Ampliações da Palavra / 2. Artigo de Marcello Neri

(Foto: Vahe Ohanian | Unsplash)

Mais Lidos

  • A rocha que sangra: Francisco, a recusa à OTAN e a geopolítica da fragilidade (2013–2025). Artigo de Thiago Gama

    LER MAIS
  • Niceia 1.700 anos: um desafio. Artigo de Eduardo Hoornaert

    LER MAIS
  • Congresso arma pior retrocesso ambiental da história logo após COP30

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

03 Novembro 2022

As ampliações da Palavra, portanto, não são apenas geográficas, mas também existenciais, poderíamos dizer. Olham para as margens da própria comunidade religiosa e as alcançam sem medo, habitando-as com aquela mesma alegria que ela gera nos corações.

A reflexão é do teólogo e padre italiano Marcello Neri, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, publicado por Settimana News, 02-11-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

O primeiro artigo da série pode ser lido aqui.

Eis o texto.

O batismo do eunuco etíope (At 8,26-40) é um relato de limiar: entre Israel e os gentios, entre a Samaria e a Judeia, entre aquilo que nasce da comunidade originária de Jerusalém e a virada paulina. A Palavra não fica parada, não se deixa ancorar em um lugar ou em um grupo, mas corre veloz, antecipando as estratégias de uma comunidade que nasce no plural.

Os discípulos e as discípulas correm atrás dessa Palavra que os desloca e os precede, assim como Filipe corre atrás do carro do oficial de Candace. Movido primeiro por um anjo e depois pelo Espírito: índice de que as ampliações da Palavra e de seus destinatários são desejadas pelo próprio Deus.

Se esse oficial sem nome – dele sabemos apenas seu papel e condição física – é muito provavelmente um prosélito, não é à toa que se dirige a Jerusalém para o culto. Ele pertence a um povo que não é Israel. De fato, um limiar – um “entre” poroso que a Palavra, na sua corrida, cruzará bem em breve.

Tanto o papel quanto a condição são aspectos importantes na narrativa de Lucas, mais importantes do que o próprio nome. O eunuco, de fato, é um oficial de prestígio em seu povo: administra seus tesouros, é responsável por seu bem-estar e por seu futuro. Faz parte da elite, se poderia dizer. E ele acolhe a Palavra, deixa-se batizar, entra na comunidade dos fiéis: e assim confirma e honra a Palavra e a comunidade em razão de seu papel.

E, como membro de pleno direito da comunidade discipular, ele continua, perto do fim da narrativa, sua viagem que o leva de volta para casa. E leva consigo a Palavra, que se confia a um destino anônimo sobre o qual nós, leitores dos Atos, não sabemos mais nada.

Com ele, a Palavra se afasta, se subtrai, demolindo toda ilusão de poder controlá-la, de ser de alguma forma seus donos que podem dispor dela. Mas sabemos que ele a conserva com aquilo que Deus deseja para ela: a alegria.

Pela segunda vez, depois da cidade de Samaria, a alegria é o índice ou, melhor, a atmosfera que cerca a Palavra acolhida, o ingresso na comunidade das discípulas e dos discípulos do Senhor. Uma Palavra que se deixa levar a terras distantes sem precisar ser acompanhada por um papel específico na comunidade dos fiéis: basta o batismo para que a Palavra fale de suas ampliações ocorridas. Basta o batismo para levá-la com alegria ao desconhecido dos destinos humanos.

Mas, justamente, se trata de um eunuco: uma condição física que não permitia um pleno pertencimento à assembleia do povo de Israel. De alguma forma, alguém posto à margem da comunidade – marcado no corpo por um estigma indelével.

As ampliações da Palavra, portanto, não são apenas geográficas, mas também existenciais, poderíamos dizer. Olham para as margens da própria comunidade religiosa e as alcançam sem medo, habitando-as com aquela mesma alegria que ela gera nos corações. Como aconteceu com os dois de Emaús – cena que ressoa nessa passagem dos Atos.

Depois da introdução ao sentido das Escrituras por parte de Filipe (cf. At 8,35), exatamente como faz o viajante desconhecido na estrada que desce para Emaús, o eunuco compreende que a Palavra/Jesus gera uma comunidade sem margens e sem marginalizados: “O que impede que eu seja batizado?” (At 8,36). Nada.

O que antes o colocava à margem da comunidade religiosa, impedindo-lhe um pertencimento pleno, não tem mais nenhum valor discriminatório. Ninguém está excluído: essa é a lei da Palavra evangélica de Deus. E, na água que abençoa esse ingresso no discipulado, Filipe também desce – quase como que para selar o sacramento da fraternidade cristã: você nunca estará sozinho, onde quer que você vá, você estará junto com a multidão dos irmãos e das irmãs na fé. E nós nunca lhe abandonaremos, caminharemos com você pelas estradas que nos são desconhecidas de sua cidade e de seu povo.

A subtração de Filipe, por obra do Espírito, não é abandono do eunuco a si mesmo, mas início do seu caminho como portador da Palavra rumo a horizontes desconhecidos, rumo ao inesperado e ao inédito.

Porque é precisamente aí que a Palavra quer ir, é aí que ela faz sua morada para depois se levantar de novo para outros lugares. De ampliação em ampliação: até nós, para além de qualquer condição e estado.

Leia mais