29 Mai 2025
"Assistimos à morte de duzentos jornalistas e quatrocentos operadores humanitários. Continuamos a assistir à brutalidade de negar as evacuações de emergência dos doentes. Há cem mil feridos que precisam de tratamento, dos quais 20 mil estão em estado crítico, doentes muito graves que poderiam ser tratados, cujas vidas poderiam ser salvas a poucas dezenas de quilômetros de distância se Israel não lhes negasse a possibilidade de deixar a Faixa", escreve Francesca Mannocchi, jornalista e documentarista italiana, em artigo publicado por La Stampa, 27-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Quando o demais é demais? Quando o desrespeito pelo direito internacional se torna intolerável?
Depois de quantas crianças massacradas, mortas, queimadas vivas, mutiladas? Depois de quantas denúncias tachadas de antissemitismo se pode levantar a cabeça e dizer que não, não é antissemitismo, é obstinação em acreditar no direito. Não é resignar-se à realidade manipulada. Dez crianças mortas já eram demais.
Agora são 20.000. Cem civis mortos já eram demais. Agora são 54.000. Mas, no entanto, dir-se-á, o vento está mudando. As manchetes estão mudando, a indignação é generalizada, a condenação aos crimes de guerra é um sentimento comum. Mas, no entanto, é tarde. Tarde porque em Gaza está se consumando a crise da nossa humanidade, porque diante das provas e dos argumentos jurídicos que indicam as condutas genocidas do governo israelense, na inação e na ignávia, o Ocidente está perdendo a si mesmo. É tarde porque levará anos para compreender as consequências desse massacre ao vivo, mas sem testemunhas.
Tarde porque aqueles que poderiam e deveriam ter falado se calaram, diante das declarações de um governo que evocou (repetidamente) o massacre de um povo, reivindicou o uso da fome como estratégia de guerra, diante de ministros de extrema direita que teorizaram a desumanização.
Tarde porque durante 19 meses soubemos de tudo. Tarde porque mesmo há 18 meses, depois 15, depois 12 e assim por diante, poderíamos ter discutido a suspensão dos acordos de associação UE-Israel, ou poderíamos ter interrompido a exportação de armas que, em vez disso, continuam sendo autorizadas. Poderíamos ter negado direitos de sobrevoo aos aviões de Netanyahu, sob investigação pelo Tribunal Penal Internacional.
Mas, em vez disso.
Sempre soubemos de tudo.
As Nações Unidas apresentam dados atualizados sobre a situação na Faixa de Gaza toda semana.
Estes são os mais recentes, de 23 de maio.
81% da Faixa está dentro da zona militarizada israelense. Desde que o cessar-fogo foi rompido na noite entre 17 e 18 de março de 2025, houve mais 29 ordens de evacuação, o que significa que mais 600.000 pessoas foram forçadas a deixar novamente o local onde buscavam abrigo. Traduzindo, isso significa que quando Israel rompeu o cessar-fogo, porque passar para a fase dois das negociações significaria a queda inevitável do governo Netanyahu, mais de meio milhão de pessoas buscaram um abrigo que não existe, porque as pessoas não têm mais espaço onde viver, mas apenas espaço onde ser aglomeradas antes de serem deslocadas novamente, na melhor das hipóteses, ou bombardeadas novamente, na pior.
Durante 11 semanas, entre 2 de março e 18 de maio, nenhuma ajuda humanitária entrou na Faixa de Gaza devido ao cerco imposto pelas autoridades israelenses. Traduzindo, isso significa que não havia comida, nem combustível para acionar os geradores necessários aos poucos hospitais que permaneceram ativos, e que não entraram ajudas médicas, nem anestesias, nem analgésicos. Que o número de crianças desnutridas está aumentando. Então, em 19 de maio, até mesmo em Tel Aviv alguém percebeu que o vento estava mudando um pouco, e Netanyahu declarou que deixaria a ajuda entrar.
Dez caminhões, no primeiro dia, em um lugar onde, antes do início da ofensiva militar, eram necessários 500 caminhões por dia.
E o que acontece quando, depois de 80 dias, sem que um grama de farinha chegue, dez caminhões chegam a Gaza? Que os caminhões são assaltados. É inevitável. Isso se chama fome.
Deixar dez caminhões entrarem em um lugar onde centenas seriam necessários é mais um ultraje para uma população de joelhos, uma provocação, uma desordem proposital, uma desordem intencional para dizer: estão vendo? Precisamos militarizar a ajuda humanitária.
Sabíamos de tudo durante dezenove meses, tínhamos dados atualizados sobre as doenças e a fome, sobre a contagem dos mortos e dos feridos, vimos amputações ao vivo e a recuperação dos corpos.
Sempre soubemos que os números de mortos e feridos eram estimados para baixo e não inflacionados. De 7 de outubro de 2023 a 21 de maio de 2025, pelo menos 53.600 mortos e 121.950 feridos. Esses são os dados do Ministério da Saúde de Gaza, portanto do Hamas, dizem aqueles que não querem ver. Ver, por exemplo, que sob as toneladas de detritos e escombros se escondem centenas, milhares de mortos.
Assistimos à morte de duzentos jornalistas e quatrocentos operadores humanitários. Continuamos a assistir à brutalidade de negar as evacuações de emergência dos doentes. Há cem mil feridos que precisam de tratamento, dos quais 20 mil estão em estado crítico, doentes muito graves que poderiam ser tratados, cujas vidas poderiam ser salvas a poucas dezenas de quilômetros de distância se Israel não lhes negasse a possibilidade de deixar a Faixa.
Há também pacientes terminais de câncer. Entre eles, também há crianças.
Sabíamos de tudo. Assim como sempre soubemos quais eram os objetivos do governo israelense.
Não era preciso o vídeo da Riviera Gaza e da inteligência artificial para entender que o objetivo militar e político era reocupar Gaza em larga escala; bastava prestar atenção às declarações dos ministros que garantem a Netanyahu a continuidade. Como Bezalel Smotrich: "Ninguém nos permitirá matar de fome dois milhões de civis, mesmo que isso poderia ser justificado e moral". Traduzido, significa que, para Smotrich e seus apoiadores, é defensável matar de fome as pessoas, mas, infelizmente, existe o pequeno e irritante obstáculo da comunidade internacional e do direito.
Era julho de 2024, algumas dezenas de milhares de mortes atrás. Smotrich estava certo ao dizer que muitos morreriam de fome, mas estava errado sobre o direito. Porque os governos internacionais nada fizeram para impedir o massacre. Em 4 de maio de 2025, um dos principais apoiadores do extermínio de Gaza, Itamar Ben-Gvir, Ministro da Segurança Nacional do governo israelense, pediu a expansão da guerra. No mesmo dia, Smotrich reiterou que "Gaza será completamente destruída". Esses dois ministros com intenções genocidas não foram sancionados pelo Ocidente. Mas eles têm o direito de chamar o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, de antissemita quando ele diz que "a política de assédio e fome em Gaza zomba do direito internacional".
O Tribunal Internacional de Justiça destacou em três ocasiões em 2024 o risco plausível de genocídio em Gaza. E, de acordo com a Convenção sobre Genocídio de 1948, adotada após o Holocausto, todos os Estados signatários são juridicamente obrigados a prevenir o genocídio. Prevenir o genocídio.
Mas, no entanto, as obrigações de prevenir o genocídio continuam a ser ignoradas. E nove dos dez filhos de um pediatra foram mortos. Uma manchete, apenas a última. Superada por aquela do dia seguinte. Os 40 mortos em uma escola. Que será superada por aquela de amanhã.
É tempo de lucidez para todos nós, hoje. Não tempo de esperança. Deixemos a esperança para um futuro ainda distante. Hoje, o presente é sombrio, mais sombrio do que jamais temíamos ser possível. O presente nos pede que sejamos lúcidos, não iludidos. E antes que seja tarde demais, antes da evacuação definitiva de dois milhões de pessoas, antes que as 20 mil crianças mortas se transformem em 30 mil, devemos manter toda a firmeza racional de que somos capazes para dizer que sabíamos de tudo, sempre soubemos de tudo e devemos parar esse massacre.