Festa Cola refrigerante, suco de manga
Zest e água mineral
Swissta não são bebidas comercializadas no Brasil. Entretanto, qualquer turista pode topar com
garrafas plásticas e tampinhas desses produtos nas areias de alguns dos destinos turísticos mais procurados do país.
Um estudo realizado por pesquisadores brasileiros, publicado na revista científica
Science of The Total Environment no início deste mês, identificou que a costa brasileira, sobretudo no Nordeste, pode estar sendo invadida por
lixo plástico vindo de
países africanos.
A pesquisa do projeto
Detetive do Plástico, do Instituto de Ciências do Mar (
Labomar) da Universidade Federal do Ceará (
UFC) em parceria com outras organizações, identificou que plásticos derivados de 31 marcas produzidas por 31 empresas de sete países africanos chegaram às praias brasileiras em 2022.
O material foi encontrado nas praias de Jericoacoara, Porto das Dunas e do Futuro, no Ceará, em praias de João Pessoa, na Paraíba, em Tamandaré, Pernambuco, e na Praia do Sueste, no Arquipélago de Fernando de Noronha.
O
lixo vem principalmente da República Democrática do Congo (RDC), onde as bebidas mencionadas no início desta reportagem são produzidas e comercializadas. Mas também foram encontrados plásticos provenientes do Congo, Angola, Costa do Marfim, Camarões, África do Sul, Nigéria e Gana. E resíduos de países europeus, como Alemanha e Itália, e asiáticos.
"Há mais de dois anos estamos seguindo uma abordagem que visa não apenas quantificar o plástico que está nas praias, mas dizer quais são as marcas responsáveis dessa poluição e sua origem. Conseguimos apontar o dedo para quem é responsável", afirmou Tommaso Giarrizzo, professor da UFC e pesquisador do Labomar responsável pelo projeto.
O estudo revelou que de todo o material analisado pelos pesquisadores, 78,5% vinha da África, quase 16% do Brasil e os outros cerca de 6% de locais como Índia, Emirados Árabes Unidos, China, Itália e Alemanha. Do material vindo da África, 90% tinha como origem a RDC, 3,6% a Angola e 2,6% da Costa do Marfim.
Três marcas eram responsáveis por cerca de 58% de todos os resíduos recolhidos, sendo 37% deles os refrigerantes Festa, 14% os sucos Zest e 7,4% a água mineral Swissta. A maioria dos itens coletados foram fabricados por apenas três empresas da RDC: Swissta RDC S.A.R.L (44,1 %), Amigo Foods (15,4 %) e Angel Cosmetics (6,2 %).
Em seu site, a Festa afirma que as embalagens de 100% dos seus produtos são recicláveis. O refrigerante e bebida energética foram criados em 2016, pela empresa Swissta RDC S.A.R.L, que também produz a água mineral Swissta. Procurada, a empresa não respondeu até a publicação desta reportagem. O suco Zest é produzido pela empresa Amigo Foods, que tampouco se pronunciou. A Angel Cosmetics, que possui cerca de 40 marcas de produtos para o cabelo e pele, não respondeu à DW.
No total, 15 marcas pertenciam ao setor de bebidas, enquanto outras 15 eram frascos, potes e tampas de produtos de beleza. As tampas de garrafa representaram quase 80% dos itens de origem africana, enquanto potes de cosméticos e alimentos, 16%. Isso pode ser explicado, segundo a pesquisa, porque as tampas de garrafa flutuam e podem ser levadas à deriva por longas distâncias no oceano.
"Quando você pega esses objetos, eles também têm um símbolo com um número dentro, que indica a composição polimérica do plástico deles. Foi curioso observar que a maioria do material vindo da África não é facilmente reciclável", explica Giarrizzo.
A descoberta surgiu da observação do professor Tommaso Giarrizzo, enquanto realizava outros estudos na costa brasileira. Ao caminhar pelas praias do Ceará, ele começou a ver tampinhas de garrafas cujos símbolos eram desconhecidos dos brasileiros.
Com um financiamento da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), ele e a equipe realizaram um trabalho investigativo. Durante os meses de novembro e dezembro de 2022, o grupo visitou as praias de Jericoacoara, do Futuro e do Porto das Dunas e coletou todo o plástico com mais de dois centímetros de comprimento encontrado na faixa de areia.
Isso gerou uma amostra de mil itens e quase 10kg. "Fazendo um passo grande na praia, a gente encontrava quase três plásticos em média. Isso é uma quantidade muito grande. Teve lugar que encontramos quase seis itens por metro", afirmou Giarrizzo.
Em laboratório, os pesquisadores separaram os itens por cor e tipo de produto (tampa de garrafa, pote, embalagem), além de finalidade (bebidas, cosméticos e farmacêuticos) e nível de degradação. Eles combinaram dois métodos de investigação para descobrir a origem.
O primeiro foi o de auditoria de marca, utilizado em pesquisas semelhantes no Canadá e na Alemanha, que analisou os itens intactos ou bem preservados. Os pesquisadores fotografaram os logotipos, textos e símbolos presentes nos plásticos e, usando o Google Lens, checaram a marca e a empresa responsável pela produção delas. Eles também buscaram manualmente as marcas e empresas nos respectivos sites. Com isso, identificaram a origem geográfica de 55% do material coletado.
Os pesquisadores também usaram ferramentas que simulam o percurso do plástico de acordo com a intensidade e direção das correntes que operam do Atlântico Sul, para ver se seria possível que materiais lançados no mar da costa africana pudessem chegar, de fato, ao Brasil.
A RDC produz, por dia, cerca de 48 mil quilos de
plástico, dos quais 85% são mal administrados, segundo dados da ONU. Em 2017, o país proibiu a importação, a produção, o uso e a venda de
embalagens plásticas, mas a norma não contemplou os principais produtos consumidos lá, como o material encontrado no Ceará.
Giarrizzo lembra, por outro lado, que a
poluição por plástico não é um problema exclusivo da África. "Não adianta atribuir culpa à África, o
Brasil com os plásticos que ele não maneja corretamente também pode estar exportando lixo até o Caribe e os Estados Unidos", lembra. O Brasil produz cerca de 7 milhões de toneladas de
plásticos por ano, sendo o maior produtor da América Latina.
Um estudo da
Sea Shepherd Brasil com o Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (
USP) mostrou que em todas as praias brasileiras são encontrados resíduos plásticos e em 97% delas há a presença de
microplásticos. Os pesquisadores da UFC afirmam que o país não monitora como deveria esse lixo, muito menos no sentido de identificar os responsáveis pela poluição.
"Na Europa, há um monitoramento sistematizado, mas é difícil a gente adotar protocolos europeus, pois as praias brasileiras têm características muito diferentes", diz
Giarrizzo.
Na
União Europeia, desde julho deste ano as tampas das garrafas plásticas devem vir presas à garrafa. A Europa é responsável por produzir anualmente quase 26 milhões de toneladas de
resíduos plásticos e tem uma meta de reciclar 50% das embalagens de plástico até 2025 e 55% até 2030, além de reduzir em 30% os
microplásticos jogados no meio ambiente até 2030.
Investigações já mostraram, entretanto, que países europeus descartam lixo eletrônico e têxtil em países africanos. Os pesquisadores brasileiros alertam que estratégias isoladas no Norte Global não serão efetivas para reduzir o impacto dos
plásticos e desses outros resíduos na natureza. "O lixo hoje é um problema político”, conclui
Carlos Teixeira, pesquisador e professor do Labomar.