Equador, à beira do precipício. Entrevista com Pablo Ospina e Franklin Ramírez

O assassinato de um candidato presidencial após um ato de campanha chocou o Equador poucos dias antes das eleições

Foto: Reprodução | Nueva Sociedad

15 Agosto 2023

O assassinato do candidato presidencial Fernando Villavicencio foi o último episódio de uma rápida e profunda degradação da vida pública no país sul-americano, com um aumento impressionante do poder do crime organizado. Ex-sindicalista, jornalista e político, Villavicencio construiu sua identidade como figura anticorrupção, ao mesmo tempo que se colocou em uma posição radicalmente oposta ao governo de Rafael Correa. Como lembra um perfil do jornal El País, entre suas propostas eleitorais estavam a construção de "uma prisão de altíssima segurança" para prender os criminosos mais perigosos, a militarização dos portos para controlar o narcotráfico e a criação de uma Unidade Antimáfia que, "com apoio estrangeiro", perseguiria "narcotraficantes, sequestradores e todo tipo de estrutura criminosa". Durante o governo de Correa, exilou-se no Peru e depois voltou na presidência de Lenín Moreno, quando retomou a atividade política de sua juventude, mas em outro cenário político.

Seu assassinato, supostamente nas mãos do crime organizado, chocou o país e alterou a campanha eleitoral que antecedeu as eleições de 20 de agosto, convocadas após a "morte cruzada" decretada por Guillermo Lasso para evitar um julgamento político no Parlamento.


Franklin Ramírez (Foto: Reprodução de CALAS)


Pablo Ospina (Foto: Reprodução de Universidad Andina Simón Bolívar)

Em diálogo à parte com a Nueva Sociedad, Pablo Ospina e Franklin Ramírez analisam as causas do declínio que o país vive.

Pablo Ospina é historiador e trabalha como professor na Universidad Andina Simón Bolívar e como pesquisador no Instituto de Estudos Equatorianos.

Franklin Ramírez é sociólogo e professor-pesquisador do Departamento de Estudos Políticos da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais – FLACSO.

Ambos escreveram vários artigos para a Nueva Sociedad.

A entrevista foi concedida a Pablo Stefanoni, publicada em Nueva Sociedad, agosto de 2023.

Eis a entrevista.

O Equador era conhecido por ser um país bastante pacífico no contexto latino-americano. Como interpretar um assassinato que lembra a Colômbia na década de 1980?

Pablo Ospina – É difícil entender uma mudança tão rápida e uma degradação tão radical da situação de segurança. Percebeu-se um aumento das atividades do crime organizado desde a dolarização, o que facilitou sobremaneira a lavagem do dinheiro das drogas e, portanto, a progressiva instalação ou desenvolvimento de diferentes grupos criminosos ligados ao crime transnacional. Mas dois eventos recentes parecem desencadear a rápida deterioração da situação.

Primeiro, o Acordo de Paz na Colômbia em 2016, que retirou de cena um grupo que oferecia ordem e certa racionalidade estatal na fronteira. Acima de tudo, era um grupo que geralmente evitava atacar alvos equatorianos, porque queria evitar uma colaboração mais estreita entre os militares equatorianos e colombianos em operações anti-insurgência. O território equatoriano também foi um lugar de descanso, como ficou comprovado pelo atentado em Angostura em 2008, no qual Raúl Reyes, então líder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – FARC, foi assassinado.

Uma vez desmobilizadas as FARC, a fronteira passa a ser dominada por uma dezena de grupos menores dissidentes e irregulares que disputam território e canais de tráfico, e que não têm a mesma política em relação ao Equador; eles podem assassinar jornalistas equatorianos (a partir de março de 2018) ou penetrar nas defesas bastante fracas e frouxas do país.

O segundo fato é a pandemia, que parece ter freado o tráfico e criado certa crise na distribuição de drogas, aliada às disputas entre os cartéis mexicano e colombiano, mas que também aumentou as possibilidades de recrutamento de grupos criminosos no Equador devido à desespero de uma parte notável da população: não só a criminalidade, mas também a emigração atingiu níveis semelhantes aos da crise de 1999.

Franklin Ramírez – Existem vários elementos, mas sem dúvida um central é a assinatura dos Acordos de Paz na Colômbia, que reorganizou o posicionamento de narcotraficantes, paramilitares e dissidentes das FARC, e que no caso equatoriano afetou a fronteira norte, com dois dos departamentos colombianos com a maior produção histórica de cocaína. Com a fragmentação das FARC, surgiram pequenos bandos e milícias que passaram a se mobilizar e se movimentar mais facilmente pelas fronteiras, em um quadro de virtual abandono tanto da Colômbia quanto do Equador desses territórios. O assassinato de três jornalistas do El Comercio em 2018 por um dos dissidentes das FARC disparou os alarmes.

Há também mineração ilegal, contrabando, tráfico de pessoas, tráfico de armas. E tudo isso, no quadro do enfraquecimento do Estado nos últimos anos, deixa aquela fronteira como uma área particularmente vulnerável e permeável às quadrilhas que entram e saem do país. É por isso que Esmeraldas, uma província com grande população afro-equatoriana e uma das mais esquecidas do Equador, é uma das áreas com maior violência e aumento da criminalidade, ligada em muitos casos aos cartéis mexicanos. Vivemos um ciclo de enfraquecimento do Estado.

Como explicar esta degradação, que combina assassinatos em prisões, crimes políticos – antes do assassinato do prefeito Villavicencio de Manta – e a sensação de descontrole do Estado?

Pablo Ospina – Nas eleições locais de março de 2023, também houve uma dezena de ataques a candidatos e políticos locais, incluindo o assassinato de um candidato na véspera das eleições, que venceu as eleições post mortem (no município costeiro de Puerto López, local conhecido por fazer parte das rotas de tráfico de migrantes ilegais e drogas). Os massacres nas prisões também são inéditos no Equador e estariam ligados à perda do monopólio do tráfico pelo grupo criminoso denominado "Los Choneros" (de Chone, município de Manabí), mencionado por Fernando Villavicencio como o grupo que o ameaçou diretamente, e de uma forma que caracterizou como mais credível e preocupante, no mesmo dia em que faleceu. A divisão de Los Choneros entre diferentes lideranças em disputa faz parte do conflito nas prisões.

Mas, além disso, fica claro que o tráfico de drogas é impensável e inviável sem a colaboração ou cumplicidade das autoridades estatais, alfandegários, juízes, membros da Polícia e das Forças Armadas e administradores portuários. Esses funcionários podem colaborar por medo ou porque fazem parte do negócio e, às vezes, são vítimas de disputas entre esses grupos; ou podem se opor e também sofrer as consequências. É muito provável que um agravante seja a debilidade, a incompetência e a indolência geral dos governos de Lenín Moreno e Guillermo Lasso, completamente sobrecarregados não só pela crise de segurança, mas também pelas tarefas governamentais mais elementares.

Franklin Ramírez – Houve uma reforma institucional que começou com Lenín Moreno e seu acordo com o FMI [Fundo Monetário Internacional] e continuou com Lasso, que enfraqueceu uma intervenção estatal que historicamente funcionou (até 2013-2014, o Equador tinha números recordes de baixos índices de homicídios). Essas reformas careciam de uma visão estratégica sobre como afetavam diferentes setores e políticas públicas e reduziam as capacidades do Estado. Não só na fronteira norte, mas em Guayaquil, Quito, Manta...

Além disso, são alguns anos em que o aumento da produção de cocaína na Colômbia, somado ao fato de que o Equador é um país dolarizado com um sistema financeiro desregulado, significa que o Equador não é apenas um país de trânsito, mas também um país de coleta e processamento. As drogas equatorianas saem dos portos de Guayaquil e Manta e isso tem multiplicado exponencialmente as disputas entre quadrilhas que buscam controlar esses circuitos de exportação, mas também o microtráfico. E é aí que as prisões desempenham um papel muito importante, de onde os negócios são direcionados, que são lugares onde o Estado perdeu completamente o monopólio da violência. A Polícia e as Forças Armadas ganharam autonomia, enquanto estão penetradas pelo crime organizado, com muito pouco controle civil sobre elas.

O controle das prisões pelas gangues não pode ser entendido sem a cumplicidade da Polícia. Estamos no 17º estado de exceção, mas isso não está vinculado a nenhuma estratégia institucional ou presença estatal. Nem a uma estratégia social: muitos alunos abandonaram a escola na pandemia e não voltaram, e são bucha de canhão para gangues. Vemos uma crescente penetração da economia criminosa na economia formal, assim como no Estado.

Villavicencio aparecia próximo do presidente Guillermo Lasso e tinha um perfil associado ao combate à corrupção e ao anticorreísmo. O que pode explicar por que ele foi alvo do crime organizado quando suas chances de vitória eram muito baixas?

Franklin Ramírez – Villavicencio veio do sindicalismo petrolífero e ganhou muita notoriedade como adversário do correísmo. Foi uma personagem que denunciava constantemente, depois de se tornar jornalista, e sempre teve informação privilegiada, no quadro de uma certa opacidade. Ainda nesta campanha, o corpo eleitoral o indicou como o candidato com maiores recursos, o que ele negou. No seu partido estão vários ex-militares e ex-policiais, alguns dos quais promovem uma saída para a crise política através de uma junta cívico-militar.

Seu assassinato deve ser visto à luz de outros assassinatos neste ciclo aberto com a “morte cruzada” decretada por Lasso. Há o caso de Agustín Intriago em Manta, um alto funcionário do município de Durán um dos maiores de Guayas –, mas já nas eleições de fevereiro passado foram relatados mais de 30 ataques de diferentes tipos contra figuras políticas.

Já é um desdobramento sistemático contra atores políticos. Isso deve ser interpretado como condicionante do processo democrático e, mais especificamente, das eleições de 20 de agosto. Houve até especulações de que as eleições seriam adiadas. Existe uma situação de pânico que está a condicionar todo o processo. Os atores armados querem marcar presença. E a partir de agora os candidatos terão um revólver na nuca.

Esses setores do crime organizado buscam se tornar atores com os quais o Estado deve negociar e sem os quais a dinâmica do país não pode prosperar. Não diria que o Villavicencio teve tão poucas chances, no correísmo a situação é muito aberta.

Pablo Ospina – Villavicencio vinha crescendo nas pesquisas e aparecia como uma potencial surpresa eleitoral. Isso pode ser devido, a meu ver, a dois fatores. Primeiro, à estratégia correísta de focar toda a campanha nas conquistas e sucessos do governo de Rafael Correa, na onipresença do ex-presidente em todos os materiais de campanha, de forma que superou em muito o que aconteceu em 2021 e reforça a sensação de que, em caso de vitória, será o próprio Correa quem governará e não Luisa González, a candidata da Revolução Cidadã. O anticorreísmo cresceu, ativou ou acordou à sombra dessa propaganda política e dessa estratégia. Villavicencio foi um dos principais beneficiários desse ressurgimento.

Em segundo lugar, o candidato assassinado teve um discurso fortemente ligado ao desmantelamento das máfias, corrupção e crime organizado que toma conta do Estado. Falava de uma “mão forte” e sustentava-a na sua personalidade robusta e enérgica, e procurava irradiar a imagem de um incorruptível limpador dos “estábulos augianos”. Além disso, suas queixas frequentemente incluíam nomes e sobrenomes específicos. Desta forma, embora Jan Topić tenha sido o candidato que se autopromoveu como o "Bukele equatoriano", é possível que uma fração crescente do eleitorado tenha identificado o estilo de Villavicencio com as propostas do presidente salvadorenho, sendo, aliás, um candidato muito mais conhecido candidato do que Topić. Portanto, suas chances estavam longe de ser nulas. É possível especular que suas reais chances de passar ao segundo turno preocupavam alguns desses grupos criminosos.

O correísmo é forte no primeira turno, com cerca de 30%, mas fraco no segundo. Como pensa que o novo contexto afetará a candidatura presidencial de Luísa González?

Franklin Ramírez – Villavicencio concorria pelo Movimento Construye, fundado por María Paula Romo, ex-ministra de Lenín Moreno e ex-deputada da Revolución Ciudadana pela Ruptura 25, força que expressava o progressismo da classe média de Quito. O Movimento Construye também postula Patricio Carrillo, que foi chefe de polícia na era Moreno e depois de Lasso, e esteve à frente da repressão de 2019 e 2022 como seu primeiro deputado. É provável que parte de seus votos, muito anticorreístas, passe para Topić, do Partido Social Cristão, que assumiu um papel tipo Bukele, de RoboCop contra a insegurança, mas os votos também podem ir para Otto Sonnenholzner, um jovem candidato da velha oligarquia de Guayaquil, que rapidamente saiu com um discurso duro anticorreísta. Mas o voto nulo pode crescer, o que se crescer muito pode favorecer o correísmo no primeiro turno. [Outro candidato bem colocado é Yaku Pérez, com o apoio de setores indígenas.]

Pablo Ospina – Com um evento tão desprovido de qualquer precedente, é difícil prever o que pode acontecer. No entanto, é difícil supor que isso possa favorecer a candidata do correísmo, Luisa González. A simpatia pela vítima e a emoção que acompanha tal acontecimento estão indissociavelmente ligadas ao fato de Villavicencio ter sido o inimigo mais frontal e declarado do correísmo em toda a corrida eleitoral. Já circulavam rumores e acusações veladas ou diretas de cumplicidade ou tolerância de correísmo com diferentes estruturas do crime organizado, que certamente se tornarão muito mais difundidos. Então, é claro que vai dar negativo para essa candidatura; o que é difícil saber é a medida exata em que será.

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