21 Mai 2025
Entrevistado do podcast “O Fim do Futuro”, Rualdo Menegat afirma que a tragédia despertou um desejo da sociedade em discutir mudanças climáticas e seus riscos
A reportagem é publicada por Matinal, 20-05-2025.
O Guaíba é o quê? Rio? Lago? Um acidente geográfico? Tudo isso junto?
Essas perguntas guiam o terceiro episódio do podcast O Fim do Futuro, que investiga a relação de Porto Alegre com o Guaíba. A mesma cidade que se orgulha do “pôr do sol mais bonito do mundo”, pouco sabe sobre a imensidão de água que compõe a paisagem. É uma capital que vive de costas para o Guaíba, ignorando também a população que habita suas ilhas.
No próximo dia 30 de maio, uma audiência pública marcada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul debaterá se o Guaíba é rio, lago, um híbrido das duas coisas ou outro tipo de corpo hídrico. Os argumentos científicos ajudarão a Justiça a definir de uma vez por todas a denominação oficial e encerrar a polêmica histórica alvo de uma ação civil pública movida pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), pelo Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá) e pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH).
As três entidades defendem que o Guaíba é rio – um curso d’água natural e perene. Esse entendimento implicaria reconhecer a existência de uma faixa de até 500 metros de Área de Preservação Permanente (APP) nas margens, onde construções seriam proibidas ou restringidas. Réus na ação, o Estado do Rio Grande do Sul, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e o Município de Porto Alegre alegam que o Guaíba é lago. Nesse caso, a faixa de proteção seria de apenas 30 metros.
Para o geólogo Rualdo Menegat, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Atlas Ambiental de Porto Alegre, o Guaíba é um lago. Essa condição, no entanto, não deveria abrir caminho para devastação. Muito pelo contrário. Para o pesquisador, a expansão urbana desenfreada das últimas décadas dizimou serviços ecossistêmicos das margens e expôs milhares de pessoas a enormes riscos por viverem em zonas vulneráveis a desastres climáticos.
Menegat é um dos entrevistados de O Fim do Futuro, parceria entre a Matinal e a Vós, com apoio do Instituto Serrapilheira. Ele falou sobre o Guaíba no terceiro episódio e voltará a falar sobre o assunto no quarto capítulo da série, que vai ao ar amanhã, dia 21 de maio. Na conversa com o jornalista Filipe Speck, o professor afirma que “o Rio Grande do Sul colapsou por completo” nas inundações de 2024, quando o estado vivenciou “um apagão civilizatório”.
Entretanto, ele acredita que essa constatação despertou um desejo da sociedade civil em discutir mais abertamente temas ligados às mudanças climáticas e seus riscos, um passo importante para desenvolver uma inteligência do lugar que habitamos e saber enfrentar eventos extremos que se tornarão cada vez mais intensos e frequentes.
Confira algumas falas de Rualdo Menegat:
“É preciso olhar o lugar em que estamos e relacionar as mudanças climáticas com as ameaças, porque o grande problema são desastres ligados à nossa imprudência, à nossa falta de perícia, à nossa falta de cuidado em entender o que acontecerá no lugar onde vivemos. Isso nos leva a um exercício muito difícil, que é termos tempo de olhar para nós mesmos, para as comunidades, para Porto Alegre. É preciso ver o que está acontecendo na paisagem que nos cerca, mas nós não estamos vendo.”
“Comparando imagens de satélite dos últimos 20 anos, em todas essas zonas afetadas pelo desastre, como Montenegro, Caxias do Sul, Vale do Caí, Vale do Jacuí Baixo, Vale do Taquari, Porto Alegre e região metropolitana, o que se observa? Em todas essas áreas, a ocupação aconteceu nas zonas ribeirinhas. Foi uma expansão urbana desenfreada, avançando sobre os estoques ambientais. Essa expansão urbana não só dizimou serviços ecossistêmicos, ocupando matas e banhados, como expôs um grande contingente de pessoas ao risco por habitarem zonas vulneráveis como as ilhas.”
“A água chegou com muita lama e areia. Então, na região das ilhas, ela não inundou as casas, ela aterrou de areia. É outro fenômeno. Você estava esperando a água subir e depois descer, mas chegaram toneladas de areia e lama em cinco dias, com acumulação de um metro de lama nas casas em algumas áreas. Isso muda muito o cenário dos acontecimentos, porque esse acontecimento não é uma enchente muito simples, é algo muito mais complexo.”
“O Estado está preparando obras, mas desistiu de elaborar, induzir e incentivar núcleos pensantes na sociedade sobre estratégias para realizar essas obras. Não houve uma capacidade de resposta na tragédia. Não teve infraestrutura, não teve inteligência, não teve nada. Acho que parte da sociedade percebeu isso. Nós temos que nos mover enquanto sociedade civil, enquanto sociedade.”
“O Rio Grande do Sul colapsou por completo. Essa é a primeira advertência que nós temos que ter, pois não é pouco perder simultaneamente aeroporto, rodoviária, hospitais, escolas, casas, água, luz. Nós perdemos tudo, sem contar com refúgio algum. Algo que afetou todas as classes sociais. O que aconteceu foi um enorme apagão civilizatório, uma negação dos eventos extremos.”
“O momento é de disputa de narrativas e de projetos, com as estruturas sociais que emergem desse desastre fazendo leituras do que aconteceu. Quem é o culpado? Há culpado? No caso de Porto Alegre, o prefeito perdeu uma oportunidade histórica de dizer que a cidade ficou imune à água graças ao nosso sistema de proteção contra inundações. Ele perdeu essa chance histórica porque o sistema de proteção não foi destruído pela enchente, mas falhou por problema de manutenção. Agora é preciso fazer balanços, pois eles podem orientar as políticas para o futuro.”
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