Queimadas batem recorde em agosto na Amazônia

Os focos superam os registrados no mesmo período nos últimos dois anos e os estados do Pará, Amazonas e Mato Grosso lideram o ranking. (Foto: Nilmar Lage | Greenpeace, 30/08/2022)

03 Setembro 2022

 

Superando a quantidade de focos dos últimos dois anos no mesmo período, o mês de agosto chega a 30 dias com 30.073 focos de queimadas na Amazônia. O número segue crescendo e bateu recorde no último dia 22, quando em apenas 24 horas foram registrados 3.358 focos de queimadas, mais que o dobro do “dia do fogo” de 2019. Na quarta-feira (24), o número continuou quebrando o recorde de 2019, com 2.475 focos, segundo o satélite de referência do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). 

 

A reportagem é de Wérica Lima, publicada por Amazônia Real, 01-09-2022.

 

O Pará segue em primeiro lugar no mês de agosto, com 11.364 focos, seguido do Amazonas, com 7.659, e Mato Grosso, com 5.156. Os municípios que se destacam no estado são: Altamira, São Félix do Xingu, Novo Progresso (PA); Apuí, seguido de Lábrea, Novo Aripuanã e Manicoré (AM); Porto Velho (RO); e Colniza (MT).

 

“Estamos a um passo bem pequeno ao ponto de não retorno e de vermos a Amazônia deixar de ser o que sempre foi”, alerta o ambientalista e geógrafo Carlos Durigan, diretor da Organização Wildlife Conservation Society (WCS). “O que estamos testemunhando é a destruição em tempo real da Amazônia e sua biodiversidade, dando passagem à apropriação ilícita do território”.

 

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Desde 2012 o cenário de desmatamento na Amazônia Legal voltou a crescer sem parar e manteve-se entre 5.396,54km² e 7.091,35 km² até 2019, quando saltou para 10.895,26km², alcançando em 2021 um recorde em 13 anos, com 12.415,99 km², segundo a plataforma TerraBrasilis, com dados do Projeto Prodes, pertencente ao Inpe.

 

“Há uma relação direta dos desmatamentos com as queimadas. Normalmente as áreas são abertas, todas as madeiras nobres são retiradas, isso quando não há um corte raso da vegetação. E então espera-se o momento mais seco para a queima das áreas, para as preparar para o plantio, seja de pasto para gado ou para outra atividade”, explica Heitor Pinheiro, analista do Programa Geopolítica da Conservação da Fundação Vitória Amazônica (FVS). Além desse tipo de desmatamento, Pinheiro cita a queima de roçados e os incêndios acidentais, que são mínimos comparados aos realizados por grileiros.

 

As terras públicas não destinadas, aquelas que não foram delimitadas como unidade de conservação, Terra Indígena (TI) ou área quilombola, por exemplo, estão no centro do desmatamento na Amazônia entre agosto de 2020 e julho de 2021, correspondendo a 28%, segundo mapeamento do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).

 

“A Amazônia queima por vários motivos, mas principalmente pelo avanço da fronteira agrícola no sul do estado, no arco do desmatamento. Sabemos que no Mato Grosso e no Pará os índices de desmatamento são altos todos os anos e a última fronteira agrícola é o Amazonas, que vem apresentando dados crescentes de desmatamento e queimadas”, acrescenta Heitor Pinheiro.

 

Ele destaca os licenciamentos feitos pelos prefeitos, a partir das dinâmicas do agronegócio. Isso acontece, por exemplo, em municípios da boca do Acre, Lábrea, Humaitá, entre outros na região. “E falo que há muitos deputados federais de outros estados colocando gado na Amazônia, legitimando o desmatamento com discurso da ‘terra é nossa’. Há casos até de prefeituras dando licenças para supressão vegetal [desmatamento legal], que não é atribuição municipal e sim do Estado”, explica o analista.

 

“A marcha de crescimento do desmatamento e da degradação das florestas na Amazônia é essencialmente criminosa e está ligada diretamente ao avanço da agropecuária sobre terras públicas, sejam elas destinadas a unidades de conservação e terras indígenas e quilombolas sejam elas não destinadas”, ressalta Durigan.

 

 

Em Altamira, cidade que está em primeiro lugar no ranking de queimadas este ano no Pará, a fumaça está por toda parte. Um ambientalista entrevistado pela Amazônia Real, que preferiu não revelar o nome por insegurança, relata que há fogo em todo o caminho percorrido e áreas com focos que já apagaram.

 

“Sentia o cheiro da fumaça, a gente chegava a esquecer o cheiro de tão frequente que estava”, conta “Alguns igarapés estavam secos em áreas desmatadas, o que provavelmente não deveria acontecer nessa região. Um dos igarapés já estava em poças e do lado do fogo”.

 

Ele concorda com o que dizem os especialistas sobre o cenário trágico na Amazônia, com uma escalada de destruição que pode superar tudo o que aconteceu nas últimas décadas.

 

O governo do Amazonas, por meio da Secretaria de Meio Ambiente, informou à reportagem que está reforçando o combate aos focos de queimadas no sul do estado por meio do emprego de 108 servidores públicos das forças ambientais e de segurança pública, além de outros 233 brigadistas florestais. Segundo o governo, eles são remunerados pela primeira vez para apoiar as ações do Corpo de Bombeiros em 12 municípios, entre eles Apuí e Manicoré.

 

A nota da assessoria informa que os municípios receberam suporte em equipamentos, com um investimento de R$1,7 milhão para estruturação de brigadas locais. “A Operação Tamoiotatá integra mais de dez instituições de governo e ocorre de forma permanente, com bases em Apuí e Humaitá, a fim de facilitar o deslocamento para atendimento dos chamados”, diz.

 

As secretarias de Meio Ambiente de Novo Progresso e Porto Velho também foram procuradas, mas não deram retorno até a publicação desta reportagem.

 

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Bolsonaro culpa os ribeirinhos

 

Na última terça-feira (23), um dia depois da Amazônia alcançar um novo recorde de queimadas diárias, o presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou em entrevista ao Jornal Nacional que parte das queimadas na Amazônia não são criminosas e são provocadas por ribeirinhos.

 

Sobrevoo na região da Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia), em uma área com cerca de 8.000 hectares de desmatamento - a maior em 2022 - que está queimando há dias.
(Foto: Nilmar Lage | Greenpeace, 30/08/22)

 

“Quando se fala em Amazônia, o que não se fala também é na França que há mais de 30 dias está pegando fogo, a mesma coisa está pegando fogo na Espanha e Portugal, Califórnia pega fogo todo ano. No Brasil, infelizmente não é diferente, acontece, grande parte disso aí, alguma parte disso aí é criminoso, eu sei disso, outra parte não é criminoso, é o ribeirinho que toca fogo ali na sua propriedade”, disse o presidente.

 

Para Carlos Durigan, é um erro comparar a Amazônia com outros países que possuem incêndios anualmente. “A Europa está vivendo um período de extrema seca em algumas regiões, uma das consequências do aquecimento global em curso, e os incêndios que acontecem por lá, como é o caso da França, são acidentais. Na Amazônia o que estamos vendo é que as queimadas por aqui são na sua maioria criminosas e estão ligadas ao desmatamento ilegal e à expansão de atividades degradantes. Não há comparação entre os casos, apesar de ambos serem motivo de grande preocupação e tristeza”, explica.

 

Segundo o pesquisador, existe consentimento por parte do governo Bolsonaro com o desmatamento da região. “As afirmações demonstram, além de desconhecimento e mal assessoramento, uma visão equivocada e de rapina sobre a Amazônia, a ponto de demonstrar conivência com o que acontece na região em termos de escalada de crimes ambientais e conflitos em função destes”.

 

Fundadora e atual secretária da Central das Associações Agroextrativistas do Rio Manicoré, Marilurdes Silva afirma que as palavras do presidente causam indignação. “É um absurdo um presidente falar uma coisa dessa, falta de respeito com a população e com o meio ambiente. Floresta conservada é vida continuada”.

 

Marilurdes, que luta há mais de 16 anos pela conservação do local onde vive e pela criação de uma RDS, vê de perto o fogo que atinge a região. Há sete dias mais de 1.800 hectares desmatados por grileiros estão queimando dentro da concessão de direito real de uso (CDRU) das 15 comunidades do rio Manicoré.

 

A liberação de gases poluentes

 

Além do dióxido de carbono (CO²), as queimadas liberam outros gases danosos à saúde humana, como o metano e o óxido nitroso, que contribuem para o aquecimento global, conforme explica Durigan.

 

Sobrevoo na região da Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia), em uma área com cerca de 8.000 hectares de desmatamento – a maior em 2022 – que está queimando há dias.
(Foto: Nilmar Lage | Greenpeace, 30/08/22)

 

“A fumaça gerada pelas queimadas também é tóxica se inalada e sua maior concentração é durante os períodos de estiagem como agora, causando diversos danos à saúde das pessoas, o que podemos constatar com os dados sempre divulgados pelas agências de saúde”, diz.

 

Os serviços de saúde sempre registam nesta época do ano um aumento expressivo de atendimentos devido a problemas respiratórios.

 

Há mais de uma semana as cidades do Norte do país encontram-se cobertas por uma densa névoa de fumaça que é trazida pelo vento dos grandes incêndios criminosos que ocorrem na Amazônia. O desmatamento também pode afetar os rios voadores, responsáveis pela dispersão da chuva.

 

“Isso tudo tem acontecido justamente quando o alerta global está acionado. Devemos conter o desmatamento e as queimadas, uma vez que estas afetam tanto a existência do bioma amazônico como a região mais biodiversa do planeta quanto os serviços ecossistêmicos que presta ao ajudar a controlar o clima e produzir chuva”, detalha o especialista.

 

Para Durigan, a solução para frear a emissão de gases resultado do desmatamento é investir nas políticas públicas e na população tradicional. Em contrapartida, só em 2022 foram vetados cerca de 25,8 milhões do Ministério do Meio Ambiente destinados à gestão ambiental e controle de incêndios em terras públicas.

 

“Isso [políticas públicas] envolve fazer frente aos crimes ambientais com presença institucional, comando e controle sobre o território, mas ao mesmo tempo desenvolver ações preventivas, que envolvem além de sensibilização, a construção e o fortalecimento de iniciativas positivas, que enfoquem a necessidade de valorizar as atividades produtivas amazônidas, como a agricultura tradicional, a manutenção e o uso sustentável do território, para que possamos construir um desenvolvimento regional diferenciado, construído localmente e gerando riquezas de forma compartilhada e sustentável com o máximo da floresta”, ressalta.

 

Ao ser procurado, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem sobre as queimadas e monitoramento das fumaças e informou apenas que a Secretaria de Saúde do Estado “reforça que não houve aumento de registro de atendimentos por doenças respiratórias nos últimos dias”.

 

 

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