A missão não é um negócio nem um empreendimento social. Comentário de Ana Casarotti

Foto: canva

04 Julho 2025

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Evangelho de Lucas 10,1-12.17-20, que corresponde ao 14° Domingo do Tempo Comum, ciclo C do Ano Litúrgico. O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.

Eis o comentário.

Naquele tempo, o Senhor escolheu outros setenta e dois discípulos e os enviou dois a dois, na sua frente, a toda cidade e lugar aonde ele próprio devia ir. E dizia-lhes: "A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Por isso, pedi ao dono da messe que mande trabalhadores para a colheita. Eis que vos envio como cordeiros para o meio de lobos. Não leveis bolsa, nem sacola, nem sandálias, e não cumprimenteis ninguém pelo caminho! Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: 'A paz esteja nesta casa!' Se ali morar um amigo da paz, a vossa paz repousará sobre ele; se não, ela voltará para vós. Permanecei naquela mesma casa, comei e bebei do que tiverem, porque o trabalhador merece o seu salário. Não passeis de casa em casa. Quando entrardes numa cidade e fordes bem recebidos, comei do que vos servirem, curai os doentes que nela houver e dizei ao povo: 'O Reino de Deus está próximo de vós'. Mas, quando entrardes numa cidade e não fordes bem recebidos, saindo pelas ruas, dizei: 'Até a poeira de vossa cidade, que se apegou aos nossos pés, sacudimos contra vós'. No entanto, sabei que o Reino de Deus está próximo! Eu vos digo que, naquele dia, Sodoma será tratada com menos rigor do que essa cidade".

Os setenta e dois voltaram muito contentes, dizendo: "Senhor, até os demônios nos obedeceram por causa do teu nome". Jesus respondeu: "Eu vi Satanás cair do céu, como um relâmpago. Eu vos dei o poder de pisar em cima de cobras e escorpiões e sobre toda a força do inimigo. E nada vos poderá fazer mal. Contudo, não vos alegreis porque os espíritos vos obedecem. Antes, ficai alegres porque vossos nomes estão escritos no céu".

O texto do evangelho de Lucas sobre o qual meditamos neste domingo nos convida a refletir a respeito da missão, a comunicação do Reino e sua proximidade, e nos interpela sobre nosso modo de vida, simples, pobre, sem apegos, como testemunho cristão.

“O Senhor escolheu outros setenta e dois discípulos e os enviou dois a dois...”

Em primeira instância, destacamos que a missão não é obra de um pequeno grupo. Da mesma forma que aconteceu nos primeiros séculos, a mensagem do evangelho é comunicada por todas as pessoas que vivem seu seguimento a Cristo, com a alegria própria do Evangelho e seu modo de vida desperta perguntas, interesse, suscita inquietações e gera espaços para comunicar e tornar presente a vida que Jesus vem nos trazer. O número 72 pode representar a missão cristã tal como era praticada na época de Lucas e é também uma forma de tornar presentes essas pequenas comunidades que estavam dispersas em diferentes lugares do Império e que eram comunicadoras da Boa Nova do Reino. Eles são enviados “dois a dois”, por um lado como companhia mútua, como uma forma de se ajudarem e também ressaltando que o evangelho não se comunica de forma individual, mas gerando pequenas comunidades que oferecem perspectivas diversas. A missão individual, que corre o risco de ser algo isolado e com características muito personalizadas, não é própria de Jesus nem das primeiras comunidades.

Em Atos dos Apóstolos, Lucas confirma essa ideia apresentando pequenos grupos, duplas como Pedro e João, Paulo e Barnabé, Paulo e Silas, Barnabé e Marcos. Não há um fundador de uma comunidade que a organize de acordo com seus critérios, mas há peregrinos, caminhantes que animam as comunidades, que percorrem os espaços onde elas estão surgindo para encorajá-las a viver a fé apesar das dificuldades. Jesus caminhou e peregrinou com um grupo, com uma comunidade de homens e mulheres que o seguiam. Com eles, ele compartilhava a vida, ensinava-os "quando estavam com ele”, recebia suas perguntas e inquietações, recolhia as repercussões ou sentimentos sobre suas ações, sobre sua pessoa, como vimos no domingo anterior.

“Os enviou dois a dois, na sua frente, a toda cidade e lugar aonde ele próprio devia ir”.

Irão a lugares e cidades que ele visitará mais tarde, de alguma forma preparando o caminho e comunicando a alegria do encontro com Jesus. João Batista preparava um caminho de conversão, mas agora os discípulos trazem a Boa Nova do Reino presente entre nós, a Novidade do Messias que já está entre nós, de Jesus a quem convidam a receber, acolher, deixar-se transformar por ele. Eles “preparam”, transmitindo, convidando a receber Jesus, a deixá-lo entrar em sua vida e conhecer sua revelação, seu amor, sua Vida que liberta e salva!

"A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Por isso, pedi ao dono da messe que mande trabalhadores para a colheita.

Em primeiro lugar, Jesus convida-os a orar, a deixar nas mãos de Deus a tarefa que lhes confia. Não é um “problema” a resolver, nem um sistema ou uma ideologia que eles têm que difundir com o objetivo de reunir pessoas, convencê-las de algo... nada mais distante disso, apesar de reconhecermos que isso acontece em diferentes espaços eclesiais. Jesus os convida a olhar para a messe, para as pessoas, para cada um, a partir do seu olhar e a sentir com o seu coração: ter esse olhar compassivo e também essa confiança absoluta que Ele sempre teve em seu Pai... Jesus sabe que a messe é grande e assim lhes diz, mas não é para preocupá-los, sobrecarregá-los ou transmitir-lhes uma sensação de importância ou superioridade, mas é um convite a serem sempre gratos por terem sido chamados a experimentar a riqueza de seu Amor, a estar com Ele e a fazer parte de sua comunidade. Por isso, antes de tudo, Ele os convida a orar, a se colocarem humildemente diante de Deus.

Ele os envia com uma advertência: a tarefa que vão realizar não é fácil, “vocês vão como cordeiros no meio de lobos”. Os cristãos sabiam que seguir Jesus não era uma tarefa fácil e que sua mensagem não era rapidamente aceita e que alguns – como Estêvão, Tiago e muitos outros que não conhecemos – foram mortos por sua fé, por permanecerem fiéis ao evangelho de Jesus. Em primeiro lugar, Jesus os convida a rezar, a deixar a tarefa que Ele lhes confia nas mãos de Deus. Não se trata de um "problema" a ser resolvido, nem de um sistema ou ideologia a ser difundido com o objetivo de unir as pessoas, convencê-las de algo... nada poderia estar mais longe da verdade, embora reconheçamos que isso acontece em diferentes espaços eclesiais. Jesus os convida a olhar para a colheita, para as pessoas, para cada um, a partir de sua própria perspectiva, e a sentir com o coração: a ter aquele olhar compassivo e também aquela confiança absoluta que Ele sempre teve em Seu Pai... Jesus sabe que a colheita é grande, e Ele lhes diz isso, mas isso não é para preocupá-los, sobrecarregá-los ou transmitir um senso de importância ou superioridade. Pelo contrário, é um convite a ser sempre grato por ter sido chamado a experimentar a riqueza do Seu amor, a estar com Ele e a fazer parte da Sua comunidade. Por isso, acima de tudo, Ele os convida a rezar, a se colocar humildemente diante de Deus. Ele os envia com uma advertência: a tarefa que irão realizar não é fácil, “vocês vão como cordeiros no meio de lobos”. Os cristãos sabiam que seguir Jesus não era uma tarefa fácil e que sua mensagem não era rapidamente aceita; alguns deles – como Estêvão, Tiago e muitos outros que não conhecemos – foram mortos por causa de sua fé, por permanecerem fiéis ao evangelho de Jesus.

Não leveis bolsa, nem sacola, nem sandálias, e não cumprimenteis ninguém pelo caminho! Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: 'A paz esteja nesta casa!'

Jesus também lhes dá orientações para essa missão, faz algumas recomendações, preparando-os para essa tarefa. Em primeiro lugar, ele lhes diz o que é necessário levar ou, melhor dizendo, o que “não devem levar”. Na bolsa guardavam o dinheiro, na sacola os alimentos, e não levar sandálias pode significar que não irão a lugares muito distantes ou longínquos. Não levar bolsa para guardar dinheiro faz referência ao fato de que o Império Romano estava cheio de grupos e pregadores religiosos que viviam de sua pregação, usavam a pregação como forma de ganhar a vida, por isso Jesus recomenda uma vida austera, não se aproveitar da caridade alheia, comer o que lhes derem e viver de seu trabalho, como também menciona Paulo.

O que fazer quando chegam a uma casa? Cumprimentar com a paz, como Jesus fez aos discípulos. Não é uma fórmula, mas é uma vida que Jesus nos oferece. Jesus nos convida a ser como ele, a dar sua paz, sua própria vida. Neste tempo convulsionado por guerras, mentiras e falta de sensibilidade à dor e ao sofrimento causados pelas guerras, onde morrem centenas de inocentes, a necessidade de uma paz que não seja

Desde o início do seu pontificado, o Papa Leão XIV entrou nas nossas igrejas, nas nossas comunidades e na vida de cada cristão, tornando presente a saudação de Jesus. Como ele mesmo disse aos participantes do Jubileu das Igrejas Orientais: “Um apelo se destaca: não tanto o do Papa, mas o de Cristo, que repete: "A paz esteja convosco!" (Jo 20,19.21.26). E ele especifica: "Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou. Não vô-la dou como o mundo a dá" (Jo 14,27). A paz de Cristo não é o silêncio mortal que se segue ao conflito, nem é o resultado da opressão, mas um dom que olha para as pessoas e revive suas vidas. Rezemos por essa paz, que é reconciliação, perdão, coragem de virar a página e começar de novo (cf.: Leão XIV: "O povo quer a paz e eu, com o coração na mão, digo aos líderes do povo: encontremo-nos, conversemos, negociemos!")

Este domingo somos convidados a comunicar esta mensagem, desde a pobreza e a austeridade, sem grandes protagonismos, mas com a simplicidade do único tesouro que nos foi confiado: Jesus Ressuscitado, que nos dá a sua Paz e nos chama a transmiti-la.

Oração

Dá-nos, Senhor, aquela Paz inquieta que denuncia a
Paz dos cemitérios e a Paz dos lucros fartos.
Dá-nos a Paz que luta pela Paz!

A Paz que nos sacode com a urgência do Reino.
A Paz que nos invade, com o vento do Espírito,
a rotina do medo, o sossego das praias
e a oração de refúgio.

A Paz das armas rotas na derrota das armas.
A Paz do pão da fome de justiça,
a Paz da liberdade conquistada,
a Paz que se faz “nossa” sem cercas nem fronteiras,
que tanto é “Shalom” como “Salam”,
perdão, retorno, abraço...

Dá-nos a tua Paz, essa Paz marginal que soletra
Em Belém e agoniza na Cruz e triunfa na Páscoa.
Dá-nos, senhor, aquela Paz inquieta,
que não nos deixa em paz!

Pedro Casaldáliga

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