27 Março 2023
- A primeira tarefa da pastoral seria a "anamnese mistagógica" para desenterrar humildemente a experiência de Deus que está profundamente enterrada na biografia de cada pessoa, em sua história de esperança e dor.
- A Igreja "docente" do clero e dos teólogos deve tornar-se uma Igreja que "escuta" e aprende com a sabedoria do povo. Aí está a revolução que Francisco pretende iniciar com o processo sinodal.
- Depois de décadas de um papado "doutrinário" que refreou o espírito do Concílio por várias razões, Francisco não esqueceu o que João XXIII, Paulo VI e o Concílio destacaram: que a Igreja hoje não escolheu o caminho das doutrinas dogmáticas e condenações em relação com o homem e com o seu mundo, mas o do "diálogo com ele".
O artigo é de Mariano Delgado, professor de História da Igreja na Faculdade de Teologia de Friburgo (Suíça) e Decano da Classe VII (Religiões) da Academia Europeia de Ciências e Artes (Salzburgo), publicado por Religión Digital, 27-03-2023.
Eis o artigo.
Toda boa teologia está a serviço da evangelização. O que é necessário hoje não é falar de exclusivismo salvífico (por exemplo, segundo Mc 16,16: "Quem crer e for batizado será salvo; quem não crer será condenado"), mas um retorno ao universalismo de revelação (por exemplo, segundo a Sabedoria 8,1: a sabedoria divina "se espalha vigorosamente de um extremo ao outro e governa tudo corretamente") e para enfatizar o convite especial do próprio Jesus (Mt 11,28-30): "Vinde a mim, todos vós que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para as vossas almas. Para o meu jugo é fácil e meu fardo é leve"; e no último livro da Bíblia nos diz (Ap 21,6): "Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim.

Foto: Religión Digital
São João da Cruz, o "mudejarillo" de Fontiveros, que se orientou sobre essas palavras, estava certo de que esta fonte, a graça divina, "flui e corre, mesmo que seja noite"; que suas correntes são tão poderosas "que infernos, céus e pessoas irrigam, mesmo que seja noite"; que todas as criaturas estão fartas ele, "embora no escuro porque é noite"; que Deus é, em última análise, "como a fonte, da qual cada um tira o copo à medida que o carrega".

Foto: Religión Digital
Se for assim, cada pessoa tem algo a dizer sobre Deus. Portanto, a primeira tarefa da pastoral seria a "anamnese mistagógica" para desenterrar humildemente a experiência de Deus que está profundamente enterrada na biografia de cada pessoa, em sua história de esperança e dor.
Isso requer uma sábia cultura do diálogo, como disse em poucas palavras o poeta e agnóstico Antonio Machado: "Para dialogar, primeiro pergunte, depois... ouça". A Igreja "docente" do clero e dos teólogos deve tornar-se uma Igreja que "escuta" e aprende com a sabedoria do povo. É aí que reside a revolução que o Papa Francisco está tentando iniciar com o processo sinodal.

Foto: Religión Digital
Depois de décadas de um papado "doutrinário" que freou o espírito do Concílio por vários motivos, Francisco não esqueceu o que João XXIII, Paulo VI e o Concílio destacaram: que a Igreja hoje não escolheu o caminho das doutrinas dogmáticas e condenações em relação ao homem e ao seu mundo, mas o de "dialogar com ele" para "escutar e compreender a todos" e para "servir o homem". Pois a Igreja se definia com o Concílio como "serva da humanidade", segundo dizia Paulo VI em seu discurso de encerramento.
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Todos têm algo a dizer sobre Deus. A Igreja se definiu com o Concílio como ‘serva da humanidade’. Artigo de Mariano Delgado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU