18 Junho 2025
Mais de 800 acordos foram firmados durante a Conferência das Nações Unidas para o Oceano (UNOC3); Brasil assinou o acordo mundial para preservar os manguezais
O artigo é de Germana Barata, publicado por ((o))eco, 17-06-2025.
Germana Barata é bióloga de formação, mestre e doutora em história social, jornalista de ciência e pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Terminou no último dia 13, a Conferência das Nações Unidas para o Oceano (UNOC3), em Nice (França), com a assinatura de inúmeras cartas de intenção, acordos e recomendações que, espera-se, devem influenciar a assinatura de acordos multilaterais na próxima Conferência das Partes (COP-30) em plena Amazônia, em novembro em Belém (PA).
A presença dos presidentes da França, Brasil e cerca de 100 representantes considerados de alto nível (como ministros, representantes de nações e de áreas estratégicas das Nações Unidas, por exemplo) além de 15 mil participantes de mais de 170 nações que anunciaram cartas de intenções e acordos, além de enfatizar questões chave que devem dar o tom das próximas negociações.
A UNOC3 apontou três elementos estruturantes para a superação dos desafios da Década do Oceano, que chega a sua metade neste ano: conhecimento científico, financiamento e vontade política.
Não à toa, o evento foi precedido pela Conferência One Ocean Science (3 a 6 de junho), que reuniu mais de 2 mil cientistas do mundo que resumiu 10 recomendações aos chefes de estado e tomadores de decisões.
Em seguida, o Fórum da Economia e Finanças Azuis (7 e 8 de junho) fortaleceu compromissos de financiamento e inovações em direção a uma economia sustentável, capaz de regenerar o oceano e promover uma transição dos modelos até aqui empenhados e que prejudicam o meio ambiente, a economia e as sociedades dependentes do oceano. O evento, que ocorreu em Mônaco, principado que detém a maior concentração de milionários do mundo, anunciou investimentos de 8,7 bilhões de euros até 2030 para a economia azul.
A vontade política esteve presente em todos os eventos, mas mostrará sua força na COP30, quando representantes de 193 Estados membros que formam as Nações Unidas implementam, adotam ou ajustam acordos multilaterais. Por isso, essa terceira edição da UNOC, mais do que as anteriores, mostrou o protagonismo do oceano em qualquer ação fundamental para o meio ambiente, a sociedade e a economia.
O Plano de Ação para o Oceano de Nice, apresentado no encerramento da UNOC3 resume cerca de 800 ações firmadas por distintos atores sociais entre governos, financiadores, representantes da sociedade civil e de organizações não-governamentais, cientistas e membros das Nações Unidas.
O documento intitulado “Nosso oceano, nosso futuro: unidos por ação urgente” enfatiza que “as ações não estão avançando na velocidade ou escala necessárias para atingir o Objetivo [de Desenvolvimento Sustentável] 14 e concretizar a Agenda 2030” e faz um apelo para que as decisões sejam ambiciosas como as sugeridas no documento. Em nove páginas sugestões, apelos, recomendações e encorajamentos, sem efeito legal, que resumem os principais debates e alertas feitos ao longo da reunião, reafirmando a importância de acordos, protocolos, agendas e declarações já estabelecidas.
Dentre os destaques das discussões na UNOC3 estão a importância de manter as metas de aquecimento global abaixo do limite de 2 graus Celsius acima da temperatura média no planeta antes dos níveis pré-industriais, como iniciadas no Acordo de Paris em 2015; a urgente necessidade de expandir as áreas de proteção de terra e mar para um mínimo de 30% até 2030 (como define um dos objetivos do Plano da Diversidade, a chamada meta 30 x 30); a transição energética e a descarbonização do transporte marítimo –, responsável por movimentar 90% do comércio internacional –; a regulamentação do uso e exploração do chamado alto-mar (Tratado do Alto Mar), que são áreas marítimas além das fronteiras e responsabilidades das nações e que somam 60% do oceano; o combate ao lixo plástico, principal poluidor das águas oceânicas, mas também à pesca ilegal e predatória.
Houve também anúncios de decisões ambiciosas. A Polinésia Francesa passou a proteger toda sua área de Zona Econômica Exclusiva, cerca de 5 milhões de quilômetros quadrados, mais de 100 vezes maior do que a área terrestre; A Comissão Europeia anunciou investimentos de um bilhão de euros voltados para a conservação, pesquisa e pesca sustentável; o Brasil assinou o acordo mundial para preservar os manguezais (Mangrove Breakthrough) e ampliar as linhas de financiamentos, feito considerado de grande relevância já que o país possui a segunda maior área de manguezais do mundo, ecossistema considerado chave para a proteção costeira, absorção de carbono, proteção da biodiversidade e manutenção de comunidades tradicionais. O país também compartilhou a adoção do Currículo Azul, ou seja, temáticas ligadas ao oceano, no currículo escolar, sendo o primeiro do mundo a priorizar a cultura oceânica na educação. E a Costa Rica, que co-organizou a UNOC3 com a França, é considerada modelo na proteção ambiental. Seu presidente, Rodrigo Chaves, defende uma moratória à exploração de combustíveis fósseis em águas profundas, e seu país já protege 30,3% do seu território marinho, bem antes da meta de 2030, e deve aumentar a área nos próximos anos.
Houve avanços também na ratificação de mais 19 países, incluindo a União Europeia, no Tratado de Alto Mar e Biodiversidade Além da Jurisdição Nacional (BBNJ, na sigla em inglês), estabelecido em 2023 e que prevê a proteção e regulamentação da biodiversidade nas águas internacionais, que entrará em vigor quando outras 9 nações aderirem, o que se mostra alcançável nas próximas semanas.
Avançou também o debate sobre o Tratado Global do Plástico, com expectativa de ser ratificado na sexta rodada de negociações que vai ocorrer em agosto, em Genebra. A expectativa é que ele seja ambicioso e inclua o ciclo de vida do plástico – composto pelas etapas de produção, consumo e descarte – com redução da produção e consumo para níveis sustentáveis, que elimine gradualmente produtos plásticos e químicos mais prejudiciais ao meio ambiente, que invista na inovação dessa indústria para que causem menos impacto e danos ambientais e na saúde humana, e com financiamento adequado que permita executar essas medidas. Essa defesa constou no Apelo de Nice por um Tratado do Plástico Ambicioso, assinado por 95 países, menos da metade das nações membro. Apesar de não ter efeito legal, o documento reconhece que será preciso um grande esforço político para combater a poluição de plásticos no mundo. O documento não contou com a assinatura de grandes produtores de plástico no mundo, dentre eles a Índia, a Nigéria, a China, a Rússia, o Brasil e os Estados Unidos. Se, por um lado, a indústria tem se mostrado um dos maiores obstáculos para se chegar a um consenso, os debates ganham força e relevância a cada rodada.
A UNOC3 foi a conclusão de uma etapa crucial nas negociações que ainda estão por vir, como a COP-30 e o Tratado do Plástico. Mas deixou claro que questões complexas, com as que envolvem a degradação do oceano e, portanto, da humanidade, dependem de dados e informações científicas, financiamento, participação e negociações entre os distintos setores da sociedade e, sobretudo, muito empenho político que leve a ações consensuais acordadas pela maioria dos membros das Nações Unidas. A COP-30 tem a responsabilidade de incorporar as emergências do oceano e transformá-las em ações para não naufragarmos.