06 Mai 2025
No Dia da Consciência Negra de 2024, os cerca de 7 mil moradores do Quilombo Lagoas, o maior do Nordeste, no sul do Piauí, amargaram uma temerária decepção. A comunidade, reconhecida pela Fundação Palmares em 2009 mas ainda sem titulação definitiva de suas terras, esperava comemorar a assinatura do decreto que extinguiria as propriedades privadas de dentro de seu território. A assinatura do presidente Lula, porém, não aconteceu.
A reportagem é publicada por ClimaInfo, 05-05-2025.
Para os quilombolas, tratou-se de uma vitória para os interesses minerários que pesam sobre o quilombo, onde a possibilidade de exploração de jazidas de ferro atrai empresas e políticos locais, como detalhou o Repórter Brasil. No centro da polêmica está a SRN Mineração, empresa que tem entre seus sócios o influente político Luís Coelho, ex-secretário estadual de Mineração do Piauí durante o governo petista de Wellington Dias.
Coelho acumulou participação em diversas mineradoras enquanto ocupava cargos públicos e personifica os conflitos de interesse que permeiam o caso. Documentos mostram que ele continuou investindo na SRN mesmo durante seu mandato como secretário, em clara sobreposição de interesses privados e função pública. A empresa já obteve licenças ambientais para operar na região, mesmo com a pendência da demarcação quilombola.
O governo do Piauí, embora afirme apoiar a política nacional de titulação de terras quilombolas, é acusado de atuar nos bastidores para travar o processo. Pesquisadores denunciam que o estado prioriza o desenvolvimento baseado na mineração em detrimento dos direitos territoriais das Comunidades Tradicionais. Enquanto isso, o INCRA informa ter cumprido todas as etapas administrativas necessárias, transferindo a responsabilidade final para a Presidência da República, que permanece em silêncio sobre o motivo do atraso na assinatura do decreto.
A comunidade, que desenvolveu uma próspera produção de mel orgânico com vendas para o exterior, vê seu modo de vida em risco. O barulho e a poeira das operações minerárias afastariam as abelhas, inviabilizando a apicultura que sustenta muitas famílias.
Lentidão tem sido a marca da demarcação de Terras Indígenas pelo governo federal nos últimos dois anos. É o que aponta relatório recente divulgado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC). Entre 2023 e 2024, foram demarcadas 13 Terras Indígenas e publicadas 11 portarias declaratórias. Apesar da melhora na execução orçamentária (de 41% para 53%), os desafios persistem diante de ameaças como grilagem, mineração ilegal e desmatamento. O INESC alerta para a necessidade urgente de acelerar as demarcações, já que mais de 200 processos seguem paralisados por obstáculos políticos e burocráticos. O aumento orçamentário de 62%, totalizando R$ 377 milhões em investimentos, é um passo importante, mas ainda distante do necessário para assegurar os direitos territoriais dos Povos Originários diante de constantes e corrosivas pressões econômicas e ambientais.