22 Julho 2025
Boric, Lula, Petro, Orsi e Sánchez assinaram uma declaração conjunta para enfrentar a desigualdade, a desinformação e o crescente extremismo de extrema-direita.
A reportagem é publicada pelo jornal Pagina|12, 22-07-2025.
Sob o lema "Democracia sempre", os presidentes Gabriel Boric (o anfitrião do Chile), Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Yamandú Orsi (Uruguai) e Gustavo Petro (Colômbia), juntamente com o chefe do Governo espanhol, Pedro Sánchez, se reuniram nesta segunda-feira em Santiago para levantar uma voz coletiva em defesa do multilateralismo, da justiça social e das instituições democráticas contra o avanço global do extremismo de direita e para articular uma resposta à guerra comercial do presidente dos EUA, Donald Trump.
Após a reunião, os cinco líderes emitiram uma declaração conjunta. “Temos plena consciência de que o mundo atravessa um período de profunda incerteza, em que os valores democráticos são constantemente desafiados. Diante disso, acreditamos ser um imperativo ético e político promover uma estratégia comum para enfrentar fenômenos globais como a crescente desigualdade, a desinformação e os desafios impostos pelas tecnologias digitais e pela inteligência artificial”, observaram.
Na carta, os presidentes reiteraram a necessidade de "promover uma reforma do sistema de governança internacional, em particular das Nações Unidas, para restaurar sua capacidade de ação e legitimidade diante dos grandes desafios globais. Isso implica caminhar em direção a uma representação mais justa e efetiva, superar os bloqueios decorrentes do uso de vetos e estabelecer mecanismos reais de conformidade e responsabilização".
O encontro marca um novo capítulo na rede internacional de líderes progressistas que, além de denunciar ameaças à democracia e aos direitos humanos, buscam construir uma agenda comum com ações concretas para combater a desigualdade, a desinformação e o autoritarismo. Parte da agenda definida pelos líderes na capital chilena é colaborar para garantir que algoritmos não manipulem as opiniões dos usuários e reduzir a desigualdade social, ambiental e econômica, "que, em última análise, mina a confiança nas instituições ".
"Hoje, em muitas partes do mundo, a democracia está ameaçada", disse o presidente anfitrião Boric no início da reunião no palácio presidencial de La Moneda, em um discurso no qual denunciou "o extremismo de qualquer tipo, o aumento do ódio, a corrupção, a concentração de poder e uma desigualdade que mina a confiança nos assuntos públicos e no Estado de Direito".
A aliança não ficará confinada aos muros de La Moneda. Boric confirmou que os líderes do México, Claudia Sheinbaum, e do Reino Unido, Keir Starmer se juntarão formalmente ao grupo progressista na próxima reunião em Nova York, juntamente com seus colegas do Canadá, África do Sul, Dinamarca e Austrália. "Algo grande está nascendo aqui. Este não é apenas um ato simbólico, é um ato político", enfatizou o presidente chileno.
Os demais líderes presentes concordaram sobre a necessidade de construir uma resposta coordenada e ousada ao que Sánchez chamou de "movimento internacional reacionário de ódio e mentiras". Para o líder socialista espanhol, é hora de "partir para a ofensiva". Ele denunciou que "uma coalizão de interesses entre oligarcas e extrema-direita" contaminou até mesmo setores tradicionais da direita política, acusando-os de terem "sucumbido a esse arcabouço ideológico extremista". Sánchez também anunciou que a Espanha sediará uma nova cúpula progressista em 2026.
O encontro em La Moneda também incluiu uma forte declaração sobre a situação em Gaza. Boric foi categórico: “Estamos dilacerados pelo número diário de mortes nesta parte do mundo que também nos pertence. Exigimos um cessar-fogo imediato e a entrada garantida de ajuda humanitária sem bloqueios”. “A democracia não se defende apenas nas urnas; ela também se constrói nas ruas, na mídia, nas redes sociais e nas comunidades”, concluiu Boric, oito meses antes do fim de seu mandato.
Por sua vez, o líder brasileiro Lula da Silva admitiu que "o sistema político e os partidos caíram em descrédito", fortalecendo a extrema-direita e possibilitando esta "nova ofensiva antidemocrática". Ele explicou que "a chave para o debate público livre e pluralista é a transparência de dados e (...) o fortalecimento das instituições democráticas e do multilateralismo", em meio a uma onda de medidas protecionistas e unilaterais. "A única resposta possível é mais democracia, mais justiça social e mais verdade".
A cúpula acontece em um momento particularmente tenso para as relações comerciais com Washington. Menos de duas semanas antes das novas tarifas de 50% de Trump — que afetam países como Brasil, Chile e toda a União Europeia — entrarem em vigor, os líderes presentes não se esquivaram do tema.
Na última quinta-feira, em rede nacional de televisão, Lula descreveu as medidas de Trump como "chantagem inaceitável" e alertou sobre os perigos de repetir "práticas intervencionistas disfarçadas de política comercial". As tensões estão crescendo após os últimos gestos de Trump em apoio ao ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que enfrenta vários processos judiciais.
Os círculos diplomáticos alertam que Washington pode interpretar este fórum como uma mensagem hostil, embora os organizadores tenham se apressado em esclarecer que se trata de uma iniciativa a favor da democracia e do multilateralismo, e não contra nenhum país em particular.