5º domingo do tempo comum – Ano C – Por causa da Palavra, avançar em águas mais profundas

04 Fevereiro 2022


“Deus nos chama para colaborarmos na construção do seu reinado e da sua justiça. Para acontecer o sonho de Deus é preciso haver uma mudança de vida pessoal e comunitária. A conversão passa pela experiência de cada ser humano. Deus é Encontro. Ele toma iniciativa de nos chamar e nos propor o vazio, para dar lugar ao novo. Como Isaias e Paulo, que se esvaziaram de seus interesses pessoais e de suas convicções de crenças políticas-religiosas. E assim, livremente se comprometeram em seguir o Senhor denunciando as realidades sofridas pelo sistema de morte e anunciando a salvação”.

 

A reflexão é de Rabeca Peres da Silva, leiga. Ela é graduada em teologia pela Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana - ESTEF (2004) e possui Mestrado em Teologia na área de concentração Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS (2007). Atualmente é animadora do Movimento Laudato Si’ e membro da Pastoral da Ecologia Integral.

 

 

 

Leituras do Dia

 

1ª Leitura - Is 6,1-2a.3-8
Salmo - Sl 137,1-2a.2bc.4-5.7c-8 (R. 1c.2a)
2ª Leitura - Cor 15,1-11
Evangelho - Lc 5,1-11

 

As leituras nos interpelam para ouvir, esvaziar-se de si mesmo e se colocar a caminho diante do chamado do Senhor.

 

Na primeira leitura (Is 6,1-2a.3-8) o profeta Isaias está no santuário e tem uma visão. Ele vê o Senhor, rei dos Exércitos. Para o profeta o encontro é inesperado, de um lado o santo rei e do outro, ele, o homem de lábios impuros que vive no meio de um povo de lábios impuros, sente-se perdido. Seus lábios são tocados por uma brasa que remove a sua iniquidade e perdoa os seus pecados. Em seguida ele ouve a voz do Senhor : “Quem irei enviar? Quem irá por nós?” a resposta de Isaias vem logo: ”Eis-me aqui, envia-me a mim.”

 

A expressão “lábios” significa honestidade e coerência entre a palavra e a ação. Os lábios impuros que o profeta fala, retratam as injustiças, as mentiras, e a corrupção praticadas pelas autoridades civis e religiosas da época. A experiência que teve com Deus o fortaleceu a prosseguir no caminho da verdade e da justiça.

 

Na segunda leitura (Cor 15,1-11) Paulo recorda à comunidade dos coríntios o evangelho anunciado por ele, relata a morte, sepultamento e ressurreição de Jesus segundo as escrituras. Ele segue contando dos testemunhos históricos que viram O ressuscitado. Eis os elencados: Cefas, os Doze, a mais de quinhentos irmãos, a Tiago, a todos os apóstolos, e em último lugar apareceu pra ele. Paulo não se sente merecedor de ser chamado de apostolo, pois perseguiu a igreja. Mas a graça o fez se apaixonar por Jesus e anunciar o evangelho do Ressuscitado a todas as nações.

 

Uma observação: Por que Paulo não menciona a apóstola Maria Madalena, anunciada nos evangelhos, como a primeira a ver Jesus Ressuscitado? Por que este silêncio às mulheres? 

 

No evangelho (Lc 5,1-11) Jesus está à beira do lago de Genesaré. A multidão se apertava ao redor dele para ouvi-lo. Jesus subiu na barca de Simão e pediu para ficar afastado um pouco da terra e ensinava as multidões. Quando acabou de ensinar disse a Simão: “avance para aguas mais profundas, joguem suas redes para a pesca”. Simão disse que haviam trabalhado a noite inteira e nada conseguiram pegar, e acrescentou: “mas por causa da tua Palavra jogarei as redes”. Tendo feito apanharam muitos peixes e ainda encheram duas barcas. Simão atirou-se aos pés de Jesus e disse : “afasta-te de mim, Senhor, pois sou um pecador”. Jesus disse a Simão: “não tenha medo. A partir de hoje você vai ser pescador de pessoas”. Logo, reconduziram as barcas à terra, deixaram tudo e o seguiram.

 


Algumas reflexões sobre as leituras

 

“Deus nos chama para colaborarmos na construção do seu reinado e da sua justiça. Para acontecer o sonho de Deus é preciso haver uma mudança de vida pessoal e comunitária. A conversão passa pela experiência de cada ser humano. Deus é Encontro. Ele toma iniciativa de nos chamar e nos propor o vazio, para dar lugar ao novo. Como Isaias e Paulo que se esvaziaram de seus interesses pessoais e de suas convicções de crenças políticas-religiosas. E, assim livremente se comprometeram em seguir o Senhor denunciando as realidades sofridas pelo sistema de morte e anunciando a salvação”.

 

Deus sempre deseja uma relação de proximidade com a humanidade ferida. O encontro contemplativo com o Senhor nunca é estéril, se for com honestidade e sinceridade de nossa parte. Diante da crise socioambiental que se agrava rapidamente, por causa da ação humana, chegou a hora de refletir, debater , ir às fontes da Palavra de Deus, rezar e agir com ações de vida sustentável e integral para o planeta.

 

Jesus também nos ensina a não ficarmos parados no caminho, deslumbrados pelo milagre em si mesmo, mas é preciso dar outros passos para segui-lo, deixar tudo, e escolher viver apenas com o essencial. No mundo neoliberal de morte, fome, doenças e desprezo pelas vidas, urge repensar que modelos econômicos, sociais, políticos e religiosos queremos para nós e as gerações futuras.

 

Jesus nos orienta ao encontro profundo com as pessoas, sermos pescadores de pessoas e, também, se deixar pescar. “É necessário voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena sermos bons e honestos”, LS 229. Nesse sentido é fundamental ouvir, acolher a voz da mãe-terra, das mulheres, dos jovens, dos mais velhos, dos indígenas, quilombolas, LGBTQIAP+, cientistas, ambientalistas, entre outros marginalizados pelo sistema de morte.

 

A proposta de Jesus é de alargar-se nas águas profundas, buscando soluções na própria realidade inserida e dentro de si mesma, sem medo, sem preconceitos, sem arrogâncias, com diálogo sincero, respeitando os saberes de todos, e assim guiados pela força da Ruah ressurgir novos paradigmas.

 

Deus pai e mãe nos inquieta com seus apelos? A quem enviar, para falar em nome de Deus crucificado nas vidas descartadas? Qual pesca precisa ser recomeçada, no meu interior, na igreja e na sociedade?

 

Vamos reaprender a "jogar as redes", vencer a superficialidade e adentrar-se ao fundo da realidade. Avancemos com coragem e humildade, precisamos nos esvaziar, para dar espaço para a graça de Deus nos falar. E com respeito pelas diferenças e muito amor vamos mergulhar nas águas da nossa igreja, desvelando a história que garante direitos iguais às mulheres. Nas águas profundas encontramos exemplos de nossas antepassadas diáconas, apóstolas, profetisas, mártires e outras lideranças essenciais para caminhada da igreja. Elas vão emergir e ajudar a iluminar esses tempos difíceis. Precisamos limpar nossos lábios, deixar as perseguições e nos apaixonar de verdade por Jesus. Enquanto há essa desigualdade no interior de nossa igreja, como podemos sentir que amamos por inteiro o Senhor que nos fez a sua imagem e semelhança? Por que não aceitamos a participação das mulheres como coordenadoras e pastoras de dioceses e paroquias?

 

A igreja precisa de profundas mudanças nas relações interpessoais. Nas águas profundas rever o protagonismo das leigas e leigos da igreja. Estes e estas devem ser tratados como muito carinho. Estão exercendo seus direitos de estudar e pesquisar Teologia?? Sabemos que é um curso que, infelizmente, não está na possibilidade financeira de todos que o desejam. A teologia deveria ser algo comum para todos os cristãos e cristãs, pois é uma ferramenta que fortalece nossa mística e nossa prática no seguimento a Jesus. Somos agraciadas e agraciados por Deus que nos chama, nos quer, nos ama e nos anima a prosseguir, confiantes na palavra de Jesus: “Não tenha medo”.

 

Inspirados e inspiradas pelo pescador Pedro e pelo profeta Isaías responderemos:

 – Por causa de Ti, Deus pai e mãe da Vida e de toda Criação, não desistirei, lançarei novamente as redes e Te direi: Aqui estou! Envia-me!

 – Por causa de Ti, Deus pai e mãe da Vida e de toda Criação, não desistiremos, lançaremos as redes e Te diremos: Aqui estamos! Envia-nos!

 

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