05 Junho 2025
“O falecido escritor uruguaio Eduardo Galeano tinha um nome para essa experiência: ele a chamava de ‘o mundo ao avesso’. Em um mundo assim, não somos apresentados aos fatos — muito pelo contrário. No entanto, para o complexo industrial fronteiriço, é precisamente esse mundo de pernas pro ar que vende seu produto”. A reflexão é de Todd Miller, em artigo publicado por TomDispatch e reproduzido por Voces del Mundo, 03-06-2025. A tradução é do Cepat.
Todd Miller, colaborador regular do TomDispatch, escreveu sobre questões de fronteira e imigração para o New York Times, Al Jazeera America e o NACLA Report on the Americas. Escreve uma coluna semanal para o Border Chronicle. Seu livro mais recente é Build Bridges, Not Walls: A Journey to a World Without Borders (Construa pontes, não muros: uma jornada para um mundo sem fronteiras).
Mesmo que possa parecer algo inacreditável, tive uma experiência transcendental na Border Security Expo deste ano, o evento anual que reúne o Departamento de Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP) e a Imigração e Fiscalização Aduaneira (ICE) com a indústria privada. Hesito em descrevê-la dessa forma, porque me encontrava no salão de exposições e, de repente, me vi no coração do complexo industrial fronteiriço dos EUA. Era início de abril e eu estava cercado pelos equipamentos de vigilância mais modernos — sistemas de câmeras, drones, cães-robôs — de cerca de 225 empresas (um número recorde para um evento do gênero) que exibiam seus produtos no Centro de Convenções de Phoenix. Muitas das pessoas presentes pareciam muito animadas com a volta de Donald Trump à presidência.
Talvez esteja se perguntando como é possível ter uma experiência mística visitando a maior feira anual de vigilância de fronteiras do país, e eu concordo, especialmente porque meu momento chegou logo após a secretária do Departamento de Segurança Nacional, Kristi Noem, proferir o discurso principal em um salão lotado do centro de convenções. Talvez não seja surpresa saber que Noem, que havia exibido um relógio Rolex de US$ 50.000 em uma sessão de fotos em uma prisão salvadorenha para “terroristas” apenas algumas semanas antes, foi longamente ovacionada ao afirmar que o governo Trump havia quase conseguido o “controle operacional” da fronteira entre os EUA e o México. (“Só falta um pouquinho”, insistiu!)
O mesmo argumento havia sido apresentado pelo “czar da fronteira”, Tom Homan, mais cedo naquele mesmo dia. Ambos pediram à plateia que aplaudisse efusivamente todos os agentes de segurança da fronteira presentes por, como disse Noem, suportarem “o desastre e a má liderança de Joe Biden à frente deste país”. E, como seus antecessores, usou com profusão palavras como “invasão”, sugerindo que os EUA, excessivamente frágeis, estavam lutando contra um cerco de proporções desconhecidas.
O falecido escritor uruguaio Eduardo Galeano tinha um nome para essa experiência: ele a chamava de “o mundo ao avesso”. Em um mundo assim, não somos apresentados aos fatos — muito pelo contrário. No entanto, para o complexo industrial fronteiriço, é precisamente esse mundo de pernas pro ar que vende seu produto.
Então aconteceu. Eu caminhava por um corredor repleto de empresas de drones, incluindo uma da Índia chamada ideaForge, cujo drone de médio porte foi “construído como um pássaro” e “testado como um tanque”. Havia também sofisticados sistemas de câmeras com IA montados em mastros sobre drones terrestres blindados — o que pode ser considerado a combinação perfeita da moderna tecnologia de fronteira atual. Estava expondo também a empresa Fat Truck, cujos veículos tinham rodas mais altas que o meu carro. Eu estava cercado por sistemas de raio-X e biométricos, juntamente com agentes da Patrulha da Fronteira em uniformes verdes, xerifes de condados da fronteira e agentes da ICE verificando os equipamentos. Como sempre, era possível sentir o cheiro de dinheiro no ar. Dos meus treze anos cobrindo a Exposição de Segurança da Fronteira, esta foi claramente a maior e mais entusiasmada de todas.
Caminhava por ali sobre um daqueles tapetes azuis desgastados encontrados em centros de convenções e, de repente, não me sentia mais caminhando ali. Em vez disso, me encontrava na Sierra Tarahumara, no estado de Chihuahua, México, com um homem da etnia rarámuri chamado Mario Quiroz. Eu estivera ali com ele na semana anterior, assim que se tratava de uma lembrança tão vívida que praticamente me dominou. Eu podia sentir o cheiro da floresta perto do Cânion do Cobre, um dos lugares mais bonitos do planeta.
Podia ver Quiroz me mostrando as árvores amareladas e secas rachando por toda parte em meio a uma megasseca de proporções espantosas. Cheguei a vislumbrar o fraturado Río Conchos, o rio mexicano que, na fronteira, se tornaria o Rio Grande. Estava secando e as árvores ao longo dele estavam morrendo, enquanto muitos moradores locais eram forçados a migrar para outros lugares para sobreviver.
Precisei me sentar. Quando o fiz, de repente me vi de volta à exposição, nesse ambiente viciado e com ar-condicionado que só promete mais torres de vigilância e drones naquela mesma fronteira. Então, percebi algo que me fez refletir: embora o terreno devastado da Sierra Tarahumara e a Exposição de Segurança da Fronteira não pudessem ser mais diferentes, também estão intimamente conectados. Afinal, a Sierra Tarahumara representa a realidade palpável e devastadora das mudanças climáticas e a forma como já estão começando a deslocar pessoas, enquanto a exposição representou a resposta mais proeminente do meu país (e do Norte Global em geral) a esse deslocamento. Para os Estados Unidos, cada vez mais imersos na era de Donald Trump, a única resposta à crise climática e ao deslocamento em massa de pessoas é ainda mais controle fronteiriço.
Consideremos o relatório encomendado pelo Pentágono em 2003, intitulado “Um cenário abrupto de mudanças climáticas e suas implicações para a segurança nacional dos EUA”. Nele se afirmava: “Os Estados Unidos e a Austrália provavelmente construirão fortalezas defensivas ao redor de seus países, pois possuem os recursos e as reservas necessárias para alcançar a autossuficiência”. Também previa que “as fronteiras em todo o país serão reforçadas para conter imigrantes indesejados e famintos vindos das ilhas do Caribe (um problema particularmente sério), do México e da América do Sul”. Vinte e dois anos depois, essa profecia — a julgar pela Exposição de Segurança de Fronteiras — está se realizando.
Em 2007, Leon Fuerth, ex-assessor de segurança nacional do vice-presidente Al Gore, escreveu que os “problemas de fronteira” sobrecarregariam as capacidades dos EUA “além da possibilidade de controle, exceto por medidas drásticas, e talvez nem mesmo assim”. Suas reflexões foram uma resposta a um pedido da Câmara de Representantes para que cientistas e militares apresentassem projeções sérias que relacionassem as mudanças climáticas à segurança nacional. O resultado foi o livro Climatic Cataclysm: The Foreign Policy and National Security Implications of Climate Change (Cataclismo climático: As implicações da mudança climática para a política externa e a segurança nacional). Dado que, de acordo com seu editor, Kurt Campbell, levaria 30 anos para que uma grande plataforma militar passasse da “prancheta ao campo de batalha”, esse volume foi, na verdade, um livro de preparação para um futuro de fronteira que só agora está começando a realmente nos envolver.
Em março, eu estava em uma colina na cidade de Sisoguichi, em Chihuahua, México, com o padre local, Héctor Fernando Martínez, que me disse que as pessoas dali não plantariam milho, feijão ou abóbora este ano por causa da seca. Temiam que nunca mais chovesse. E era verdade que a seca em Chihuahua era a pior que ele já tinha visto, afetando não apenas as montanhas, mas também os vales, onde lagos e reservatórios secos deixaram os agricultores sem água para o ciclo agrícola de 2025.
“O que as pessoas vão fazer então?”, perguntei ao padre. “Migrar”, respondeu. Muitas pessoas já migram durante seis meses para complementar sua renda, colhendo maçãs perto de Cuauhtémoc ou pimentas perto de Camargo. Outras acabam na cidade de Ciudad Juárez, trabalhando em maquiladoras (fábricas) para produzir produtos para o Walmart, Target e fabricantes de aviões de caça, entre outros lugares. Alguns, é claro, também tentam entrar nos Estados Unidos, apenas para se deparar com a mesma tecnologia e armamento que vi naquele dia na Exposição de Segurança de Fronteiras.
Esses deslocamentos, previstos em avaliações do início dos anos 2000, já estão ocorrendo em um ritmo cada vez mais preocupante. O Centro de Monitoramento de Deslocamentos Internos relata que cerca de 22,4 milhões de pessoas são deslocadas à força a cada ano devido a “riscos relacionados ao clima”. E as projeções para a migração futura são alarmantes. O Banco Mundial estima que, até 2050, 216 milhões de pessoas poderão ser deslocadas em todo o mundo, enquanto outro relatório especula que o número poderá chegar a 1,2 bilhão. É claro que múltiplos fatores influenciam na decisão das pessoas de migrar, mas a mudança climática está rapidamente se tornando um dos mais importantes (se não o mais importante).
Apesar dos esforços do governo Trump para remover as mudanças climáticas de todos os documentos e discursos governamentais e literalmente apagá-las como um tema de interesse, a Avaliação de Ameaças Internas de 2025 do Departamento de Segurança Interna (DHS) descreve muito bem o que está acontecendo em Chihuahua e em outros lugares: “Os desastres naturais ou os eventos climáticos extremos em outros países que perturbam as economias locais ou causam insegurança alimentar podem exacerbar os fluxos migratórios para os Estados Unidos”.
O Plano de Ação Climática do DHS de 2021 declarou que o departamento “conduziria operações integradas, escalonadas, ágeis e sincronizadas em estado estacionário... para proteger a fronteira sul e seus acessos”. Acontece que o “controle operacional” mencionado por Kristi Noem na Exposição de Segurança de Fronteira inclui preparativos para uma possível migração em massa provocada pelo clima. Esse mundo distópico infernal (imaginado em filmes como Mad Max) vem diretamente do Departamento de Segurança Nacional de Trump ao longo da fronteira EUA-México.
Enquanto eu andava pelo salão de exposições, lembrei-me de ter caminhado pela Chihuahua assolada pela seca, e pensei no que está acontecendo agora em nossa fronteira para enfrentar o pesadelo humano das mudanças climáticas de uma forma excessivamente militar. De forma bastante ameaçadora, a empresa Akima, que opera o centro de detenção da ICE na Baía de Guantánamo, em Cuba, foi uma das principais patrocinadoras da exposição, e vi seu nome em destaque. Seu site afirma que está “contratando para apoiar os esforços da ICE”, o que demarca efetivamente as deportações em massa prometidas por Trump como uma boa oportunidade para os voluntários.
No estande da empresa QinetiQ se exibia um robô terrestre semelhante a um inseto com várias pernas. Eu me perguntava como isso poderia ajudar com a seca em Chihuahua. Um vendedor me disse que poderia ser usado para desativação de bombas. Quando olhei incrédulo para ele, mencionou que tinha ouvido falar de alguns casos de bombas encontradas na fronteira. Em outra empresa, a UI Path, um vendedor entusiasmado afirmou que seu software se concentrava na “eficiência” administrativa e me garantiu que estava bem “alinhado com o DOGE” (Departamento de Eficiência Governamental de Elon Musk), o que permitia que os agentes da Patrulha da Fronteira pulassem as “tarefas tediosas” e “partissem para o campo”. Então, perguntei-lhe sobre seu sucesso com a Patrulha da Fronteira, e ele respondeu: “Eles já têm nosso software. Já o estão usando”.
Quando me aproximei do estande da Matthews Environmental Solutions, os vendedores não se encontravam. Mas, atrás de uma cadeira verde solitária, uma grande placa declarava que a empresa era uma das “líderes globais em incineração de resíduos”, com mais de 5.000 instalações em todo o mundo. Uma foto de um grande incinerador de resíduos metálicos me chamou a atenção, de forma um tanto mórbida, porque o site também informava que a empresa oferecia “sistemas de cremação”. Embora não estivessem vendendo esse serviço na Border Security Expo, certamente havia um simbolismo macabro em uma exposição deste tipo, onde as cinzas humanas poderiam ser transformadas em lucro e o sofrimento em receita.
Os analistas da consultoria global IMARC Group preveem com otimismo um mercado de segurança nacional ainda mais forte no futuro. “O crescente número e a gravidade dos desastres naturais e das emergências de saúde pública”, escrevem, “oferecem uma perspectiva favorável para o mercado de segurança nacional”. De acordo com as estimativas do IMARC, o setor crescerá de US$ 635,9 bilhões este ano para US$ 997,82 bilhões em 2033, uma taxa de crescimento de quase 5%. No entanto, a Markets and Markets prevê um aumento muito mais rápido e estima que o mercado atingirá US$ 905 bilhões já no próximo ano. Em suma, o consenso é que, na era das mudanças climáticas, a segurança nacional em breve estará a ponto de se tornar uma indústria de trilhões de dólares. Imagine como serão as futuras exposições sobre segurança de fronteiras!
Sem dúvida, o governo Trump, ansioso para descartar qualquer coisa relacionada ao financiamento das mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, trabalhando arduamente para aumentar a produção de combustíveis fósseis, tem planos ambiciosos para contribuir para essa mesma realidade. Desde janeiro, a CBP e a ICE já alocaram cerca de US$ 2,5 bilhões em contratos. Ainda é cedo, mas esse número é, na verdade, menor do que o ritmo de Joe Biden há um ano; seus gastos atingiram US$ 9 bilhões ao final do ano fiscal de 2024. Apesar das constantes acusações de Trump e de outros de que Joe Biden estava mantendo “fronteiras abertas”, terminou seu mandato como o presidente que mais contratou para a fiscalização de fronteiras e imigração, estabelecendo um padrão muito alto para Trump.
Em 2025, Trump terá um orçamento de US$ 29,4 bilhões para a CBP e a ICE, ligeiramente inferior ao de Biden em 2024, mas historicamente alto (aproximadamente US$ 10 bilhões a mais do que quando iniciou seu primeiro mandato como presidente, em 2017). No entanto, a mudança virá no próximo ano, quando o governo solicitará US$ 175 bilhões para o Departamento de Segurança Nacional, um aumento de US$ 43,8 bilhões “para implementar integralmente a campanha de expulsão em massa do presidente, concluir a construção do muro na fronteira sudoeste, adquirir tecnologia avançada de segurança de fronteira, modernizar a frota e as instalações da Guarda Costeira e aprimorar as operações de proteção do Serviço Secreto”.
Além disso, no dia 22 de maio, a Câmara dos Representantes aprovou o Projeto de Lei “One Big Beautiful Bill”, que, entre outras medidas, injetaria US$ 160 bilhões adicionais nos orçamentos da CBP e da ICE nos próximos quatro anos e meio. Como afirmou Adam Isaacson, do Escritório em Washington para a América Latina, “nunca vimos nada que se aproximasse do nível de endurecimento das fronteiras e dos recursos massivos para a deportação previstos neste projeto de lei”, que agora será votado no Senado. Isso pode explicar o otimismo do setor, que vislumbra uma possível bonança.
Apesar do profundo desejo de Trump de apagar o aquecimento global da agenda, o deslocamento climático e a proteção das fronteiras — duas dinâmicas com uma clara tendência em alta — estão em rota de colisão. Os Estados Unidos, o maior emissor histórico de carbono do mundo, já gastavam 11 vezes mais com a aplicação da lei em matéria de fronteiras e imigração do que com o financiamento do combate às mudanças climáticas e, sob a presidência de Trump, essas proporções devem se tornar ainda mais abissais.
A política climática dos EUA agora se limita a isto: reduzir a extração e o consumo de combustíveis fósseis é muito menos importante (se é que é importante) do que criar um aparato de fronteira e imigração com boa relação custo-benefício. De fato, a distopia da Exposição de Segurança de Fronteiras que vi nesse dia é a resposta dos Estados Unidos à seca em Chihuahua e a muitas outras questões relacionadas ao aquecimento global. E, no entanto, para este país, independentemente do que Donald Trump queira acreditar, nenhum muro de fronteira pode deter as mudanças climáticas em si.
Enquanto ouvia Kristi Noem e Tom Homan discutirem o que consideravam um país assediado, lembrei-me da análise provocativa de Galeano sobre esse mundo ao avesso, em que o opressor se torna o oprimido e o oprimido, o opressor. Esse mundo agora inclui incêndios, inundações, tempestades cada vez mais devastadoras e mares que invadem a terra, tudo combatido com câmeras de alta tecnologia, biometria, cães robóticos e muros formidáveis.
Ainda não consigo tirar da cabeça a imagem daqueles tons amarelados das árvores moribundas da Sierra Tarahumara. Caminhei com Quiroz por aquele cânion até o Rio Conchos e entrei em seu leito de pedras secas que estalavam como ossos sob meus pés. Quiroz me contou que, quando criança, ia todos os dias àquele rio, que nessa época corria, para cuidar das cabras de sua família. Perguntei-lhe o que sentia agora que parecia uma série de poças desconexas se estendendo à nossa frente até o horizonte. “Tristeza”, disse-me.
Caminhando pelos corredores da exposição, senti o peso dessa palavra: tristeza. Tristeza, sem dúvida, neste nosso mundo fronteiriço completamente de pernas pro ar.