06 Mai 2025
Seis dias antes de entrar na Capela Sistina para votar na eleição do próximo papa, o Cardeal Gerhard Müller, ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (2012-17), teólogo e autor de muitos livros, concedeu esta entrevista ao correspondente do America no Vaticano e a dois outros jornalistas em seu apartamento privado no Vaticano, no dia 1º de maio.
Papa Francisco o fez cardeal em seu primeiro consistório, em 2014, e na entrevista ele falou sobre Francisco, sua relação pessoal com o papa, suas críticas a algumas declarações de Francisco, o que espera do próximo papa e como se sente ao entrar no conclave.
A entrevista com Cardeal Gerhard Müller, é de Gerard O’Connell, publicado por America, 03-05-2025.
Como está o clima no salão do sínodo?
Há um bom clima de colegialidade. Alguns falam em continuidade com o pontificado de Francisco; isso é normal. Um papa não pode criar uma ruptura com seu predecessor, teologicamente falando. O futuro papa não é o sucessor do papa anterior, mas o sucessor de Pedro. Cada papa é sucessor de Pedro, e por isso é importante lembrar o que Jesus disse a Simão, o primeiro Pedro: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja.” Isso está fundado na confissão de Pedro e une todos os fiéis, todos os bispos na fé em Jesus, o Filho de Deus.
Você frequentemente foi crítico ao Papa Francisco. O que você não gostava nele? O que mais o surpreendeu nele?
Sempre disse que fui crítico, mas isso não é totalmente verdade. Não é verdade porque devo distinguir entre a missão e o ofício do papa. Isso faz parte da fé católica e apostólica. Também escrevi muitos livros, alguns a pedido do papa. Na verdade, ele me pediu que escrevesse um livro contra o gnosticismo moderno. Eu o entreguei a ele quando declarou Santo Irineu de Lyon — que foi um grande opositor do antigo gnosticismo — Doutor da Igreja. Disse a ele que essa foi uma das decisões mais importantes de seu pontificado.
Muitos elogiam este papa por seu engajamento com os pobres; essa é uma dimensão fundamental da igreja. Caritas faz parte da missão da igreja: liturgia, proclamação e serviço. Essas são as três grandes funções da igreja. Mas o Papa Francisco também se preocupava com a doutrina. Ele sempre dizia — especialmente em relação a mal-entendidos sobre a teologia da libertação — que a teologia da libertação não fala apenas sobre questões sociais. É uma teologia que fala de Deus. Não podemos dar aos pobres apenas pão; devemos também dar-lhes o pão da Eucaristia, o amor de Deus e a fé em Deus.
Houve algo muito pessoal que tocou seu coração em sua relação com Francisco?
Sim, algo muito pessoal. Quando meu irmão sofreu um terrível acidente — ele foi gravemente queimado vivo — o Papa Francisco me escreveu uma carta muito sentida e calorosa. Isso foi em 2018; foi um acidente de trabalho. Francisco estava muito preocupado.
Outra coisa pessoal: Também falamos sobre Gustavo Gutiérrez, com quem coescrevi três livros. Um deles é A Igreja dos Pobres para os Pobres. O Papa Francisco escreveu o prefácio. Gutiérrez está totalmente integrado no quadro teológico da igreja. Acho que o Papa Francisco o recebeu três vezes em Santa Marta, justamente para dissipar quaisquer dúvidas sobre a ortodoxia de sua teologia. Diziam que a teologia da libertação era marxismo introduzido na igreja, mas isso não é verdade. Sou professor de teologia e sou capaz de ler as obras de outros teólogos. Gustavo Gutiérrez dizia: Não fazemos sociologia política como tal, fazemos teologia. Falamos de Deus. E como podemos falar do amor de Deus por todas as pessoas sem ajudar aqueles que sofrem? Mães que não têm nada para alimentar seus filhos. Pessoas em condições miseráveis. Aqueles sem acesso à educação. Por isso, embora eu seja muitas vezes duro, tenho memórias pessoais. E há outras também.
O senhor falou antes sobre a continuidade entre os sucessores de Pedro, mas não houve alguma ruptura entre Francisco e Bento XVI? Por exemplo, sua abertura em relação às pessoas gays, ao Islã. O que o senhor acha dessa abertura?
Não houve ruptura na doutrina da igreja porque nenhum papa pode mudar a doutrina. A doutrina da igreja está baseada na revelação de Deus em Jesus Cristo. Jesus Cristo é o mesmo ontem e hoje.
Então a ruptura é mais na forma?
Na forma, no estilo. Também em sua orientação pastoral. Mas não se pode dizer que os papas anteriores não estavam preocupados com os pobres. Estavam. Desde Leão XIII, com o ensino social católico, até João Paulo II e Bento XVI. Em Deus Caritas Est, Bento disse que a caridade não é algo secundário; é central porque expressa o amor de Deus pelos outros. Portanto, não podemos criar essa contradição. Claro, é conveniente para a mídia usar esses conceitos dualistas: o Papa Ratzinger era isso, o Papa Francisco é aquilo. Ratzinger era professor de teologia, claramente. O Papa Francisco tem uma formação diferente — uma mentalidade latino-americana, distinta da alemã.
E mesmo antes dele, a igreja sempre esteve aberta a pessoas em situações difíceis — pessoas divorciadas, pessoas com tendências homossexuais. Mas isso é diferente de ideologias. Nós, na igreja, nos preocupamos com a salvação de todas as pessoas, inclusive dos pecadores. Mas algumas ideologias — como a ideologia L.G.B.T. — buscam redefinir o casamento como algo diferente da união entre homem e mulher. Isso é contra a criação. Jesus elevou o casamento entre homem e mulher à dignidade de sacramento. Não há alternativa a isso. Portanto, devemos distinguir entre a preocupação pastoral da igreja pela salvação de todos e essas tendências ideológicas. Nesse sentido, o Papa Francisco dizia “todos, todos, todos” — e isso não é uma contradição. Deus quer que todos sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade em Jesus Cristo.
O Papa Francisco tinha um bom coração. Ele queria transmitir a mensagem de que o ensinamento da igreja sobre o pecado não significa que as pessoas com problemas estão excluídas. Ele sempre, por exemplo, condenou o aborto, mas dizia que as pessoas que fizeram aborto podem voltar à igreja e receber o perdão. Mas quando alguém diz que o aborto não é um pecado grave, isso é diferente. O aborto mata um ser humano. O Papa Francisco nunca negou isso. Mesmo ao falar espontaneamente ou de maneiras nem sempre totalmente desenvolvidas, ele o fazia por misericórdia.
O senhor concorda com o Papa Francisco que a igreja deve ser inclusiva, não exclusiva?
A igreja é sempre inclusiva, mas não deve ser indiferente à situação das pessoas. Jesus começou chamando todos à conversão. Somos todos pecadores; todos precisamos de conversão. Conversão não é obedecer a regras impessoais; é fazer a vontade de Deus. Os Dez Mandamentos não são regulamentos militares. Deus não é um general. Ele é nosso Pai, que nos ama e guia seu povo, Israel, mesmo quando resistiam a ele — assim como nós muitas vezes fazemos.
Os temas discutidos agora são sobre o estado da igreja no mundo?
Não, esses tópicos estão sendo menos discutidos. O que é mais comumente discutido é o estado da humanidade hoje: o novo ateísmo, essa ideia de autorredenção, autocriação, globalismo liderado por superbilionários que querem “salvar” o mundo segundo suas próprias ideias. Esses são os grandes desafios para a igreja. A igreja deve reconciliar todos esses grupos.
Muitos disseram: A igreja é o sacramento da união íntima com Deus e também da unidade da humanidade. O papado tem enorme autoridade moral. Nosso Papa Francisco era a única autoridade moral restante no mundo. Putin, Trump, Xi Jinping — eles não têm autoridade moral. De todos os líderes mundiais de hoje, apenas o papa tem [autoridade moral]. Ele é o ponto de referência da fé.
Você vê o papado como uma força de unidade?
Antes de tudo, é uma missão eclesial: representar a fé e a unidade da Igreja. Mas também, em relação ao mundo, ao Islã, a outras religiões e à política, a missão do papa é unificar os povos e superar esses egoísmos coletivos que levam às guerras.
Na sua visão, quais qualidades o próximo papa deveria ter?
Qualidades objetivas: ele deve representar a unidade da fé e sua diversidade dentro do depositum fidei. O papa deve ser ortodoxo — obviamente ele não pode ser ariano. Ortodoxo porque, mesmo com todos os concílios, tudo depende da autoridade do papa. Na Igreja Católica, a autoridade papal é formal, não material. Os fundamentos são a Escritura, a Tradição, as decisões dos concílios anteriores ou do papa falando ex cathedra. Mas nosso último papa não fez nenhuma declaração ex cathedra. Então, nem tudo o que ele diz sobre a fé é irreversível. A reforma da Cúria, por exemplo, certamente pode ser alterada.
Você acha que o novo papa poderia, por exemplo, revogar a permissão para leigos e mulheres chefiar dicastérios, como a prefeita Simona Brambilla? Ele poderia dizer: “Isso acabou agora”?
Formalmente, sim, ela poderia.
Então poderia haver um retrocesso?
Não depende de cada cargo no Vaticano. Não há problema com leigos em si. Todos nós dissemos: alguns cargos na Igreja exigem ordenação. Mas para todos os outros, eles estão abertos.
Ele poderia dizer: “Vamos mudar esta parte da constituição ‘Praedicate Evangelium’”.
Tudo o que diz respeito ao direito eclesiástico, o papa pode mudar. Já mudaram antes. Mas não a lei divina; essa não pode ser alterada. Você não pode dizer que um bispo é apenas um delegado do papa. Um bispo, pela ordenação, é um representante de Cristo, em comunhão com o papa. Isso não pode ser mudado.
Mas, sim, ele poderia mudar a constituição do Estado da Cidade do Vaticano; isso não faz parte da constituição divina da Igreja. E quando falamos de um dicastério — um ministério do papa —, o papa pode decidir quem o lidera. Mas quando falamos, por exemplo, do Colégio dos Cardeais ou dos chefes da Cúria Romana, isso é um corpo eclesial, não civil. É claro que esses deveriam ser liderados por cardeais. Mas sempre precisamos enquadrar as coisas dentro de um contexto teológico e eclesiológico — não apenas em termos de retrocesso ou progresso.
E quanto ao sínodo? Você foi muito contrário a ele. Acha que o próximo papa pode mudar de rumo? Francisco até convocou outra sessão para outubro de 2028.
Todos os cardeais estão unidos em querer clareza sobre os conceitos. Um sínodo de bispos não faz parte do magistério. Pode ser uma forma institucional útil para envolver a cooperação de todos os membros da Igreja. Com base no sacerdócio comum de todos os fiéis, podemos realizar assembleias sinodais dos fiéis em várias regiões ou mesmo para a Igreja universal. Mas o sínodo em si — é um conceito vago. O que exatamente é um sínodo? Um sínodo de bispos? Um sínodo com leigos?
O papa formou o C9 conselho de cardeais conselheiros. Como você avalia isso? Acha que o próximo papa deve continuar nessa direção?
É algo que todos deveriam discutir. Muitos disseram que é importante fazer reuniões mais frequentes — não apenas uma vez em 10 anos, como fez o Papa Francisco. Disseram que todo o Colégio dos Cardeais deveria se reunir pelo menos uma vez por ano. Porque os cardeais não representam apenas a si mesmos; representam a Igreja universal. Isso é importante porque o ministério petrino não é solitário. O papa não é apenas o chefe da Igreja universal, mas também o bispo de Roma. E o Colégio dos Cardeais é o presbitério da Igreja de Roma para o bem da Igreja universal. Então o papa sempre precisa consultar; nem tudo pode ser conhecido por uma única pessoa. Antes de tomar decisões que afetem toda a Igreja, é muito importante ouvir representantes competentes da Igreja de Roma, que são os cardeais.
Você disse que os cardeais só se reuniram uma vez em 10 anos. Você acha que isso foi um problema nas congregações gerais? Alguns cardeais me disseram: “Nem conheço os outros.”
Isso é um grande problema. Não apenas uma questão de conhecer os nomes, mas também de conhecer as personalidades, ter conversado com eles, trocado ideias. Para ter uma noção de: quem é essa pessoa que pode assumir grande responsabilidade como papa? Precisamos encontrar a pessoa certa para essa tarefa. Somos instrumentos do Espírito Santo. Ainda assim, não somos instrumentos mecânicos. Precisamos ser instrumentos inteligentes.
Nos conclaves de 2005 e 2013, havia uma figura clara que se destacava, mas muitos estão dizendo que agora, entre os 135 eleitores, não há ninguém assim. Você concorda?
Sim. Isso sempre é um pouco problemático com os papas modernos, na era da mídia de massa. O papa se tornou a única figura midiática da Igreja. Os outros bispos permanecem nas sombras. E precisamos refletir sobre isso. O papa não é o “pároco do mundo”, como alguns dizem. Isso não é verdade. O pároco de uma paróquia é o pastor local. Ele representa diretamente Jesus Cristo.
Isso não é apenas um problema com o Papa Francisco — remonta ao século XIX, com Pio IX, com certo populismo. Precisamos encontrar uma solução porque a Igreja não existe apenas em Roma. Roma é importante, mas não é o centro da Igreja. O centro da Igreja é Jesus Cristo. Mesmo na Amazônia, quando a Eucaristia é celebrada, é a mesma Eucaristia que em São Pedro. O papa é o princípio visível de unidade, mas não o centro. Alguns falaram da “Igreja de Francisco” — um teólogo não pode aceitar isso. Não existe a “Igreja de Bento” ou a “Igreja de Francisco”. É sempre a Igreja de Cristo, cujo representante visível é o papa atual.
Algumas pessoas dizem que o Papa Francisco criou confusão. Mas estou aqui há quase 40 anos, e lembro quando João Paulo II realizou o encontro inter-religioso em Assis em 1986, ele também foi acusado de criar confusão, e o Cardeal Ratzinger nem sequer participou desse encontro. Você acha que essa acusação é justa quando aplicada a Francisco?
Foi o mesmo com Paulo VI. Houve grande confusão na Igreja naquela época. Mas, no fim das contas, sempre depende um pouco do estilo. O papa não é o comandante de um exército.
Mas Francisco criou confusão? O que precisamos agora é de um retorno à ordem?
Ordem no sentido de que precisamos esclarecer a relação entre doutrina e cuidado pastoral. O Papa Francisco, ao falar de improviso, não estava apresentando ensinamentos magisteriais; eram opiniões pessoais.
Como da primeira vez em que ele disse “Quem sou eu para julgar?”.
Sim, ele quis dizer algo claro com isso, mas alguns interpretaram como se a Igreja não tivesse nada a dizer sobre esse assunto. Ele estava se referindo a uma pessoa individual. O papa não pode julgar a alma de uma pessoa.
Mas também se poderia dizer que Jesus criou confusão.
Em certo sentido, ele provocou contradição, sim. Ele foi um sinal de contradição. Mas não de confusão. Isso é outra coisa. Ele causou confronto, mas não fez declarações contraditórias.
Por exemplo, a bênção de casais do mesmo sexo: você acha que isso é outra coisa que cria confusão?
Sim, porque aquela declaração diz “Não queremos mudar a doutrina da Igreja”, mas depois a aplicação concreta não é clara. Deve estar visivelmente conforme a doutrina. Não podemos dizer, de um lado, aqui está a doutrina, e do outro, aqui está a abordagem pastoral. Cristo é ao mesmo tempo mestre e pastor. Essa ideia de “doutrina para todos” mas “pastoral para indivíduos” é delicada. Tínhamos um professor de teologia que costumava dizer: “No púlpito, o padre deve ser um leão; no confessionário, um cordeiro.” São dois contextos diferentes: um para proclamar a verdade do Evangelho, outro para aplicá-la ao indivíduo.
Sempre foi assim. Mas nesses momentos, não se pode fazer cuidado pastoral por meio de um documento geral. Um documento se dirige a todas as pessoas. Mas um pastor, ou alguém responsável por outros, deve aplicar aquele ensinamento a cada situação concreta.
Então não se pode dizer: “Abençoem todos os casais gays que pedirem isso.” É preciso avaliar cada caso.
É preciso estudar cada caso, sim. E mesmo assim, não se está abençoando “o casal” — está se abençoando o indivíduo. Sempre foi assim. Então, onde está a novidade neste documento? Quando alguém aqui em Roma me pede uma bênção, eu não pergunto: “Você é muçulmano? Você é… seja lá o que for?”
Então esse documento não era necessário?
Não, não era necessário.
E ele criou confusão, na sua opinião?
Sim. Todas as igrejas ortodoxas rejeitaram. Disseram: Se o ecumenismo acabar assim, não vale a pena. Por que criar problemas quando a situação anterior era mais clara, mesmo que não totalmente clara? O Papa Francisco quis dizer a verdade, mas deveríamos pedir aos pastores locais que apliquem isso com sensibilidade a indivíduos concretos.
João Paulo II se aproximou de outras religiões. Francisco também, de maneira significativa. Você acha que essa capacidade de se relacionar com outras religiões é uma qualidade necessária para o próximo papa?
O ecumenismo e o diálogo inter-religioso são caminhos já trilhados pelo Concílio Vaticano II. O Concílio tornou isso obrigatório para a Igreja, não apenas para o papa, mas para todos os bispos, padres e teólogos. Mas é preciso distinguir entre diálogo inter-religioso e relativismo religioso. É fácil demais dizer: “Todas as religiões são iguais.” Precisamos ser criteriosos. Se todas as religiões são religiões verdadeiras — ou seja, se estão orientadas para Deus, o criador de todos —, então elas têm uma responsabilidade compartilhada pela paz mundial. Não podemos deixar isso só para os políticos.
Você é frequentemente visto como o líder do setor mais tradicional, conservador da Igreja. Você se sente confortável com esse rótulo?
Não sei por quê. Sempre fui ortodoxo, não conservador ou liberal. Esses são rótulos ideológicos, políticos. Devemos pensar em termos de ortodoxia e heresia. Não existe um batismo “ortodoxo conservador” ou um batismo “liberal”. A verdade é a verdade.
Alguns chegaram a usar a palavra heresia — especialmente nos Estados Unidos —, dizendo que este papa é herege porque, por exemplo, lavou os pés de mulheres muçulmanas.
Alguém uma vez me perguntou se o papa poderia ser um herege. Eu disse: Teologicamente, devemos distinguir entre heresia formal e material. Alguns papas na história — como Honório I — foram materialmente hereges.
Heresia material é quando um papa diz algo pouco claro, ambíguo. Heresia formal é quando ele emite uma declaração — digamos, uma bula papal — que contradiz explicitamente a verdade revelada. Não é o caso aqui.
Então, se ele apenas não se expressa claramente, isso não é heresia?
Correto.
O Papa Francisco seria materialmente herege, talvez, mas não formalmente?
Por exemplo, quando ele disse ao menininho cujo pai ateu havia morrido que seu pai poderia estar no céu. Alguns disseram: “O papa nega o inferno.” Mas ele estava expressando esperança na misericórdia de Deus.
Todos os concílios — mesmo o último — afirmam que não podemos conhecer a disposição interior de alguém no momento final. Só porque alguém diz “Não acredito em Deus” não significa que sabemos o que ele acreditava no fim. Por isso a Igreja nunca afirmou definitivamente que alguém está no inferno. Podemos rezar por todos.
Então o Papa Francisco não teria cometido heresia ao dizer tais coisas, mas talvez essas declarações tenham causado confusão?
Sim, algumas coisas foram pouco claras e poderiam ser interpretadas de maneiras diferentes.
Aquele momento com o menino — quando o papa disse “Seu pai está no céu” — foi a coisa errada a dizer?
A maneira correta de responder seria: “Vamos esperar e ter esperança.” Porque não podemos saber. Mas ninguém espera que o papa fale dogmaticamente a cada momento. Ele não estava dando um tratado teológico. O Papa Bento sempre foi teologicamente preciso. O Papa Francisco era mais pastoral.
Os dois últimos conclaves duraram apenas dois dias. Quanto tempo você acha que este vai durar, já que, como você disse, nenhum candidato claramente se destaca?
Depende do resultado das primeiras votações. Se um candidato chegar perto de 90 votos, os demais podem segui-lo. Mas, se a situação estiver confusa, não muito clara, então pode demorar mais.
Você ficou surpreso com as multidões enormes no funeral, na Praça de São Pedro, ao longo do trajeto e na basílica de Santa Maria Maior?
Acho que o mundo inteiro está interessado. Há 4.000 jornalistas aqui. Todo o mundo católico está rezando pelo papa. Todos esperam por um bom novo papa, em continuidade com os outros bons papas ao longo da história. Sim, houve alguns questionáveis na Renascença — mas não queremos voltar àquilo. Queremos claramente um papa que seja religioso, não secularizado, nesse sentido.
Tem-se falado muito sobre o papado voltar para a Itália depois de 47 anos.
Acho que essa conversa sobre nacionalismo — egoísmo nacional — está fora de lugar. Alguém que pensa com uma mentalidade católica está sempre aberto a onde o Espírito Santo aponta. Se os próximos 10 papas vierem da África, e alguém tiver um problema com isso, seria ridículo.
Enquanto você se prepara para votar no conclave, como se sente?
Eu rezo ao Espírito Santo todos os dias por uma boa inspiração. É uma enorme responsabilidade para a Igreja e para o futuro da Igreja.
Devemos evitar pensar em categorias mundanas. O Papa Francisco sempre falou contra a mundanidade, então não devemos introduzir rótulos mundanos como “conservador” ou “progressista”. Devemos pensar em termos de teologia e espiritualidade. Porque a teologia não pode ser uma teoria abstrata; ela deve ser inspirada pelo Espírito. É assim que devemos pensar.