24 Junho 2025
As autoridades admitiram usar os serviços de mercenários estrangeiros para lutar contra a ação das gangues que aterrorizam o país. A confirmação preocupa as organizações de defesa dos direitos humanos, que temem o impacto da presença desses justiceiros no território nacional.
A reportagem é de Peterson Luxama e Aurore Lartigue, publicada por RFI, 23-06-2025.
O Conselho Presidencial de Transição (CPT), que dirige atualmente o Haiti, finalmente rompeu seu silêncio sobre uma assunto tabu: a presença de mercenários estrangeiros envolvidos na guerra contra as gangues no país. O coordenador do CPT, Fritz Alphonse Jean, confirmou o fato em uma entrevista com um grupo de jornalistas haitianos no fim de semana.
O presidente da CPT não forneceu nenhum detalhe sobre os valores envolvidos ou os termos do contrato com a empresa de segurança contratada. No entanto, a informação confirma as suspeitas sobre a presença de mercenários atuando neste país caribenho dominado por gangues fortemente armadas que controlam grande parte do território, inclusive a capital Porto Príncipe.
No fim de maio, uma investigação do jornal The New York Times afirmou que o americano Erik Prince, fundador da empresa militar Blackwater, tem fornecido drones de ataque para lançar explosivos em bairros controlados por gangues no Haiti desde março. Segundo o diário, o contrato assinado com as autoridades haitianas também envolveria o envio de 150 mercenários este ano, em uma tentativa de retomar territórios estratégicos. Até o momento, cerca de 200 pessoas teriam sido abatidas durante as ações da empresa no Haiti, mas nenhum líder de gangue estaria entre as vítimas fatais.
A ausência de controle direto do Estado na segurança do país gera temores de violações dos direitos humanos. Várias estruturas da sociedade civil, em especial organizações como a Ordem dos Defensores dos Direitos Humanos (ORDEDH), alertam para os riscos dessa intervenção de grupos externos na segurança local.
"A chegada de mercenários ao Haiti é uma faca de dois gumes e um risco inaceitável”, aponta o coordenador geral da ORDEDH, Darbensky Gilber. “Essa perspectiva, embora apresentada por alguns como um meio rápido de restaurar a ordem, é vista pelo ORDEDH com grande preocupação", afirma.
A organização Fondasyon Je Klere, sediada em Porto Príncipe, também expressa seu medo de abusos cometidos por mercenários. A entidade exige transparência, principalmente com relação às obrigações desses agentes estrangeiros e aos riscos de danos colaterais à população.
A Blackwater chegou a atuar para o governo americano durante anos. Entre 2001 e 2009, a empresa recebeu mais de US$ 1,6 bilhão em contratos federais, sem incluir um número desconhecido de missões confidenciais para a CIA. No entanto, sua ação foi frequentemente marcada por acusações de uso excessivo de força. Em 2007, seus funcionários abriram fogo em um cruzamento de Bagdá, no Iraque, matando 14 civis.
Em 2011, a imprensa americana revelou que Erik Prince, frequentemente descrito como um “aproveitador de guerras”, havia assinado um contrato de US$ 529 milhões para montar um exército secreto de 800 mercenários para os Emirados Árabes. O grupo também é acusado de estar reconstruindo uma rede de empresas de fachada que operam junto a organizações contestadas pelo direito internacional. Esse é o caso da Frontier Services Group (FSG), uma empresa sino-africana que protege infraestruturas estratégicas e mineração na África e fornece apoio militar sob o pretexto de segurança.