07 Mai 2025
Para pesquisadores, desastres causados por fenômenos climáticos estão diretamente relacionados ao aumento da vulnerabilidade social.
A reportagem é de Luciano Velleda, publicada por Sul21, 06-05-2025.
Chuva após chuva, tempestade após tempestade, os gaúchos têm apreendido na base da dor e da tristeza os efeitos da crise climática para a qual os cientistas alertam há muitos anos. Se é verdade que em muitos casos uma enchente pode atingir indiscriminadamente famílias em situações socioeconômicas distintas, também é verdade que, na maioria dos fenômenos climáticos, as pessoas mais vulneráveis são as que mais sofrem.
A relação entre mudanças climáticas e as sociedades tem sido objeto de análise de pesquisadores do Brasil e do exterior, como mostrou um dos painéis do Climate Change Summit, evento organizado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) nos dias 2 e 3 de maio.
Irasema Alcântara-Ayala, professora e ex-diretora do Instituto de Geografia da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), defende que a vulnerabilidade social está no epicentro do desastre. O desastre, por seu ponto de vista, não pode ser confundido com o fenômeno climático em si, sendo resultado de uma série de condições sociais da localidade atingida por uma tempestade ou enchente. Ela reflete como a mudança climática tem sido culpada dos desastres que aumentam no Brasil e no mundo, enquanto pouco destaque é dado para o crescimento da vulnerabilidade das populações.
“Os desastres são processos sistêmicos que se desenvolvem com o tempo e as condições de vulnerabilidades são vitais para o desastre. Os desastres não são naturais”, afirma a professora da UNAM.
Nesse sentido, Irasema Alcântara-Ayala avalia que os desastres são como sintomas de processos sociais, incluindo a exposição ao risco, e os impactos são diferentes em contextos desiguais. No caso da histórica enchente de 2024 em Porto Alegre, o pensamento da professora mexicana se conecta com a recomendação dada na ocasião pelo prefeito Sebastião Melo (MDB), que sugeriu aos moradores que tivessem residência no litoral para saírem da cidade. Enquanto uns tiveram a oportunidade de ficar em segurança na sua casa de praia, outros estão até hoje sem casa alguma.
“Uma inundação não é igual no Japão ou em Bangladesh. O impacto é desigual por questões de vulnerabilidades”, pondera a professora de Geografia. Ela chama atenção para os fatores indutores do risco de desastres, como a pobreza, a insegurança alimentar, a desigualdade social, entre outros. “Os desastres são uma construção social, são resultados de processos sociais.”
Por essa perspectiva, Irasema Alcântara-Ayala cobra que as “causas de fundo” dos desastres sejam observadas e critica que o foco seja apenas entender os fenômenos climáticos, sem levar em conta outros aspectos fundamentais dos desastres.
O entendimento de que as mudanças climáticas não podem ser tratadas como algo natural também permeia o pensamento de Lorena Fleury, professora de Sociologia da UFRGS e pesquisadora da sociologia das mudanças climáticas, conflitos ambientais e estudos sociais de ciência e tecnologia.
Em sintonia com o que os cientistas afirmam há tempos, ela ressalta que as mudanças climáticas são resultado da omissão da gestão pública e da ação humana e, portanto, não podem ser tratadas como algo natural. Para embasar sua visão, Lorena Fleury se apoia no conceito de Antropoceno, termo usado para descrever a atual era geológica do planeta Terra, caracterizada pela significativa influência humana, capaz de se tornar uma força geológica em escala global. O Antropoceno é então uma época marcada por impactos como as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e a alteração dos ecossistemas, tudo impulsionado pelas atividades humanas.
A professora de Sociologia da UFRGS ilustrou sua ideia de que os desastres se relacionam com as vulnerabilidades exibindo o mapa com a mancha da enchente de 2024 na região metropolitana, publicado em maio do ano passado pelo Observatório das Metrópoles. O mapa mostra que as regiões mais atingidas pela enchente foram aquelas que concentram principalmente as populações de baixa renda.
“Os modos como se vivencia o desastre climático são atravessados pelas injustiças ambientais. Os mais atingidos têm raça, classe e gênero bem marcados e isso deve pautar a agenda de enfrentamento às mudanças climáticas”, afirma Lorena Fleury.
A pesquisadora em sociologia das mudanças climáticas também defende que o enfrentamento do problema seja feito a partir do local. “Soluções pautadas por transações globais ou mecanismos de transferência tecnológica não mudam o imaginário sociotécnico, isto é, as visões de futuro sobre o que é desejável em termos de relação sociedade e natureza”, comenta.
Para enfrentar a situação, ela propõe que os planos políticas de ação climática não sejam setorizados, tendo transversalidade efetiva das políticas climáticas. Os mecanismos de governança também devem ser descentralizados. Lorena Fleury acredita que os modelos centralizados tendem a reforçar a concentração de recursos e propostas vinculados a setores historicamente próximos ao Estado.