09 Mai 2025
"Todos parecem completamente alheios à matemática e ao fato de viverem no século XXI. Afinal de contas, o chefe de uma religião com mais de um bilhão de seguidores nominais é escolhido por um processo que servia quando havia 23 pessoas decidindo. Agora são 133 cardeais no Conclave, a maioria nem se conhece. Como poderão escolher alguém para representar a Igreja?"
A entrevista com o matemático italiano Piergiorgio Odifreddi é de Niccolò Zancan, publicada no jornal La Stampa, 08-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Piergiorgio Odifreddi, como ateu, o que pensa dessa espetacularização do Conclave?
Há um interesse excessivo, talvez devido ao filme que trouxe as intrigas eleitorais para o centro das atenções. Afinal, agora tudo é espetacularizado. Penso no último dia de vida do Papa Francisco. Eles até nos mostraram quando foi beliscado no pescoço, porque tinha que ficar acordado. Vimos seu sofrimento.
Alguns falam agora de um Conclave no estilo X Factor: fica ou sai?
Exatamente. Com o ataque inútil das câmeras aos cardeais, que não podem quebrar o silêncio. Agora vivemos nesse gênero televisivo, com o cálculo das chances de vitória.
O senhor assiste?
Assisto de longe e balanço a cabeça.
Como matemático, o que vê?
O matemático estuda essas coisas. Estuda como chegar a um vencedor entre vários candidatos. Mas aqui todos parecem completamente alheios à matemática e ao fato de viverem no século XXI. Afinal de contas, o chefe de uma religião com mais de um bilhão de seguidores nominais é escolhido por um processo que servia quando havia 23 pessoas decidindo. Agora são 133 cardeais no Conclave, a maioria nem se conhece. Como poderão escolher alguém para representar a Igreja?.
Sua famosa teoria da calculabilidade pode ser de alguma utilidade?
Impossível. Porque é como prever o caos. Não há muitos elementos racionais por trás do Conclave. Seriam necessárias leis. Seriam necessários cenários. Mas aqui há pessoas que não se conhecem e, no final, não se entende bem o que farão. Talvez elejam alguém conhecido por todos, como Parolin, por ter sido Secretário de Estado, ou seja, o número 2 da Igreja. Ou talvez alguns aglutinarão pequenos grupos, haverá pacotes de votos. Como na época de Ratzinger e Martini, que estavam empatados e concordaram em desistir em favor de um terceiro nome. Só que depois Martini realmente desistiu, enquanto Ratzinger não.
Qual é o aspecto do Conclave que mais lhe chama a atenção?
O medo do jovem cardeal. Porque se ele for jovem, você não se livra mais dele. E assim acabam elegendo pessoas com idade muito avançada. No entanto, 75 anos é o limite de idade para os bispos, que sobe para os 80 anos para os eméritos. O Papa, como bispo de Roma, deveria seguir a mesma norma. Se começassem a pensar na expiração do mandato, talvez fosse melhor. Antigamente se usava a expressão: ‘digno de um papa’. Mas o sofrimento último de Francisco deixou claro o esforço que estava fazendo. Seria necessário um papa mais jovem.
A que razão atribui o declínio do catolicismo?
Ele tem uma tremenda história às suas costas. De inquisições. De violência. De poder temporal. Dos Borgias em diante. E o problema é a teoria por trás disso: quando se escuta invocar o Espírito Santo em relação ao Conclave, mas sabemos muito bem que são os cardeais que estão acertando tudo, ficamos sem palavras. Quem acredita mais nessas coisas? As pessoas que vão à igreja estão diminuindo a cada ano, na Alemanha são menos de 10%. É uma minoria.
No entanto, apesar do declínio, todos os poderosos da terra quiseram comparecer ao funeral do Papa. Por quê?
Isso realmente me surpreendeu. Até mesmo alguém como Donald Trump veio, alguém que queria construir o muro no México enquanto o Papa Francisco falava de pontes. Mas aquele funeral era uma passarela e todos queriam estar na primeira fila. Até mesmo pessoas insuspeitas, que nem sendo pagas deveriam ter ido. Foi como uma estreia no teatro La Scala, mas em escala mundial.
Está se referindo aos italianos presentes?
Claro que sim. Mas não estou surpreso. Nós nos esquecemos de cinquenta anos de laicidade. Nossos políticos são todos ou quase todos hipócritas. A começar por Mattarella, dito com respeito. Somos papistas.
Para você, quem era o Papa Francisco?
Acredito que houve um grande mal-entendido sobre ele. Todos o entenderam como um progressista. Mas ele vinha da América do Sul, estava mais próximo do peronismo. Achei seu lado ecologista ingênuo. O mais interessante era sua aversão pelos Estados Unidos.
Por que interessante?
Pessoalmente, acho isso positivo. Coincide com meus pontos de vista.
Seu candidato favorito?
O filipino Tagle não me parece ruim. Porque é um sujeito alegre, canta Imagine, de John Lennon, e ainda por cima canta bem. Além disso, teria a seu favor o fato de vir da Ásia, mas há tantos anos já está familiarizado com os mecanismos de Roma, o que sempre ajuda. Mas ele poderia ser interessante justamente por vir de outro continente. Ou seja: há um fim do mundo, além do fim do mundo. Existe a África. E existe o Extremo Oriente.
Outro seu papável?
O Cardeal Pierbattista Pizzaballa. Há anos vive em Jerusalém, que seria o lugar certo para o chefe da Igreja Católica. Não Roma.
Mas entre italiano ou estrangeiro?
Estrangeiro. Porque um italiano sempre teria a tentação, e muitas vezes a oportunidade, de interferir nos assuntos de nossa casa, como foi feito por saecula saeculorum...
Ainda reconhece algum poder político na figura do Papa?
E como! João Paulo II derrubou a União Soviética junto com Ronald Reagan. Isso não me parece pouco. Ratzinger esperava tomar de volta a Europa com alta teologia, mas poucos o escutavam. O Papa Francisco tinha um grande número de seguidores em todo o mundo. O Vaticano nunca se despojou de fato do poder temporal.
Em sua opinião, o mundo está realmente à beira da Terceira Guerra Mundial?
Nunca estivemos tão perto no relógio da meia-noite atômica. Aparentemente, a guerra é de interesse não apenas da Rússia, mas também de muitos países europeus. Polônia. Bálticos. Alemanha.
O plano de rearmamento europeu está nos aproximando ou afastando daquele momento?
Mario Draghi colocou isso muito bem. Em primeiro lugar, a Europa já gasta mais em armamentos do que a Rússia, portanto, afirmar que temos que nos armar ainda mais é absurdo. E, de fato, em três anos a Rússia conquistou 20% da Ucrânia e parou por aí, não chegou a Lisboa como alguns afirmavam.
Segundo?
Draghi disse que, não sendo uma dissuasão, as armas são, na verdade, um impulso para a economia. A Europa está em crise: recebia o gás da Rússia, o mercado da China, a cobertura militar dos EUA. Tudo isso caiu por terra. Não existe mais. Portanto, a construção e a venda de armas poderiam ser um impulso. Mas acho que é brincar com o fogo. Porque as armas podem se revelar um tiro pela culatra para nós. Todos sabemos onde as duas últimas guerras mundiais começaram. Sinceramente, eu preferiria uma Alemanha desmilitarizada, em vez de uma Alemanha armada até os dentes.