Negacionismo de esquerda e PAC 3: “A opção é enfiar o pé no acelerador”. Entrevista especial com Maurício Angelo

“Por mais que exista vontade de pensar a transição energética, de apostar em investimentos mais verdes, o núcleo do pensamento do governo ainda é desenvolvimentista”, afirma o jornalista e pesquisador do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB

Foto: Reprodução

22 Agosto 2023

Lançado pelo governo federal neste mês, 11-08-2023, o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC 3 mostra que “a opção do PT é enfiar o pé no acelerador”. O programa também reafirma a opção desenvolvimentista do núcleo governista, em disputa com outros ministérios, avalia Maurício Angelo, na entrevista a seguir concedida por WhatsApp ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU. “O que chama a atenção é a questão nominal. Ou seja, será que realmente os recursos alocados obedecem a critérios válidos?” Segundo ele, a proposta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de fazer com que “o desenvolvimento econômico e social caminhe de mãos dadas com a preservação ambiental”, é boa, mas as medidas práticas mostram “uma clara disputa no governo”. A discussão sobre qual modelo de desenvolvimento o país quer seguir “não está em xeque”.

Angelo também comenta a declaração do presidente colombiano, Gustavo Petro, sobre o negacionismo de esquerda. “É um negacionismo enorme e muito claro em questões ambientais porque, quando tem dinheiro na mesa, a escolha entre dinheiro e meio ambiente, entre dinheiro e direito dos povos indígenas e tradicionais, invariavelmente é a favor do dinheiro. Simples assim. A escolha pelo dinheiro vem acompanhada de um discurso de maquiagem verde. Esse é o problema”, resume.

Maurício Angelo (Foto: Agência Senado)

Maurício Angelo é repórter investigativo, fundador do Observatório da Mineração, centro de jornalismo investigativo, análise crítica, pesquisa e mentoria focado no setor extrativo, e pesquisador do Centro de Desenvolvimento Sustentável, da Universidade de Brasília (UnB).

Confira a entrevista.

IHU – O que significa a retomada do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC 3 na atual conjuntura econômica, política, socioambiental e climática?

Maurício Angelo – É um programa importante. Por mais que o PAC anterior tenha recebido muitas críticas por causa das obras paradas e dos “elefantes brancos”, duas coisas chamam a atenção no programa anunciado.

Primeiro, o volume de recursos anunciado, inclusive na parceria com a iniciativa privada. Claro que pelo fato de o Brasil ser um país continental e por haver muitas pessoas envolvidas nessas centenas de obras, vai haver dificuldades frequentes de logísticas, de execução, de transparência e de entrega.

Segundo, mais grave do que isso é o fato de que a conjuntura socioambiental e climática de agora é bem diferente da dos governos anteriores do PT. Até que ponto o partido está considerando essa diferença?

O PAC é um programa importante, mas tem falhas evidentes, tanto do ponto de vista da dificuldade de execução quanto das parcerias público-privadas: transparência, execução, corrupção – considerando o histórico anterior, além, especialmente, da questão ambiental e climática.

IHU – O investimento de 1,7 trilhão para o PAC 3 está dividido do seguinte modo: 28 bi para inclusão digital, 31 bi para saúde, 45 bi para educação, 2 bi para infraestrutura social destinada à cultura, 610 bi para cidades sustentáveis, que inclui financiamento de construção de moradias do Minha Casa, Minha Vida, modernização da mobilidade urbana, urbanização das favelas, esgotamento sanitário, gestão de resíduos sólidos e contenção de encostas e combate a enchentes, 30 bi para universalização de acesso à água, 349 bi para investimento em rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e hidrovias, 540 bi para transição energética, que inclui luz para todos , investimentos no pré-sal, diversidade da matriz energética. O que essa divisão de recursos indica sobre o projeto de desenvolvimento para o país?

Maurício Angelo – O que chama a atenção é a questão nominal. Ou seja, será que realmente os recursos alocados nessas áreas e divisões obedecem a critérios válidos? Veja o exemplo de 610 bi para cidades sustentáveis. Isso inclui o financiamento de construção para moradias do Minha Casa, Minha Vida. É bacana porque, sem dúvida, o país tem um déficit habitacional gigantesco e inaceitável, o que torna extremamente válida a luta de movimentos como o do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto – MTST, mas não podemos deixar de considerar também os inúmeros casos de trabalho escravo em empreiteiras e construtoras do Minha Casa, Minha Vida e a má qualidade dos imóveis entregues em termos de estrutura física e localização. Existe a tentativa de rever isso, com a construção de apartamentos maiores. É o mínimo que deveria ser feito. Mas, de fato, o Programa Minha Casa, Minha Vida enriqueceu mais ainda bilionários, como os donos da MRV, que depois estiveram muito próximos da campanha do Bolsonaro.

Quando se investe tanto dinheiro, centena de bilhões, em áreas específicas, concentrando esse dinheiro em poucas empresas – o PT sabe muito bem os riscos disso –, gera-se uma série de problemas no sentido de fortalecer empresários que não vão hesitar, como não hesitaram na campanha e no governo Bolsonaro, em financiar, apoiar e manter no poder uma pessoa fascista e de extrema-direita. Então isso tem que ser visto com muito cuidado.

Em relação à urbanização das favelas e esgotamento sanitário, é vergonhoso que o Brasil ainda não tenha um saneamento básico universal. O investimento na contenção de encostas e no combate a enchentes é superválido.

Agora, 349 bi para investimentos em ferrovias, rodovias, portos, aeroportos e hidrovias é onde concentra-se o maior gargalo do ponto de vista dos inúmeros impactos socioambientais que essas obras geram, além da violação da consulta prévia e da violação à Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT. As rodovias se transformam em vetor direto de desmatamento. A partir do momento em que se abre e se asfalta uma rodovia, sobretudo para atender aos interesses da mineração, gera-se uma corrida, especialmente na Amazônia e no Cerrado, que acelera muitíssimo o desmatamento.

Além disso, há 540 bi destinados para a transição energética, incluindo investimento no pré-sal. Que transição energética é essa? É aquela conversa que muitos dentro do PT, pessoas vinculadas ao partido ou ao governo, dizem: para financiar a transição energética, o Brasil precisa apostar no petróleo até a última gota, como a questão da Foz do Amazonas. Então é isso mesmo? Para termos dinheiro para investir em energia renovável, que também tem seus problemas, precisamos explorar o petróleo até o fim? Complicado. Esse discurso não se sustenta nem na teoria nem na prática.

IHU – Qual é a característica das ferrovias que serão construídas, ampliadas ou restauradas?

Maurício Angelo – A questão das ferrovias é bem preocupante porque coloca em lados opostos o viés desenvolvimentista do partido e a necessidade de expandir a malha viária (do ponto de vista do agronegócio e da mineração) e os direitos tradicionais e quilombolas. Há ferrovias que estão operando no país e não trouxeram desenvolvimento para o Brasil. Pelo contrário, as regiões por onde essas rodovias passam são as mais pobres.

Por exemplo, a Estrada de Ferro Carajás, que está no pacote do PAC – e é da Vale –, se não é a maior, é uma das maiores do Brasil. Sai de Carajás e vai até o Porto de São Luís, no Maranhão. Essa ferrovia forçou um acordo com o povo indígena Gavião Parkatêjê. A rodovia passa dentro da terra indígena Gavião e será duplicada. A Vale dividiu as comunidades, pressionou e deu bônus para que os indígenas aprovassem a duplicação depois de dez anos. Aprovaram a contragosto, com muitas críticas e queixas, com uma insegurança enorme em relação ao que vai ser o futuro desse acordo, que é pior do que o anterior.

A Fiol [EF-334], na Bahia, sai de Caetité e vai até o Porto de Ilhéus para escoar minério de ferro, urânio e grãos do agronegócio, violando uma série de direitos. É um projeto que foi empurrado “goela abaixo”; todas as questões ambientais foram ignoradas.

A Ferrogrão é a terceira ferrovia que destaco deste pacote, que é muito amplo. A Ferrogrão atravessará um mosaico de unidades protegidas e terras indígenas. Falta consulta [às comunidades] e é difícil elencar todos os impactos cumulativos da Ferrogrão. É uma obra extremamente criticada pelos indígenas, com uma série de falhas no seu licenciamento ambiental, uma série de críticas às audiências feitas para constar, como sempre mostram as reportagens. O direito de consulta é ignorado e, mesmo quando ele acontece, é viciado. Sofre um lobby terrível das empresas e uma influência de lobistas para garantir o interesse das grandes empresas, enganando ou forçando acordos desvantajosos para as comunidades. Isso para citar três exemplos. É uma situação bastante grave.

Tem também a ferrovia da Vale, no Pará, que será construída em uma área em que o próprio EIA/RIMA [Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental] já mostra que todos os projetos de infraestrutura do agronegócio e do setor da mineração não trouxeram desenvolvimento e a região continua pobre. Esse empreendimento vai afetar diversos quilombos. Então qual é o modelo que o PT quer? Quais dessas obras são realmente essenciais? As comunidades estão sendo respeitadas e realmente ouvidas? Quando são ouvidas, qual é o processo que está por trás disso? Não há respostas fáceis nem escolhas simples, mas o pacote todo mostra muito bem que a opção do PT é enfiar o pé no acelerador.

IHU – Algumas análises sobre o PAC 3 enfatizam que “o governo brasileiro ainda tem uma raiz desenvolvimentista linha-dura, interessada em brita, asfalto e concreto, e 80% dos investimentos em energia ainda estão comprometidos com combustíveis fósseis”. Concorda? A que atribui essa visão?

Maurício Angelo – O núcleo duro do PT, incluindo o próprio Lula e Geraldo Alckmin, especialmente o ministro de Minas e Energias [Alexandre Silveira] e várias outras figuras, tem uma linha desenvolvimentista, por mais que Lula tenha feito discursos e pronunciamentos belíssimos nas COPs, na Europa e no Brasil desde que foi eleito. O PT sempre teve isso muito claro e definido. É difícil esperar que uma linha cristalizada durante décadas no PT mude de uma hora para a outra. Por mais que exista vontade de pensar a transição energética, de apostar em investimentos mais verdes, o núcleo do pensamento do governo ainda é desenvolvimentista. Na hora de escolher entre o projeto de uma ferrovia e apostar ainda mais em combustíveis fósseis ao invés de apostar em energias renováveis, a linha desenvolvimentista vence.

Alckmin tem tido um papel muito importante nesse modelo como vice-presidente e ministro de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Ele tem sido um garoto propaganda de mineradoras, literalmente apoiando projetos polêmicos, como o projeto da Potássio do Brasil, no Amazonas, que atinge o povo indígena mura, e servindo de garoto propaganda para a Sigma Lithium, que opera no Vale do Jequitinhonha/MG, com um discurso superverde, mas tem afetado indígenas e quilombolas na região ao propagandear o primeiro embarque de lítio da Sigma no Porto de Vitória. São exemplos de como [o modelo desenvolvimentista] funciona na prática.

IHU – Na Cúpula da Amazônia, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que o Brasil quer ajudar o mundo no processo de descarbonização, mas “faz sentido [o Brasil] conhecer as potencialidades energéticas tanto em solo quanto em mar”, fazendo referência à exploração de petróleo. Ele disse ainda que para combater a miséria e a pobreza, o país precisa se desenvolver e, para isso, é preciso “explorar os minerais críticos de forma adequada e ambientalmente correta para fazer a transição energética”. Na mesma semana, o ministro Fernando Haddad afirmou que “unir o país contra o desmatamento e o aquecimento global é produzir mais empregos de qualidade no nosso país” e que “com o Plano de Transformação Ecológica nasce uma nova maneira de pensar, de governar e de empreender, de viver e de agir ecologicamente, para que o desenvolvimento econômico e social caminhe de mãos dadas com a preservação ambiental”. Haddad falou ainda em “aliança estratégica do Ministério da Fazenda com o Ministério do Meio Ambiente”. Como interpretar essas declarações? Há uma mudança de mentalidade em relação ao desenvolvimento econômico ou uma disputa interna no governo?

Maurício Angelo – Há boas intenções de algumas figuras, como Haddad, mas, ao mesmo tempo, uma clara disputa no governo. Por exemplo, Alexandre Silveira foi vastamente financiado por mineradoras em sua carreira política e hoje comanda o Ministério de Minas e Energia. Os chamados minerais críticos (lítio, cobre, níquel, cobalto, nióbio) usados em todas as energias renováveis (solar, eólica), em carros elétricos, na tecnologia, são de fato necessários. Mas o Brasil não pode repetir o mesmo modelo que foi implementado aqui nos últimos 523 anos, mudando o foco para alguns minerais.

A política brasileira de minerais críticos engloba tudo que é relevante no setor mineral, inclusive o minério de ferro, que é o principal produto mineral extraído e exportado pelo país, mas fica muito claro se tratar de uma maquiagem verde. O que está mudando de fato? Se o país continuar a extrair e exportar matéria-prima praticamente bruta, apenas dando foco maior em alguns minerais que são essenciais para a indústria da transição energética, o que muda realmente? O modelo é o mesmo. Esse modelo precisa mudar para não repetir o que acontece no país. Não me refiro só [aos desastres de] Mariana e Brumadinho, mas ao modelo de desenvolvimento o Brasil quer. Isso não está em xeque. O discurso é que [a extração de minerais] só será feita de forma ambientalmente sustentável. O que significa na prática? Aprovar esses projetos extremamente polêmicos de empresas que têm um passivo socioambiental enorme? É isso o que tem acontecido, inclusive na política de minerais críticos estratégicos do país. Ou seja, tem uma contradição aí e um problema estrutural central quanto ao modelo mineral brasileiro. Sobra apenas o discurso vazio.

IHU – O que significa abrir uma nova fronteira de hidrocarbonetos na Margem Equatorial, costa norte do país que inclui a Foz do Amazonas, no atual contexto de mudança climática? A insistência brasileira nesse projeto tem sentido? Na Cúpula da Amazônia, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, classificou a aposta na exploração de petróleo de “negacionismo de esquerda”. Como compreender essa expressão?

Maurício Angelo – A insistência em abrir a Margem Equatorial para a exploração de petróleo, usando outros países como exemplo, alegando que isso já acontece em águas internacionais e que a Noruega explora petróleo, além de outros países não abrirem mão desse recurso, questionando por que o Brasil abriria mão, mostra o seguinte: o que o país quer fazer como escolha central da sua atuação, da sua política?

Faz sentido dizer que é preciso explorar até a última gota de petróleo para financiar a transição energética? O petróleo na Amazônia já existe há muito tempo. No Equador, por exemplo, esse tipo de exploração gerou uma hecatombe ambiental, afetando inúmeros povos indígenas, além do meio ambiente. É um projeto que não se justifica tecnicamente a partir de todos os estudos feitos, como indica o fato de o IBAMA [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] ter negado a licença ambiental [para a exploração]. A exploração já vem sendo negada há muito tempo. Todas as análises sérias, técnicas e independentes mostram que é um projeto que não vale a pena e que tem problemas crônicos. É uma contradição enorme abrir uma nova área de exploração em uma região extremamente sensível ecologicamente, com a desculpa de financiar a transição energética.

Sim, há um negacionismo de esquerda, como disse Gustavo Petro. É um negacionismo enorme e muito claro em questões ambientais porque, quando tem dinheiro na mesa, a escolha entre dinheiro e meio ambiente, entre dinheiro e direito dos povos indígenas e tradicionais, invariavelmente é a favor do dinheiro. Simples assim. A escolha pelo dinheiro vem acompanhada de um discurso de maquiagem verde. Esse é o problema.

IHU – Em que consiste o Plano de Transformação Ecológica apresentado pelo ministro Fernando Haddad?

Maurício Angelo – Baseado no que foi anunciado até o momento, esse plano é apresentado não só como uma transição para fontes de energia renováveis e sustentáveis, mas como uma nova maneira de pensar, agir e executar políticas públicas de uma parceria estratégica entre o Ministério da Fazenda e o Ministério do Meio Ambiente. Porém, de maneira prática, questões como a regulamentação do mercado de carbono, que é defendida por algumas ONGs e, principalmente, pelo mercado, têm uma limitação muitíssimo clara em termos de ter algum impacto positivo.

O mercado de carbono no Brasil e no mundo tem se mostrado extremamente favorável às empresas e pouco favorável às comunidades, como mostram os casos de maquiagem verde, de engano, de empresas tentando enganar comunidades indígenas na Amazônia com acordos muito desvantajosos. O mercado de carbono vai servir, novamente, apenas para gerar dinheiro para o mercado, somado a um discurso verde, sustentável, renovável, que, na prática, muda muitíssima pouca coisa ou nada, apenas para angariar novos investimentos. É o que me parece até aqui, embora o plano seja extremamente ambicioso, atrelado ao novo PAC.

Concordo que o Ministério da Fazenda precisa conversar com o Ministério do Meio Ambiente; eles não são antagônicos. Mas, como disse, quando a escolha entre dinheiro e meio ambiente de fato precisa ser feita, licenças são emitidas favorecendo as empresas – não só o histórico do PT, mas de todos os governos mostra isso. No Ministério do Meio Ambiente há pessoas que pensam de modo diferente do Ministério da Fazenda e de outros ministérios, como os ministros Alckmin, Simone Tebet, Carlos Fávaro e Alexandre Silveira. A equipe do Ministério do Meio Ambiente é extremamente qualificada, da ministra Marina Silva até os outros escalões. É óbvio que o governo precisa conversar e ter instâncias de política de governança horizontais, transversais, para tratar das políticas verdes e renováveis. Porém, na prática, vemos que as prioridades até aqui são bem tímidas. O PAC ilustra isso e a atuação diária de figuras-chave do governo, como Alckmin, Silveira e companheiros, vai no sentido oposto do que Haddad está pregando.

IHU – O que entende por negacionismo mineral e como ele se manifesta na cena política?

Maurício Angelo – O que tenho chamado de negacionismo mineral é justamente a sistemática de vender projetos minerais e de apresentar a mineração como a salvação da crise climática que ela mesmo ajudou a criar. Ou seja, colocar a mineração como a solução do problema que ela mesmo criou. De modo geral, o setor minero-siderúrgico e extrativista é uma contradição evidente e ignora toda a contradição da mineração no Brasil. Nega todo o desenvolvimento, o suposto desenvolvimento que a mineração não foi capaz de entregar. Basta olhar para as principais regiões mineradoras. Qual é o “legado” que a mineração deixou para essas cidades? Dependência extrema, desenvolvimento humano baixíssimo, dependência econômica e social. Ou seja, um legado de devastação e destruição ambiental porque essa é uma atividade que tem vida útil, tem tempo para se esgotar, não é um recurso renovável.

Destroem-se um rio, uma montanha, uma região inteira, exporta-se o minério para fora, concentra-se o lucro na mão de poucos acionistas e empresários. O governo cobra um imposto baixíssimo, e a cidade fica com pouquíssimo recurso. As alíquotas melhoraram timidamente de 2017 para cá, mas ainda estão muito aquém do que poderiam ser. A indústria mineral goza de inúmeros subsídios fiscais (municipais, estaduais, federais) e muito pouco fica para o país, as cidades e os estados. Além disso, ignoram-se os desastres ambientais gerados pela mineração: o maior desastre ambiental do Brasil, Mariana; o maior desastre em área urbana em curso no mundo, da Braskem, em Maceió; o maior acidente de trabalho, pois foi considerado acidente de trabalho, em Brumadinho, que matou 270 pessoas; e a hecatombe causada pelo garimpo ilegal na Amazônia.

Além disso, há inúmeros outros problemas socioambientais deixados pela mineração em vários estados e o baixíssimo desenvolvimento econômico, social e humano que essas empresas legam às regiões em que atuam. Diante disso, a mineração é colocada como salvação da crise climática que ela ajuda a criar.

O negacionismo mineral está muito presente no discurso de políticos de direita, de esquerda, de centro, de todos os matizes ideológicos. É um problema crônico porque não se discute o modelo mineral. Querem aplicar o mesmo modelo que até hoje causou tudo que acabei de falar. É preciso mudar o modelo mineral brasileiro. É necessário repensar e redefinir muita coisa para que esse recurso, que não é renovável e deixa um passivo enorme, comece de fato a contribuir positivamente para as regiões onde está implantado, onde estas empresas atuam. O governo está disposto a encarar essa mudança? De um modo geral, a classe política está disposta? Parece que não. Cabe à sociedade civil organizada e às outras instâncias debater o assunto, colocar o tema em questão e influenciar as decisões políticas a favor da sociedade, das pessoas, da população brasileira.

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