07 Agosto 2025
Vários “petromunicípios” estão entre os piores de seus estados em indicadores de pobreza, educação, acesso a saneamento, emprego e saúde.
A informação é publicada por ClimaInfo, 07-08-2025.
Defensores da exploração de petróleo no Brasil “até a última gota” sempre prometem “riqueza e desenvolvimento” a partir da exploração do combustível fóssil. Parte dessa promessa – ou crença – se baseia nos royalties e participações especiais recebidos por União, estados e municípios. Tal compensação é usada, por exemplo, por políticos do Amapá para defender a exploração de combustíveis fósseis na Foz do Amazonas.
Mas o histórico da indústria comprova a concentração de renda nas mãos de poucos e prejuízos ambientais e climáticos para todos, principalmente para os mais pobres. Isso vale também para o Brasil, como prova uma análise dos indicadores socioeconômicos das cidades brasileiras que mais receberam receitas petrolíferas por habitante nos últimos anos feita pela Agência Pública.
Vários municípios “petrorrentistas” aparecem entre os piores de seus estados em indicadores de pobreza, educação, acesso a saneamento básico, emprego e saúde, com desempenho muito inferior ao de cidades similares, que recebem pouco ou nenhum dinheiro do petróleo. Outros têm desempenho intermediário, e apenas alguns poucos se destacam nesses quesitos, a despeito de todos eles terem seus cofres públicos turbinados.
Foram avaliados dez indicadores socioeconômicos dos 15 municípios que mais receberam royalties e participações especiais per capita entre 1999 e 2024 – 12 do Rio de Janeiro, dois do Espírito Santo e um de São Paulo. Somadas, essas prefeituras receberam quase R$ 150 bilhões no período, cerca de R$ 95 mil por habitante, considerando a população estimada pelo IBGE em 2024.
A Agência Pública, em matéria reproduzida pelo Guardian, visitou duas delas: Presidente Kennedy, no sul do Espírito Santo, campeã de dinheiro do petróleo per capita; e Campos dos Goytacazes, no norte fluminense, maior recebedora em valores absolutos. Separadas por cerca de 100 km, Presidente Kennedy está entre as piores cidades capixabas nos dez indicadores, enquanto Campos tem desempenho apenas intermediário na maior parte dos indicadores.
Na cidade do Espírito Santo, os royalties vêm permitindo benesses sociais e obras, mas boa parte da população segue sem saneamento básico e quase não há empregos fora da prefeitura. Já em Campos, moradores reclamam do caos na saúde, e a desigualdade persiste.
“Presidente Kennedy é um município pequenininho e a arrecadação é altíssima. Falam que a população podia ser a mais rica e eu concordo. Pelo valor que recebe de royalties, era para a cidade estar um ‘brinco’, mas aqui é uma miséria. Para onde vai esse dinheiro?”, questionou Félix de Jesus, agricultor familiar do município.
Para o aposentado Romero Gomes, morador de Campos, a exploração do petróleo “trouxe mais problemas e os royalties não deram conta de resolver”. “Ao contrário, eles só [se] agravaram e aprofundaram. Para as prefeituras, é como se fosse a herança de um tio distante, que caiu no colo. Não precisa fazer mais nada e, com isso, o desenvolvimento estrutural da região fica renegado. Só que o combustível fóssil tem data de validade”, desabafou.
Essa percepção é validada por estudiosos do tema. “O aumento orçamentário não se reverteu em justiça nem na mitigação de desigualdades. Nenhuma pesquisa revela melhoria quanto a isso”, analisa o professor da Universidade Cândido Mendes (Ucam) Rodrigo Lira, do programa de pós-graduação referência na pesquisa sobre royalties do petróleo. A Ucam criou a plataforma InfoRoyalties, referência para a análise da Pública, assim como dados de orçamento e recursos humanos municipais da FGV Municípios.
No final de 2023, os repórteres André Borges e Ruy Baron mostraram realidade similar em Coari e Silves, cidades na Amazônia com produção de gás fóssil. No lugar que chamam de “Dubai Amazônico”, devido à exploração de combustíveis fósseis e aos royalties recebidos, viram in loco a total ausência de progresso e riqueza. Faltava até aspirina na farmácia popular. Sem falar nas constantes ameaças a quem se opõe à exploração de hidrocarbonetos.
A total desconexão entre petróleo e desenvolvimento social e econômico também foi constatada por Juliana Aguilera, do ClimaInfo. No Rio de Janeiro, Macaé e Maricá, duas “petrocidades” irrigadas com quantias expressivas de royalties, enfrentam problemas graves de infraestrutura e desigualdade. No Maranhão, as cidades de Santo Antônio dos Lopes e Capinzal do Norte, impactadas pela exploração de gás fóssil pela Eneva, além de continuarem pobres, sofrem com perda de identidade, danos ambientais e êxodo rural.