído a pôr fim a uma guerra que ameaçava se arrastar por meses ou anos foi, sem dúvida, motivo de certa satisfação", outros, como Leo Szilard, fundaram a Federação de Cientistas Atômicos, que representou o primeiro exemplo da responsabilidade coletiva da comunidade científica diante das consequências de suas pesquisas.
Paralelamente ao desenvolvimento militar, os cientistas exploraram as aplicações pacíficas da energia nuclear desde a década de 1950. O programa "Átomos pela Paz" de Eisenhower marcou o início de uma nova era, na qual a própria tecnologia que havia semeado a destruição prometia energia limpa e abundante para a humanidade.
Hoje, enquanto o mundo luta contra a crise climática, a energia nuclear civil está vivendo uma segunda primavera.
Reatores de nova geração, como o Small Modular Reactors (SMR) e reatores de fusão atualmente em desenvolvimento, para muitos representam uma fronteira tecnológica crucial para a descarbonização.
Países como Finlândia, França, China e Coreia do Sul obtêm uma parcela significativa de sua energia elétrica da energia nuclear e afirmam estar buscando um modelo de energia de baixas emissões de carbono.
Muitas vezes esquecida no debate público, a medicina nuclear representa talvez a contribuição mais benéfica da tecnologia atômica. De técnicas de diagnóstico como a Pet a terapias oncológicas direcionadas, os radioisótopos revolucionaram a medicina moderna. Todos os anos, milhões de pacientes em todo o mundo se beneficiam de tratamentos que seriam impensáveis sem as descobertas da física nuclear.
A comunidade científica contemporânea herda um duplo fardo: a memória histórica das devastações nucleares e a responsabilidade de guiar a humanidade rumo a um futuro energético sustentável.
Os físicos nucleares de hoje operam em um contexto diferente, caracterizado por maior transparência e controle democrático, mas não por isso menos complexo. A pesquisa em fusão nuclear, conduzida em projetos internacionais como o Iter, representa a ambição de replicar na Terra os processos que alimentam as estrelas, prometendo energia virtualmente ilimitada, livre dos riscos associados à fissão. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento de reatores cada vez mais seguros e a gestão responsável dos resíduos radioativos demonstram como a ciência pode aprender com seus erros.
A história da energia nuclear nos ensina que a ciência nunca é neutra: cada descoberta carrega consigo um potencial construtivo e destrutivo. O desafio para os cientistas do presente e do futuro consiste em maximizar os benefícios minimizando os riscos, em um delicado equilíbrio entre progresso tecnológico e responsabilidade ética.
O legado de Hiroshima não deve ser esquecido, mas não pode paralisar a pesquisa científica diante dos desafios globais.
O setor nuclear civil, da produção de energia às aplicações médicas, representa uma ferramenta indispensável para enfrentar os problemas do século XXI, desde que guiado por princípios de segurança, transparência e cooperação internacional.