28 Mai 2025
Documento foi produzido pelo braço brasileiro da Anistia Internacional e será apresentado publicamente em evento marcado para esta quarta-feira em Porto Alegre, Documento aponta que populações vulneráveis foram as mais afetadas pela enchente.
Um relatório produzido pela ONG Anistia Internacional Brasil aponta que os gestores públicos, nas diferentes esferas de administração, falharam no dever de proteger a população gaúcha de eventos climáticos extremos como a enchente que atingiu o Rio Grande do Sul em maio de 2024. Além disso, o documento aponta que as políticas públicas aplicadas no processo de recuperação do Estado não são suficientes para satisfazer os direitos básicos dos atingidos, principalmente entre as populações socialmente mais vulneráveis.
O relatório "Quando a água toma tudo - Impactos das cheias no Rio Grande do Sul" será lançado oficialmente nesta quarta-feira (28), em evento às 18h, na Fábrica do Futuro, em Porto Alegre.
Segundo aponta a Anistia Internacional, falhas do poder público, em suas diferentes esferas, têm evidenciado a necessidade de uma abordagem mais proativa e eficaz na gestão de desastres naturais. No relatório, a organização reforça que "a responsabilidade estatal deve ser assumida de forma mais ampla, considerando a prevenção, a mitigação e a reconstrução sustentável, além de garantir a transparência e a participação das comunidades afetadas no processo de tomada de decisões".
— O que aconteceu no Rio Grande do Sul, no nosso ponto de vista, era uma tragédia, em determinada medida, evitável. A mudança climática já é conhecida desde o século passado, o Brasil já assumiu compromissos de mitigação dos efeitos e preparação estrutural para lidar com eventos climáticos extremos pelo menos desde o Acordo de Paris, que vai completar 10 anos agora, e em grande parte essas ações de mitigação ou de adaptação às mudanças do clima não foram cumpridas — destaca Jurema Werneck, da Anistia Internacional Brasil". Segundo ela, "não dá para chegar agora e demonstrar surpresa quando um evento climático extremo acontece, não tem mais espaço para esse tipo de reação".
Conforme a Anistia Internacional, o relatório foi desenvolvido com base em normas nacionais e internacionais de direitos humanos. O documento analisa informações obtidas pela entidade durante duas visitas aos territórios afetados, entrevistas com pessoas de comunidades diretamente atingidas pela tragédia, além de um conjunto de dados produzidos por instituições, universidades, especialistas, estudiosos, organizações não governamentais e movimentos sociais que têm monitorado os efeitos da enchente no Estado.
— Todos têm responsabilidade, todas as autoridades da administração, os governos federal, estadual e municipais têm responsabilidade e foram negligentes, em maior ou menor grau. O Estado brasileiro, como um todo, falhou com sua população e continua falhando, um ano após a tragédia. É preciso corrigir essa rota — reforça Jurema Werneck.
Em nota, o governo do Estado afirmou que "ainda não teve acesso à publicação na íntegra", mas que "avalia todos os relatórios e os considera necessários para contribuir na reconstrução do RS". O governo federal também respondeu sobre as ações voltadas ao financiamento de medidas pós-enchente, entrega de moradias e atendimento a populações vulneráveis (veja mais apontamentos feitos pelos governos abaixo).
No relatório, a Anistia Internacional critica o planejamento e a execução das atividades no âmbito do Plano Rio Grande, principal programa estabelecido pelo Palácio Piratini para centralizar as ações de reconstrução do Estado. A organização afirma que o plano "não tem mirado as causas profundas dos desastres, se limitando a reconstruir o que foi destruído sem enfrentar a crise climática com políticas públicas".
O relatório da Anistia Internacional também apresenta críticas à utilização dos recursos do Funrigs, o fundo estabelecido para financiar as principais ações do Plano Rio Grande. Para a entidade, "o panorama de utilização orçamentária demonstra prioridades totalmente descompassadas em relação à demanda efetiva por direitos humanos da população".
O relatório destaca que, no balanço de um ano da tragédia, o Funrigs tinha R$ 8,5 bilhões alocados, sendo R$ 3,7 bilhões empenhados e R$ 1,7 bilhão liquidado. Deste montante, observa a Anistia Internacional, R$ 1,73 bilhão foi investido em reconstrução de vias e rodovias e R$ 930 milhões, nas forças de segurança, enquanto apenas R$ 14 milhões foram reservados para a compra de materiais para a Defesa Civil estadual.
Também é destacado o investimento de R$ 346 milhões em programas de apoio empresarial e comercial, R$ 288 milhões em programas sociais de assistência financeira, R$ 518 milhões em políticas habitacionais, R$ 1,3 bilhão em dragagem e desassoreamento de rios e R$ 328 milhões aos fundos da Defesa Civil. Por outro lado, aponta a ONG, "as principais políticas de mitigação, prevenção e monitoramento do clima ainda não possuem recursos específicos ou cronograma de implementação".
— O Plano Rio Grande, na nossa avaliação, nos parece uma oportunidade perdida, pois as autoridades estão fazendo mais do mesmo. A reconstrução não pode ser uma simples reposição do que já tinha, com um pouco mais de reforço, precisa ter uma inovação, com soluções novas, integradas à natureza. A reconstrução precisa ser sustentável, com transparência, e ouvindo as comunidades atingidas, não apenas uma imposição de ações — observa Jurema Werneck.
Em resposta, o governo estadual destaca que o Plano Rio Grande é "o único programa para enfrentar esse cenário e preparar o RS para o futuro." E acrescenta: "Já foram investidos e garantidos mais de R$ 7,3 bilhões para reconstrução do RS um ano após enchente histórica".
A íntegra da reportagem pode ser lida aqui.
A Anistia Internacional te convida para o lançamento da pesquisa inédita: “Quando a água toma tudo” - que analisa os impactos das inundações no estado do Rio Grande do Sul em 2024 sob a ótica dos direitos humanos, revelando o que os números oficiais não mostram: como o racismo ambiental, a desigualdade estrutural e a ausência de políticas públicas eficazes colocam vidas em risco.
A pesquisa é fruto de escuta ativa, diálogos com comunidades afetadas e uma análise crítica das ações - ou da falta delas - por parte do poder público.
Local: Fábrica do Futuro – Rua Câncio Gomes, 609 - Floresta - Porto Alegre
Data: 28 de maio de 2025 | A partir das 18h
Exposição fotográfica, debate e recomendações com especialistas e lideranças.