30 Julho 2025
Em entrevista à RFI, Vinícius Mariano de Carvalho, professor de Estudos brasileiros e latino-americanos da Kings College em Londres, analisou a abordagem do presidente dos EUA, Donald Trump, em relação à guerra na Ucrânia. Segundo o especialista, os ultimatos de Trump a Vladimir Putin são mais uma "bravata política" do que uma manobra com efeito prático, podendo inclusive catalisar a reconfiguração de alianças globais e a ascensão de novos atores no cenário diplomático.
A reportagem é de Márcia Bechara, publicada por Rfi, 29-07-2025.
As declarações recentes de Donald Trump sobre a guerra na Ucrânia acenderam mais um sinal de alerta no cenário internacional. Ao afirmar que encerraria o conflito em “10 a 12 dias”, sob ameaça de impor sanções severas à Rússia, o presidente dos Estados Unidos não apenas chamou a atenção para sua política externa agressiva, como também reposicionou os termos do debate sobre a escalada da guerra no Leste Europeu.
Para o professor Vinícius Mariano de Carvalho, titular de Estudos Brasileiros e Latino-Americanos no Departamento de War Studies do King’s College London, trata-se de mais uma bravata política que pode ter efeitos graves sobre a já frágil arquitetura diplomática internacional. “Parece que é como um wishful thinking, o Trump fala essas coisas imaginando uma realidade possível a partir daquilo que é o desejo dele. Parece-me que é uma dessas bravatas políticas, uma retórica que soa bem para seu público, mas que não terá efeito prático nenhum”, afirma o especialista.
A declaração de Trump, na avaliação do professor, não foi levada a sério por Moscou. “As respostas diplomáticas da Rússia já foram bastante desdenhosas. Não estão levando isso em conta como uma ameaça real à condução da guerra feita pelo Kremlin”, explica.
Com experiência em missões de paz e em comunicação estratégica, Carvalho destaca que a postura do presidente norte-americano segue um padrão recorrente. “Trump tenta se apresentar como um grande negociador, alguém que resolve todos os problemas do mundo, respeitado por todos os líderes. Mas faz isso sempre pela força bruta, com discursos ameaçadores e imposição de sanções”, diz. Segundo ele, essa lógica não se sustenta. “Negociações baseadas na pressão têm uma sobrevida muito curta e trazem outros negociadores para a arena, como a China.”
O professor alerta que o conflito na Ucrânia já deixou de ser uma disputa meramente europeia e entrou em uma fase de “escalonamento global”. O ingresso de tropas norte-coreanas ao lado da Rússia e a crescente fragmentação da Aliança Atlântica são sintomas dessa nova etapa.
“Essa guerra tem um terrível potencial de escalar e se tornar um conflito realmente de proporções globais. O conflito afeta a Europa diretamente porque está dentro do continente. Está reconfigurando de fato todo o desenho geopolítico europeu e, consequentemente, o global, porque uma coisa não está separada da outra”, analisa.
“O envolvimento direto da OTAN, que inclui Estados Unidos e Canadá, amplia os riscos. Qualquer declaração — seja de Trump ou de outro líder — precisa ser ponderada, pois pode escalar a guerra a um patamar que ninguém deseja.”
Ainda sobre a OTAN, Carvalho ressalta que a aliança enfrenta instabilidade interna. “Não há unanimidade entre os países membros. As decisões têm sido coerentes e consensuais, mas estão longe de serem unificadas. E essa fragilidade em uma aliança que por décadas garantiu a estabilidade global é preocupante.”
Trump também ameaçou impor sanções secundárias a países que continuem comprando petróleo e gás da Rússia. Para o especialista, esse tipo de medida pode sair pela culatra. “A intenção de afastar a China e outros atores do Sul Global acaba jogando no colo desses países a possibilidade de acordos mais vantajosos e impactantes com Moscou”, afirma. A guerra, nesse sentido, se torna também um campo de disputa simbólica por "hegemonia e influência nas novas redes de cooperação internacional".
Do lado russo, Vinícius Mariano de Carvalho aponta a opacidade como marca central da estratégia de Moscou. “Negociação é uma arte muito complexa. É muito difícil saber quais são os interesses estratégicos finais da Rússia. O discurso mudou várias vezes desde o início da guerra. Primeiro era uma operação especial, depois virou uma guerra total”, recorda.
Para o professor, o que se pode afirmar com relativa certeza é que Putin não aceitará sair do conflito sem algum ganho territorial. “Esse é o grande dilema, porque Zelensky já deixou claro que não haverá acordo sem a restituição de todos os territórios ocupados pela Rússia. Estamos, portanto, diante de posições aparentemente irreconciliáveis.”
Carvalho diferencia com precisão os conceitos de cessar-fogo e acordo de paz. “O cessar-fogo é apenas a suspensão das hostilidades, não é paz. Um acordo durável exige negociação, concessões e reconhecimento mútuo. E, para isso, é preciso mais do que ameaças midiáticas”, conclui.
Nesse contexto, alerta o professor, a guerra na Ucrânia está sendo tratada por alguns atores com uma irresponsabilidade alarmante. “Estamos falando de um conflito com potencial real de se tornar global. E a forma como algumas lideranças estão lidando com ele — com chantagens, bravatas e ultimatos — revela o quanto o sistema internacional precisa de novos mediadores comprometidos com soluções duradouras e multilaterais.”