A arte da espera

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24 Novembro 2022

Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 1º Domingo do Advento, 27 de novembro de 2022 (Mateus 24,37-44). A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o artigo.

Começa um novo ano litúrgico no qual, domingo após domingo, escutaremos o Evangelho segundo Mateus. Mas o início e o fim de um ano litúrgico só podem colocar diante de nós aquilo que está sempre no nosso futuro: a vinda do Filho do homem, o nosso encontro com ele.

O nosso Deus é o Senhor “que é e que vem” (Ap 4,8), porque já veio na carne frágil e mortal de Jesus, o filho de Maria morto e ressuscitado, vem a cada hora na vida do discípulo para atraí-lo para si, virá na hora do êxodo de cada um de nós deste mundo, no fim dos tempos, para nos introduzir a todos e definitivamente no seu Reino de paz e de vida plena. Jesus é “Aquele que vem” (ho erchómenos: Ap 1,4.8; 4,8), e seu dia, “o dia do Senhor” (jom ‘Adonaj, kyriakè heméra), será a parousía, a manifestação última e definitiva.

No trecho evangélico de hoje, escutamos as palavras de Jesus ditas não às multidões, mas à parte, somente aos discípulos (cf. Mt 24,3), ao “pequeno rebanho” (Lc 12,32), nas horas que precedem o seu fim, por meio da prisão, da condenação e da morte. No Monte das Oliveiras, a leste de Jerusalém, onde se contempla a cidade santa e o templo em seu esplendor, Jesus adverte: “Quanto a esse dia e a essa hora, ninguém sabe nada, é um termo marcado na história que só Deus sabe” (cf. Mt 24,36).

Devido a essa ignorância por parte dos humanos, quando houver a parousía, a vinda do Filho do homem, reinarão a indiferença, a distração, o não saber. Jesus diz essas palavras com tristeza, mas sabe que, para a humanidade, é sempre como nos tempos de Noé, quando veio a grande inundação, que pegou a humanidade despreparada.

No livro do Gênesis (cf. Gn 6,5-9,17), o dilúvio universal é apresentado como castigo de Deus sobre uma humanidade por Ele criada, mas que se tornou malvada, violenta. Decodificando esse texto, podemos compreender que, então como hoje, às vezes parecem prevalecer sobretudo a violência, a imoralidade, a perda da dignidade humana e da fraternidade. Nesse caso, emerge com evidência que as escolhas dos homens e das mulheres são mortíferas, que o comportamento humano desfigura a terra de uma forma devastadora, bem representada pelas águas do dilúvio ou pelo avanço do deserto. E, diante de eventos que nos levam a tomar consciência da nossa responsabilidade, manifesta-se como os humanos estiveram distraídos até o último instante, incapazes de entender o que estavam preparando com seu comportamento.

Jesus não diz que a geração na qual ocorrerá “o dia do Senhor” será imoral ou particularmente perversa, mas apenas denuncia sua indiferença. São homens e mulheres que vivem: nascem, crescem, apaixonam-se, casam-se, comem e bebem... Sim, vivem, e Jesus não pronuncia condenações sobre essa vida deles, propondo-lhes um programa ascético. Ele denuncia apenas o “não conhecimento” (ouk égnosan), o fato de não estarem prontos, de serem indiferentes àquilo que, pelo contrário, deve ser buscado antes de tudo e é essencial para uma vida verdadeiramente humana, que responda à vontade e à vocação do Criador.

Portanto, nada de castigo de Deus, mas simplesmente a manifestação da situação em que a humanidade se encontra diante da presença e da vinda do Filho do homem. Infelizmente, nós oscilamos entre a febre apocalíptica com previsões catastróficas e a indiferença perante esse acontecimento que, tardando tanto, achamos que não nos deve nos atormentar.

Mas esse evento não pode ser adiado por nós para o fim da história, quase pensando que não nos diz respeito, porque, na realidade, no êxodo de cada um de nós, na passagem deste mundo para o além da morte, seremos postos diante da presença do Filho do homem que vem na glória.

Acontecerá, portanto, que tudo se consumará quando aprendermos com os eventos que a morte chega para alguns antes de outros, de modo que quem estiver conosco no trabalho poderá ser levado, e nós poderemos ser deixados em vida, ou vice-versa. Não há a mesma hora para todos, não há a mesma ocasião para todos, mas para todos há um fim!

Isso também deveria ser um ensinamento, quase uma profecia do juízo de Deus, quando ocorrer uma separação entre aquelas pessoas que entrarão no Reino, porque se exercitaram na comunhão com os outros, e aquelas que não poderão entrar, porque não quiseram conhecer a comunhão com os outros, mas se alimentaram de philautía, de amor egoísta de si. Assim como nas sete cartas às Igrejas do Apocalipse (cf. Ap 2-3), o Senhor vem, e a sua vinda é juízo a todo instante!

É preciso, portanto, estar consciente do plano de salvação de Deus, é preciso vigiar e estar pronto. Como um dono de casa que sabe que o ladrão virá à noite: o que fará? Vigiará, fará vigília e estará à espera, para não deixar que sua casa seja arrombada. Eis a postura do discípulo: sabe que o Filho do homem vem, mesmo que não saiba a hora de sua vinda, e fortalecido por essa consciência vive na vigilância, na expectativa. Não se deixa levar, não se distrai, mas, apesar de viver humanamente bem, continua vigiando para abrir a porta prontamente ao Senhor quando Ele chegar; Ele virá nos surpreendendo, mas, justamente por ser esperado, também será acolhido prontamente e com grande alegria.

Em todo o caso, diante desse evangelho – devemos confessar – a comunidade cristã experimenta sentimentos de embaraço: hesita em se convencer de que o Senhor vem na glória, não pensa que realmente haja um fim dos tempos e não traz mais em seu coração o desejo ardente de ver o Senhor. Como dizia Ignazio Silone, “os cristãos dizem que esperam o Senhor, e o esperam como se espera o bonde!”.

Mas bastaria estar mais atento à leitura da vida que passa, a própria e a dos outros que nos rodeiam, para perceber como todos os dias, se não estivermos distraídos, somos inexoravelmente reconduzidos ao evento que nos espera: o encontro com o Senhor. Somos reconduzidos a compreender que nós, embora errantes e mendicantes na terra por um punhado de anos – “setenta, oitenta, se tivermos forças” (Sl 90,10) –, naquele dia precisaremos apenas da misericórdia do Senhor.

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