18 Abril 2025
No início da pandemia de COVID-19, em maio de 2020, o então ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, Ricardo Salles, sugeriu numa reunião ministerial que era a hora de “passar a boiada” sobre a legislação ambiental. Salles queria aproveitar o foco da imprensa na doença, que apavorava a população, para provocar estragos no clima e no meio ambiente, temas tão desprezados tanto por ele como por seu chefe.
A reportagem é publicada por ClimaInfo, 15-04-2025.
Mas, nos quatro anos de Bolsonaro na presidência, assim como nos dois anos e meio de Michel Temer no cargo, não houve qualquer oferta ao mercado de áreas para exploração de combustíveis fósseis na foz do Amazonas. Aliás, foi no governo Temer que a então presidente do Ibama, Suely Araújo, hoje coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima (OC), negou uma licença para a francesa Total Energies perfurar um poço de petróleo numa área próxima ao atual FZA-M-59, da Petrobras. Foi uma decisão técnica, baseada nas evidências do alto risco que tal empreendimento representa para uma região ao mesmo tempo rica e frágil em termos ambientais. A foz só seria lembrada no final de 2022, no apagar das luzes do governo Bolsonaro, quando a petroleira estatal brasileira começou o processo de licenciamento no órgão ambiental para o bloco 59.
Por isso, é chocante que, em seu esforço para reconstruir uma Petrobras combalida pela tentativa de privatização do governo anterior, Lula esteja olhando para o passado fóssil ao invés do futuro renovável. Justo o governo que colocou o Brasil de volta ao multilateralismo climático abandonado por seu antecessor, vem agora oferecer 47 blocos na foz do Amazonas a petroleiras. A confirmação da oferta dessas áreas no leilão que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) promoverá em junho foi feita na 2ª feira (14/4).
A inclusão destes blocos no certame contradiz frontalmente a tentativa de Lula de protagonizar a agenda global de transição energética. E também coloca em xeque suas prioridades: se o interesse privado de um punhado de empresas por explorar petróleo no Brasil “até a última gota” ou a segurança e o bem-estar da população brasileira diante dos eventos extremos oriundos das mudanças climáticas, que têm na queima de combustíveis fósseis sua principal causa.
Sem falar que a venda dessas áreas no litoral amazônico se dará a menos de cinco meses da COP30, que vai acontecer em Belém, a cerca de 500 km do FZA-M-59, e mais perto ainda de áreas da foz que estarão no leilão, como se vê no mapa das áreas disponibilizado pela ANP. Os petroestados que participarão da conferência do clima certamente estão agradecendo por este salvo-conduto para manter os fósseis longe das decisões da COP.
A “boiada do petróleo” sobre a foz do Amazonas, contudo, não se restringe ao leilão da agência, já que em muitas licitações não há oferta das petroleiras, mesmo com interesse prévio das empresas. Só que o novo “leilão do fim do mundo” espera a decisão do Ibama sobre a licença para a Petrobras perfurar um poço no bloco 59. É essa a “porteira” a ser aberta para a “boiada” atropelar o grande sistema recifal amazônico, os manguezais do litoral Norte e os Povos Indígenas e as comunidades ribeirinhas do Amapá, sem contar o clima do nosso planeta. Esse é o motivo de tantos impropérios e ataques “nível 5ª série” que o Ibama tem recebido. Não se trata de um eventual problema com a competência técnica do órgão, mas de uma disputa econômica feita em baixíssimo nível.
A estratégia do mercado petrolífero é óbvia: a Petrobras, como uma empresa controlada pelo governo, pode tentar “atropelar” as decisões técnicas do Ibama, fazendo pressão política sobre o órgão ambiental. É por isso que Alexandre Silveira, titular do Ministério de Minas e Energia (MME), pasta à qual a petroleira estatal está vinculada, ampliou seus ataques ao Ibama. É por isso que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), responsável por votar [ou não] matérias de interesse do governo, disse que o órgão “boicotava o Brasil”. É por isso que o presidente Lula, que, embora entusiasta da exploração de combustíveis fósseis na foz do Amazonas, mantinha-se neutro no debate, resolveu, desde fevereiro, acusar o Ibama de “lenga-lenga” e de “atuar contra o governo”.
O novo “leilão do fim do mundo” deixa óbvio que não se trata apenas de uma “licença para fazer pesquisa numa pequena área” no litoral da Amazônia, como os defensores da exploração de petróleo no Brasil “até a última gota” tentam difundir. A autorização para a Petrobras no FZA-M-59 facilitará outros pedidos de licença para explorar combustíveis fósseis na região. Como o jogo imposto pelas petroleiras é fazer crer que a decisão técnica não importa, se o Palácio do Planalto aceitar esse jogo, tudo dependerá da vontade política de quem o ocupar.
Só que já sentimos na pele os estragos que “vontades políticas” podem causar. A “boiada” de Bolsonaro quase causou o genocídio do Povo Yanomami; abriu a Floresta Amazônica para o desmatamento e para o garimpo ilegal; e não investigou um megavazamento de petróleo que atingiu toda a costa do Nordeste.
A emergência climática é real. É ela que está afetando a produção dos alimentos, jogando seus preços para o alto e afetando a inflação, algo caro para Lula e que está corroendo sua popularidade. Que deixou o Rio Grande do Sul debaixo d’água por um mês há quase um ano. Que provocou secas severas por dois anos consecutivos na Amazônia, afetando a vida de populações ribeirinhas. Que vem provocando ondas de calor fora de época em todo o país e alimentando incêndios no Pantanal, na Amazônia e no Cerrado.
E tudo isso causado principalmente pela queima de combustíveis fósseis que a “boiada do petróleo” quer passar sobre a foz do Amazonas, sob as bênçãos de parte do governo.