23 Julho 2025
"A palavra da profecia é fazer ver o que ainda está ausente, e para que se possa ver o que está ausente é preciso anunciar que o Reino de Deus já está entre nós, uma afirmação estranha nesse tempo tão angustiante. É a fé e oração que nos permite que o nome de Deus não seja destruído dentro de nós", escreve Jung Mo Sung, teólogo católico e cientista da religião.
“Meu Deus, estes são tempos tão angustiantes! [...] Tentarei ajudar-te para que tu não sejas destruído dentro de mim [...] Uma coisa, porém, se torna cada vez mais evidente para mim, ou seja, que não podes ajudar, mas somente nós que te ajudamos e, desse modo, ajudamos a nós mesmos.” Em um campo concentração nazista, uma jovem judia holandesa, Etty Hillesum, escreveu no seu diário essa oração da manhã de domingo do dia 12 de julho de 1942.
Neste tempo tão angustiante e “estranho”, em que o Israel destrói e destrói a faixa de Gaza, matando crianças, mulheres e homens civis nas filas de comidas e água, em nome de que nunca mais haja holocausto do “povo escolhido por Deus”. O mesmo nome de Deus adorado por países cristãos em que os seus governantes aceitam passivamente essas ações ou não sabem como ou não têm coragem para parar essa matança. Tantas mortes, que no fundo são sem sentido, e tanta insensibilidade frente a essas mortes só podem ser justificadas em nome de um Deus. Como dizia a Joan Robinson, economista, ao falar de como o capitalismo busca a acumulação irracional de riqueza, “Ninguém gosta de ter uma má consciência. Cinismo puro e um tanto raro. Mesmo os tugues roubavam e assassinavam pela honra de sua deusa” (Filosofia econômica, escrito em 1962).
A ideia de que “nós” somos escolhidos por Deus, ou pela história, para fazer acontecer o que o “mundo” deveria ser é muito tentadora. Essa tentação nos faz sentir especiais, pertencente a um “povo escolhido”, e, o mais importante, estar acima dos outros povos e das “leis morais”. A tentação aumenta quando enfrentamos situações ambíguas e perigosas e temos algum poder militar-político-econômico significativo. Essa noção de um Deus que está “acima” dirigindo ou indicando claramente o caminho e as ações desse “povo escolhido” é a tentação satânica, a do “anjo” decaído de tantos mitos.
Na oração de Etty Hillesum encontramos uma chave para sairmos dessa tentação que nos aprisiona: nós devemos ajudar a Deus, que veio ao mundo anunciar a libertação de todas formas de escravidão e opressão (na tradição bíblica, Javé que se revelou em Moisés e em Jesus), a não ser destruído dentro de nós (na consciência pessoal e na comunidade). Sem a profecia, sem a crítica do mal que se tornou normal e sem o anúncio do que podemos fazer, dentro das condições atualmente possíveis, esse Deus da Vida se torna cada vez mais ausente. Deus está, mas na condição de ausente.
Como membros de uma tradição religiosa-espiritual que nasceu do encontro com um Deus que se fez escravo, politicamente e militarmente quase impotente, pessoas e comunidades cristãs podem e devem ajudar o nome e a voz de Deus manter se vivo. A única ou a melhor forma de nos ajudarmos a nós mesmos a se tornarmos mais humanos é ajudar a manter vivo o verdadeiro nome de Deus. Não um nome vazio, onde simplesmente se reproduz o som de um nome sem espírito a não ser o de ódio e vingança, mas sim a experiência de “ouvir” o amor-misericórdia no corpo abraçado e alimentado de comida e esperança.
A palavra da profecia é fazer ver o que ainda está ausente, e para que se possa ver o que está ausente é preciso anunciar que o Reino de Deus já está entre nós, uma afirmação estranha nesse tempo tão angustiante. É a fé e oração que nos permite que o nome de Deus não seja destruído dentro de nós.
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