02 Julho 2025
A informação é de José Lorenzo, publicada por Religión Digital, 02-07-2025.
O Vaticano está levando a sério e expondo o capitalismo "verde" com um documento intitulado "Um apelo à justiça climática e à nossa casa comum: conversão ecológica, transformação e resistência a falsas soluções", no qual rejeita o que chama de "falsas soluções" e, em vez disso, exige que os países desenvolvidos paguem sua dívida ecológica "com financiamento climático justo, sem endividar ainda mais o Sul".
Preparado pelo Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagascar (Secam), pela Federação das Conferências Episcopais Asiáticas (FABC) e pelo Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), coordenado pela Pontifícia Comissão para a América Latina (PCAL), o documento foi apresentado esta manhã na Sala de Imprensa do Vaticano, em uma coletiva de imprensa da qual participaram Emilce Cuda, secretária da PCAL; o cardeal Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre, Brasil, e presidente do Celam; o cardeal Filipe Neri António, arcebispo de Goa e Damão, Índia; e o cardeal Fridolin Ambongo Besungu, arcebispo de Kinshasa, República Democrática do Congo.
"A ciência é clara: limitar o aquecimento global a 1,5°C para evitar efeitos catastróficos. Jamais devemos abandonar esse objetivo. São o Sul Global e as gerações futuras que já estão sofrendo as consequências", afirma o documento apresentado em suas linhas iniciais. Ele também rejeita "falsas soluções como o capitalismo 'verde', a tecnocracia, a mercantilização da natureza e o extrativismo, que perpetuam a exploração e a injustiça". Em vez disso, o Vaticano exige equidade, justiça e proteção.
Equidade, porque, como observado, "as nações ricas devem pagar sua dívida ecológica com financiamento climático justo, sem endividarem ainda mais o Sul, a fim de recuperar perdas e danos e promover a resiliência na África, América Latina e Caribe, Ásia e Oceania".
Justiça para "promover o decrescimento econômico e acabar com os combustíveis fósseis, encerrando toda nova infraestrutura e taxando adequadamente aqueles que se beneficiaram dela, inaugurando uma nova era de governança que inclui e prioriza as comunidades mais afetadas pelas crises climáticas e naturais".
Em relação à terceira parte das demandas do Vaticano — proteção — ela se enquadra na "defesa dos povos indígenas e tradicionais, dos ecossistemas e das comunidades empobrecidas ; no reconhecimento da maior vulnerabilidade das mulheres, meninas e novas gerações; e na migração climática como um desafio para a justiça e os direitos humanos".
As Igrejas Particulares do Sul Global, conscientes de que "ninguém se salva sozinho" – como nos ensinou o nosso querido Papa Francisco – começaram a construir pontes como expressão da catolicidade que as constitui. O resultado desse trabalho comunitário é o documento conjunto que hoje é apresentado ao Papa e à imprensa, como uma prévia do que será apresentado daqui a cinco meses em Belém, no âmbito da COP30. Constitui um exemplo concreto dessa prática de construção de pontes, característica da virtuosa capacidade de organização comunitária que distingue as Igrejas Católicas do Sul Global para superar: parte, conflito, espaço e ideologia", observou Emilce Cuda, secretária da PCAL, durante a apresentação.
Como apóstolos missionários de uma Igreja sinodal em saída, iremos à COP30 para construir essa paz em meio a esta guerra fragmentada contra a criação, onde muitos estão morrendo e ainda mais morrerão se não agirmos agora, como alertam cientistas da ONU. Fazemos isso porque — como diz o Papa Leão XIII — a Igreja “sempre busca estar próxima, especialmente daqueles que sofrem”, observou um deles em seu discurso, acrescentando, em nível pessoal, “o choque” causado pelos eventos que se desenrolam em Gaza.
Por sua vez, o Cardeal Jaime Spengler quis ressaltar a importância da imprensa e dos jornalistas "porque eles podem nos ajudar a fazer com que a mensagem e a preocupação da Igreja cheguem a todos os lugares, já que não faltam vozes negacionistas" em relação aos efeitos das mudanças climáticas.
"O documento que apresentamos não é um gesto isolado. É fruto de um processo sinodal, de um discernimento espiritual e comunitário entre as Igrejas irmãs do Sul Global" e contém "os principais pontos de defesa, propostas e denúncias da Igreja, de acordo com o Magistério do Papa Francisco e do Papa Leão XIV, em relação à crise climática e às questões em debate na COP30", com uma "mensagem clara: não há justiça climática sem conversão ecológica, e não há conversão ecológica sem resistência a falsas soluções".
"Do coração da Amazônia, ouvimos um grito: como podemos permitir que um mercado sem regulamentações éticas decida o destino dos ecossistemas mais vitais do planeta? Como podemos aceitar que a solução climática seja um negócio para poucos e um sacrifício para os povos indígenas, afrodescendentes e comunidades locais? É urgente conscientizar sobre a necessidade de mudanças no estilo de vida, na produção e no consumo", clamou o cardeal português.
"Denunciamos a ocultação de interesses sob nomes como 'capitalismo verde' e 'economia de transição', que perpetuam lógicas extrativistas e tecnocráticas. Rejeitamos a financeirização da natureza, os mercados de carbono, as chamadas 'monoculturas energéticas' sem consulta prévia, a recente abertura de novos poços de petróleo, ainda mais grave na Amazônia, e a mineração abusiva em nome da sustentabilidade", continuou Spengler em seu discurso.
"Em vez disso, abraçamos a feliz sobriedade de que falou o Papa Francisco, inspirados pelo “bem viver” dos povos amazônicos", acrescentou, "da região que sediará a COP30, oferecemos o compromisso eclesial de educar em ecologia integral, acompanhar as comunidades que sofrem e permanecer vigilantes com um Observatório de Justiça Climática que será promovido pela Conferência Eclesial da Amazônia (Ceama) e que promoverá, entre outros estudos, o monitoramento das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) em nível nacional".
Estamos convencidos de que a conversão ecológica não é uma opção para os cristãos, mas um chamado do Evangelho, e acreditamos, com a esperança pascal, que ainda é possível mudar de rumo. Faremos isso com os pés no chão e o coração no Reino.
O Cardeal Filipe Neri Ferrão, de Goa, Índia, observou que "da Ásia, terra de imensa diversidade espiritual, cultural e ecológica, unimo-nos ao clamor global por uma transformação que não seja apenas técnica, mas também ética, profética e profundamente humana", enfatizando que "a nossa mensagem hoje não é diplomática, mas pastoral. É um apelo à consciência diante de um sistema que ameaça devorar a criação, como se o planeta fosse apenas mais uma mercadoria".
"Na Ásia, milhões de pessoas já sofrem os efeitos devastadores das mudanças climáticas: tufões, migrações forçadas, perda de ilhas, poluição de rios... Enquanto isso, falsas soluções avançam: megainfraestruturas, deslocamentos em busca de energia 'limpa' que desrespeitam a dignidade humana e mineração sem piedade em nome de baterias verdes", observou o cardeal indiano.
"Exigimos financiamento climático justo e acessível para comunidades e organizações locais, incluindo mulheres, que não gere mais dívidas, para garantir a resiliência no Sul Global", declarou o Cardeal Ferrão, pedindo também que "a sabedoria ancestral de nossas comunidades seja ouvida" e que "paremos a expansão dos combustíveis fósseis".
"Os países ricos devem reconhecer e pagar sua dívida ecológica, sem endividarem ainda mais o Sul Global", exigiu o cardeal asiático, esperando que "a COP30 não seja apenas mais um evento, mas um ponto de virada moral " .
Por fim, o Cardeal Fridolin Ambongo Besungu falou em nome das Igrejas do continente africano, denunciando que a terra foi "empobrecida por séculos de extrativismo, escravidão e exploração. A África não é um continente pobre; é um continente saqueado".
"Portanto, este documento que apresentamos hoje, como uma reflexão compartilhada e um chamado à ação às vésperas da COP30, não é apenas uma análise: é um clamor por dignidade . Nós, pastores do Sul Global, exigimos justiça climática como um direito humano e espiritual", declarou o cardeal africano.
Exigimos uma economia que não se baseie no sacrifício de povos africanos para enriquecer outros. Como podemos aceitar que, em nome da 'transição energética', comunidades inteiras sejam exterminadas em busca de lítio, cobalto ou níquel? Como podemos tolerar que os mercados de carbono transformem nossas florestas em ativos financeiros enquanto nossas comunidades permanecem privadas de água potável? questionou Ambongo.
"Dizemos chega, chega de falsas soluções, chega de decisões tomadas sem ouvir aqueles que vivem na linha de frente do colapso climático!", declarou o cardeal, aludindo à abordagem de Donald Trump de mediar conflitos em troca da manutenção de minerais raros: "Todos temem Trump", disse ele.
Com este documento, enfatizou o Cardeal Ambongo, “propomos uma transformação que priorize a proteção da vida, a soberania dos povos indígenas e rurais sobre seus territórios e a defesa ativa dos direitos das mulheres, dos migrantes climáticos e das novas gerações”.
"A África quer viver. A África quer respirar. A África quer contribuir para um futuro de justiça e paz para toda a humanidade. E o fará com a sua fé, a sua esperança e a sua dignidade invencível. Obrigado por ouvir esta voz que vem das margens, mas que fala ao coração do mundo", concluiu Ambomgo, cedendo inclusive o seu lugar ao Cardeal Michael Czerny, Prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Integral, que quis sublinhar que este documento é, dez anos após a sua publicação, "uma posta em prática da encíclica Laudato Si', como nos pediu Francisco e como o Papa Leão XIV continua a expressar".
Na coletiva de imprensa, foi questionada a possibilidade de Leão XIV viajar para participar da COP30, ao que o Cardeal Spengler respondeu que o Celam, em seu primeiro encontro com ele, havia feito um convite oficial.
Leia o documento na íntegra aqui.