A pauta das desigualdades na Região Metropolitana de Porto Alegre é central para as eleições 2022

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29 Agosto 2022

 

As desigualdades na Região Metropolitana de Porto Alegre foram analisadas pelos participantes do Ciclo de Debates “Eleições 2022 em perspectiva: as desigualdades sociais na Região Metropolitana de Porto Alegre". Foram quatro encontros com professores, pesquisadores e militantes que têm se dedicado ao estudo e ao trabalho de enfrentamento às expressões de desigualdades e seus determinantes.

 

A nota é de Prof. Dra. Marilene Maia e Arthur R. Lazzarotto, membros do Observatório da Realidade e das Políticas Públicas do Vale do Rio dos Sinos - ObservaSinos.

 

O Ciclo é realizado pelo ObservaSinos (Observatório das Políticas Públicas do Vale do Rio dos Sinos), programa do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, em parceria com o Observatório Unilasalle: Trabalho, Gestão e Políticas Públicas, e apoio da FAPERGS (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul), com a perspectiva de reunir e visibilizar os debates, em vista de subsidiar o importante e necessário processo eleitoral.

Quem participou?

O primeiro debate ocorreu no dia 04 de Julho, com as participações do Prof. Dr. Rudá Guedes Ricci e do Prof. Dr. Marcelo Gomes Ribeiro, que debateram o contexto global das desigualdades e suas expressões regionais.

 

 

No dia 04 de agosto, Cristiano Schumacher, do Movimento Nacional de Luta pela Moradia – MNLM, e Bárbara Rodrigues Marinho, coordenadora da Casa de Referência Mirabal e mestranda em Arquitetura e Urbanismo, expuseram as resistências e compromisso com o direito de morar na região metropolitana.

 

 

Os debates prosseguiram no dia 9 de agosto com participação do Dr. André Ricardo Salata, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), e Prof. Dr. Anderson Kazuo Nakano da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), que debateram o cenário da desigualdade no país, trazendo foco para Porto Alegre e região.

 

 

O último debate do ciclo, que ocorreu no dia 15 de agosto, contou com a presença do Prof. Dr. Carlos Paiva, economista e professor do curso de desenvolvimento regional das Faculdades Integradas de Taquara (FACCAT). Durante sua apresentação e debate, o professor demonstrou a estagnação econômica da Região Metropolitana e como isso influencia as desigualdades e as possíveis soluções.

 

 

O Ciclo de Debates encerrará dia 30 de agosto com apresentação de trabalhos temáticos aprovados. A transmissão via YouTube ocorrerá aqui.

 

Contexto macro e as desigualdades na Região Metropolitana

O primeiro debate do ciclo “As expressões das desigualdades no contexto global e local e os desafios com as eleições 2022” demonstrou como a desigualdade econômica aumentou no Brasil e no mundo, trazendo para o contexto local a inflação, perda de renda, aumento das desigualdades e aumento da fome.

 

Durante sua exposição, Rudá Ricci destacou a alta da inflação no Brasil e no mundo, além da recessão que deve continuar afetando o Brasil no próximo ano. Ou seja, o próximo presidente terá que enfrentar condições econômicas desafiadoras. Ricci também demonstrou que os reajustes salariais vêm sendo feitos abaixo da inflação, segundo dados do DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. A classe trabalhadora, segundo sua explanação, vem perdendo poder, justificado especialmente pelos processos de dessocialização vividos na pandemia, a tendência de desmobilização social e a “uberização” dos diferentes grupos de trabalhadores. O cenário polarizado das eleições e da política brasileira deve dificultar o gerenciamento das crises atuais e futuras, alertou. Rudá também trouxe os dados do VIGISAN II (Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil), os quais calculam 33,1 milhões de brasileiros e brasileiras passando fome e mais outros milhares em insegurança alimentar.

 

Em seguida, Marcelo Gomes Ribeiro usou dados levantados por ele e pelo Observatório das Metrópoles para demonstrar que, apesar da desigualdade ter diminuído nas últimas duas décadas, conforme mede o índice Gini, o Brasil ainda apresenta uma maior desigualdade que seus pares latino-americanos e um grau ainda elevado para os padrões mundiais. O Gini da RMPA também é o maior entre as regiões metropolitanas da região Sul (Curitiba e Florianópolis). Ao término, Marcelo alertou para a queda significativa de renda das famílias, principalmente das 40% mais pobres.

 

Direito à Moradia: O segundo encontro do Ciclo foi intitulado “Desigualdades na Região Metropolitana de Porto Alegre: resistências e enfrentamentos”. Para Bárbara Rodrigues Marinho, as cidades têm se projetado cada vez mais para privilegiar um pequeno grupo de pessoas. Para a mestranda em Arquitetura e Urbanismo pela UFRGS, Porto Alegre tem se construído a partir dos interesses de homens, pessoas brancas de classe média e alta. Isso se reflete nas diversas expressões de grupos excluídos, como mulheres em situação de violência. A região metropolitana conta com uma quantidade insuficiente de casas de acolhimento segundo levantamento feito pela pesquisadora. Bárbara também relatou o número reduzido de serviços como creches, que dificultam a inserção de mães no mercado de trabalho.

 

 

Cristiano Schumacher, líder do Movimento Nacional de Luta pela Moradia - MNLM prosseguiu o debate trazendo atenção para os vazios urbanos, áreas das cidades as quais não contam com infraestrutura básica (como água, saneamento e luz), que possuem desertos alimentares (quando a oferta de alimentos é muito restrita ou inexistente) e que têm dificuldade de acesso a serviços essenciais garantidos pela constituição, como acesso à educação, saúde, trabalho e lazer.

 

No debate, foi colocado que o Censo elaborado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2022 deve trazer dados ainda mais alarmantes sobre a situação econômica e social do país, agravada pela crise da Covid-19 e cenário global. O último censo foi realizado em 2010, quando os indicadores sociais apresentavam constante melhora, enquanto na última década estes se deterioraram de forma contínua, como já indicaram a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) e a POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares), ambas realizadas pelo IBGE.

 

A fome tem rosto, corpo e histórias, não é apenas estatística

 

 

Tanto Bárbara quanto Cristiano possuem experiência de campo trabalhando em movimentos sociais e de assistência. As falas trouxeram um contexto mais humano junto aos dados. Os mais de 33 milhões de brasileiros e brasileiras que passam fome, que possuem dificuldade de acessar educação, saúde e lazer, não são apenas estatísticas.

A fome foi tema de uma nota recente publicada pelo ObservaSinos trazendo dados atualizados de acordo com o VIGISAN I e II.

 

Desigualdade, uma questão histórica

 

O professor Anderson Kazuo, em sua explanação, construiu uma linha do tempo da história brasileira, demonstrando que os problemas estruturais como racismo, desigualdade econômica e o não cumprimento do uso social da terra estão presentes desde o início do Brasil colônia até os dias de hoje, ou seja, são problemas crônicos de nossa sociedade.

 

Projetos e cidades

 

 

Um tema que dominou o debate foi a desigualdade com que as cidades são administradas e projetadas. Os debatedores e as debatedoras demonstraram que, para além da renda, as cidades tratam seus habitantes de forma desigual. Em especial, bairros menos centralizados ou com famílias mais pobres tendem a ter acesso pior aos serviços públicos e infraestrutura urbana.

 

 

Além dos problemas de administração e projeto, todos enfatizaram a falta de continuidade de políticas públicas. Mesmo que, segundo os debatedores, diversas tenham tido sucesso em funcionar, seguidamente são cancelados por mudança de governo. Entre dois citados estão o Minha Casa Minha Vida e o Bolsa Família.

 

“Quando contexto é de desemprego, de recessão, de empobrecimento, de queda na renda das pessoas, principalmente da classe trabalhadora, nós vemos um aprofundamento, um agravamento dessas desigualdades socioespaciais que se combina com segregações socioespaciais” - Anderson Kazuo

Dados e o impacto da pandemia do Covid-19

 

André Salata visibilizou dados da pesquisa sobre as desigualdades da Região Metropolitana de Porto Alegre, que é coordenada por ele e pelo Observatório das Metrópoles. Esses dados têm como base principal a PNADEc (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua), e demonstram que a pandemia contribuiu para a piora de renda das famílias e aumento de desigualdades. Os dados também evidenciam que todas as faixas de renda tiveram queda de rendimentos. No entanto, a queda foi desigual. Os 5% mais pobres, segundo os dados apresentados por Salata, tiveram queda de renda muito maior que os 5% mais ricos.

 

Renda básica e programas de assistência

 

Os debates também concluíram que o Renda Brasil (sucessor do Bolsa Família) e o programa de renda emergencial durante a pandemia demonstraram que é possível politicamente e gerencialmente criar programas de renda. Esses programas permitem diminuir as desigualdades e assistir os que estão em maior necessidade. Até então, apesar do Bolsa Família ter funcionado por mais de 10 anos, não parecia ter força política para novos programas e maiores impactos, o que se reverteu com a criação do auxílio emergencial.

 

 

“Por que nos preocuparmos com a desigualdade?”

 

O questionamento foi postulado por André Salata, o qual elencou 5 motivos para justificar a análise sobre as desigualdades: desperdício de capital humano, prejuízo ao crescimento econômico, instabilidade política, concentração de poder, aumento da pobreza. O Brasil possui recursos volumosos, mas sua distribuição é ruim. A atualização do sistema de imposto de renda foi mais de uma vez citada como outro mecanismo que pode diminuir a desigualdade da sociedade brasileira.

 

 

É preciso abrir a janela e olhar ao redor

 

Durante a conversa com Carlos Paiva, um enfoque diferente foi dado para as desigualdades. Paiva demonstrou, através de dados e análises, como a região metropolitana faz parte de um ecossistema. As cidades da Região e todas as demais dentro do Estado compõem diversas dinâmicas socioeconômicas.

 

Os dados levantados por Paiva também alertaram para uma estagnação da região metropolitana de Porto Alegre, quando comparada às outras capitais da Região Sul, Curitiba e Florianópolis. Porto Alegre demonstrou estagnação de renda e crescimento populacional, ou seja, uma quantidade maior de pessoas tendo que dividir uma mesma quantia de dinheiro.

 

Ao ser indagado do lugar das universidades e da pesquisa para o desenvolvimento da região, Paiva argumentou que estas devem olhar mais para seu entorno. Para Paiva, o setor privado, o poder executivo e as universidades devem guiar suas atividades olhando para o contexto da RMPA e do Estado, e menos para realidades diferentes de outras regiões e países. Um exemplo foi o foco de pesquisa e tecnologias para o setor de laticínios, o qual poderia expandir, diversificar e se modernizar. Outro ponto foi as dinâmicas de cada região; por não ser uma cidade turística, Porto Alegre poderia oferecer serviços, eventos e entretenimento para pessoas em trânsito para regiões de atração turísticas como Gramado, o Vale dos Vinhedos e Pelotas. Os três setores poderiam colaborar para possibilitar essas e outras interações. No entanto, o diálogo não parece acontecer.

 

É uma questão multifatorial

 

Foi possível, ao longo de todas as exposições, entender que as desigualdades que permeiam a região metropolitana, as quais vêm piorando com o aumento expressivo da fome, perda de renda, violência, dificuldade de acesso a moradia e serviços públicos, complexificam as análises e possíveis soluções. Um único indicador ou projeto público não será o suficiente para entender e reduzir as desigualdades respetivamente.

 

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