07 Mai 2025
O papamóvel doado por Francisco antes de sua morte? Poderia ficar bloqueado fora da Faixa de Gaza por um longo tempo, como todas as ajudas bloqueadas por Israel. Juliette Touma, diretora de comunicações da UNRWA, a agência da ONU para os refugiados palestinos, apela justamente para os muitos gestos feitos pelo pontífice enquanto estava vivo para pedir que “a gentileza ponha fim à guerra”.
Uma esperança distante, por enquanto. O governo de Israel anunciou o ataque final a Gaza e um novo mecanismo de ajudas humanitárias.
A entrevista é de Flavia Amabile, publicada por La Stampa, 06-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
O que não funcionava?
Vou dizer apenas isto: por que tentar consertar algo que não está quebrado? Não há dúvida de que a ONU é capaz de fazer seu trabalho. E não fazemos isso apenas em Gaza, mas em todo o mundo, em todas as crises que gerimos, do Sudão ao tsunami, aos grandes conflitos. Temos a experiência, temos as competências. A UNRWA faz parte dessa comunidade. É a maior organização humanitária presente em Gaza há anos. Já existe um sistema em funcionamento.
De acordo com o governo israelense, as ajudas também foram para o Hamas e é por isso que eles estão mudando o sistema de ajudas.
A UNRWA é um prestador direto de serviços. Quando as ajudas chegam, são retiradas por caminhões da UNRWA nos postos de fronteira, conduzidos por motoristas da UNRWA, levadas para armazéns da UNRWA, separadas pela equipe da UNRWA e depois distribuídas para os abrigos da UNRWA. Nossos operadores são treinados em princípios humanitários, com anos de experiência. Se recebermos denúncias de desvio - de grupos armados, funcionários ou comunidades - e se houver provas, abrimos uma investigação. Mas não tivemos nenhuma. O que vimos foram saques, crimes organizados, especialmente antes da trégua, quando bem poucos suprimentos entravam. É um círculo vicioso. Quanto menos ajudas chegam, mais os saques aumentam. Se há suprimentos, não há saques, se não há suprimentos, os saques voltam.
E se há o cessar-fogo, se criam os suprimentos e se eliminam os saques. Mas, de acordo com Israel, se sustenta o Hamas.
Israel não permite que as mídias internacionais entrem em Gaza. Então, como é possível saber a verdade? O governo israelense pode alegar que as ajudas estão sendo desviadas, mas não está presente em Gaza para verificar isso. Continuamos a repetir que temos nossos próprios mecanismos de monitoramento e que os aplicamos em muitas outras crises em todo o mundo. É a nossa palavra contra a de uma das partes em conflito.
Qual é a sua posição em relação ao Hamas?
Nada justifica o ataque de 7 de outubro. Foi horrível, horrendo. Foi condenado pelas Nações Unidas, por mim pessoalmente, pela UNRWA muitas vezes. Desde o início, pedimos a libertação de todos os reféns mantidos em Gaza. Não consigo nem mesmo imaginar o horror que mães, pais, irmãos, irmãs e netos dos reféns estão vivendo. E é correto lembrar disso. Ao mesmo tempo, recebemos relatos de que grupos armados palestinos teriam usado estruturas civis. Mas o exército israelense também publicou vídeos mostrando o uso de escolas da ONU como centros de detenção ou bases militares. Portanto, a ONU também foi gravemente violada durante essa guerra. E tudo isso precisa ser investigado. Em 20 anos de trabalho em emergências humanitárias, nunca vi tantas violações com tanta frequência. Nunca vi tantas linhas vermelhas ultrapassadas.
Desde março, Israel tem bloqueado a chegada de ajudas. Vocês conseguem ter alguma notícia sobre o que está acontecendo na Faixa de Gaza?
Ainda temos equipes no local tentando distribuir o que podem. As pessoas estão visivelmente subnutridas. E não estamos falando apenas dos mais pobres: essa crise afeta a todos, mesmo aqueles que nunca precisaram de ajudas antes. As pessoas comem apenas um alimento de cada vez. É uma morte lenta por desespero. É um cerco silencioso que está matando pessoas todos os dias. E há novamente os bombardeios. Nós nos esquecemos deles, nunca pararam.
Um genocídio?
Existe a Corte Internacional de Justiça, e é ela quem deve determinar isso. Não posso dizer se é ou não. Tudo o que sei é que a situação é gravíssima.
A comunidade internacional deveria fazer mais?
A comunidade internacional precisa se envolver. Palavras de solidariedade não são mais suficientes. O Secretário Geral da ONU disse claramente em um discurso na semana passada: ‘Não é mais hora de palavras. É hora de ação’. A ONU não pode dizer aos Estados o que fazer, mas os Estados sabem muito bem o que deve ser feito. O que sabemos é que essa guerra precisa acabar. É uma mancha moral sobre toda a humanidade.