21 Junho 2023
O presidente do Brasil pretende convidar o pontífice ao Brasil para conquistar o apoio da Igreja Católica em seu país.
A reportagem é de Juan Arias, publicada por El País, 20-06-2023.
O presidente brasileiro, Lula da Silva, conseguiu um encontro oficial no Vaticano com o Papa Francisco para esta quarta-feira, apesar de o pontífice argentino ainda estar se recuperando de sua recente intervenção cirúrgica. Segundo a agenda oficial, Lula vai ao Vaticano convidar o Papa para uma visita ao Brasil e falar sobre as questões de proteção ambiental e as políticas sociais que está tentando implementar.
Há, no entanto, nos prós e contras desta visita algo mais do que tudo isso. Lula encontra, por exemplo, em seu terceiro mandato, forte resistência do poderoso mundo das igrejas evangélicas que têm uma força especial em um Congresso em que seu governo é minoritário, ainda dominado pela extrema-direita Bolsonaro.
Durante a campanha, Lula fez esforços sobre-humanos para conquistar uma parte desses 30% de evangélicos, que logo chegarão aos católicos para quem a esquerda ainda é o diabo e o partido de Lula, o PT, tentaria tirar os privilégios de que gozam na na esfera econômica, como a isenção de impostos. Lula seria inimigo da família e defensor do aborto, segundo eles.
Nos dois mandatos anteriores, Lula foi apoiado especialmente pelos católicos, sobretudo pela ala progressista da Teologia da Libertação e pelas comunidades cristãs de base que atuavam fortemente nas favelas e entre os mais pobres. Foram os votos católicos que de fato o levaram ao poder, assim como os evangélicos elegeram Bolsonaro.
No segundo mandato, foi Lula quem afirmou que jamais teria chegado à Presidência sem os votos dos católicos. Ele confidenciou isso em uma longa entrevista com Juan Luis Cebrián e a quem eu estava presente como correspondente deste jornal no Brasil na época. Entre piada e piada, Lula, que no privado é um grande sedutor, mostrou seu então chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, que acompanhava a entrevista à distância: "Escolhi o Gilberto como chefe de gabinete porque ele já era seminarista, queria ser pai e se arrependeu e por isso entende muito de Igreja e tem uma relação muito forte e positiva com as comunidades católicas de base, que me deram o voto”.
Atrás da mesa do gabinete presidencial havia então, e voltou agora, um grande crucifixo de madeira que chamou a atenção de Cebrián e que continua presidindo os trabalhos do atual mandato de Lula.
O presidente brasileiro sabe que não poderá contar com os evangélicos neste terceiro mandato. E, ao mesmo tempo, a Igreja Católica da velha Teologia da Libertação, considerada de esquerda, que lutou contra a ditadura militar e que foi fermento do Partido dos Trabalhadores, não é mais a mesma. Ela também sente a influência da direita que se respira no mundo e os bispos e cardeais estão muito longe de serem os progressistas do passado.
Lula, com seu faro político, sabe que hoje, mais do que ontem, precisa do apoio aberto dos católicos. Ele quer conquistar a hierarquia católica e os bispos de hoje. O que melhor para isso do que o apoio do Papa Francisco? Por isso, apesar de o Papa já estar no Brasil há 10 anos e ainda não ter ido à Argentina, ele quer que ele volte agora, neste momento crucial para o novo governo. E ele vai convidá-lo oficialmente. Ressuscita o astuto Lula de faro político e não quer perder também os católicos.
Mas há ainda mais nessa viagem ao Vaticano. Lula sabe que o Papa Francisco também está determinado a resolver o problema da guerra na Ucrânia, mas sem enfrentar simultaneamente a Rússia de Putin, que é ortodoxa e sempre teve problemas no diálogo com Roma.
Lula vai oferecer ajuda ao Papa para tentar acabar com essa guerra. Desde o início ele quis ser o protagonista daquela batalha diplomática que poderia lhe garantir o Prêmio Nobel da Paz. Lula, embora não mantenha as melhores relações com o líder ucraniano. Lula sabe que o Papa Francisco também está trabalhando duro nos bastidores para convencer a Igreja Ortodoxa Russa a aceitar um acordo de paz.
Se Lula conseguisse convencer o Papa Francisco a voltar ao Brasil, desta vez sob sua presidência, não há dúvida de que seria um grande trunfo político que obrigaria os bispos a dar maior apoio ao seu governo.
O fato, porém, de o Papa querer receber Lula em seu complicado estado de saúde já é um trunfo significativo para o presidente brasileiro. Embora não devamos esquecer ao mesmo tempo que o Vaticano é um mestre da diplomacia e que o Papa Francisco é ao mesmo tempo mais político do que parece, então o resultado final da visita de Lula ao papa pode ser mais publicidade do que real.
Mas isso também é política. E Lula tentará novamente disputar as eleições de 2026 e pretende desafiar a extrema-direita de Bolsonaro, que já começa a se reorganizar, buscando um substituto para Bolsonaro. Ou Lula já pode pensar em lançar sua esposa Janja, que gosta de política como ele, algo que já começa a ser vislumbrado no meio político. De qualquer forma, uma foto neste momento de Lula e sua esposa, Janja, no Vaticano com o popular e carismático Papa Francisco não deixará de ser um presente político para o presidente brasileiro, com apenas seis meses de governo.
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O que está por trás da visita de Lula ao Papa Francisco? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU