“Combater a extrema direita não é só uma questão de discurso, é preciso organização”. Entrevista com Nuria Alabao

Fonte: Flickr

17 Agosto 2022

 

É preciso "redobrar os esforços para visibilizar o feminismo de base, mais transformador, que acredita que a luta LGTBIQ e a feminista compartilham bases comuns, que se compromete com os direitos trans e dos e das migrantes. Um feminismo antipunitivista que se nega a aplaudir novos crimes – como os incluídos na nova Lei de Liberdade Sexual– ou a criminalização das trabalhadoras sexuais, um feminismo antiessencialista, menos culpabilizador e triste e que é a favor da redistribuição radical do poder e a riqueza".

 

Nuria Alabao é jornalista, pesquisadora e doutora em Antropologia Social e Cultural. Coordena a seção de feminismos da revista CTXT e faz parte da Fundação dos Comuns, colaborando também com outros meios de comunicação.

 

A entrevista é de Tomás Alfonso, publicada por Al Descubierto, 11-08-2022. A tradução é do Cepat.

 

Eis a entrevista.

 

Sempre utilizamos a primeira pergunta para que a pessoa entrevistada possa se apresentar, pois pode acontecer de algum de nossos leitores não a conhecer. Quem é Nuria Alabao?

 

Sou licenciada em Ciência da Informação e doutora em Antropologia Social e Cultural. Trabalho como jornalista e coordeno a seção de feminismos na CTXT, além de colaborar com outros meios de comunicação.

 

Por outro lado, faço parte da Fundação dos Comuns, que é um espaço de militância, de produção e difusão de conhecimento para os movimentos sociais. Nos últimos anos, tenho me dedicado a estudar as intersecções entre as extremas direitas e as questões de gênero.

 

Nos últimos anos, o movimento feminista cresceu muito em todo o mundo, também na Espanha. Com uma introdução, o que é o feminismo e como se milita nesta causa?

 

Eu te respondo de uma forma muito básica e a partir de minha ótica, pois existem muitos tipos de feminismo: é o movimento que milita contra a subordinação e a exploração por razões de gênero. Aqui, há duas posições, homem e mulher, e embora a posição da mulher seja subordinada na equação, nem sempre coincide com uma mulher biológica, nesse sentido, estou com os feminismos não essencialistas, como pode ser o transfeminismo.

 

Além disso, e para ampliar o foco, o feminismo é um movimento que quer acabar com todo o sexismo (essa mesma ordem de gênero que propõe diferentes construções de comportamentos, papéis, expectativas e possibilidades vitais, dependendo se você é homem ou mulher). Nesse sentido, também deveria ser um projeto que envolva os homens que querem acabar com essa desigualdade.

 

A perspectiva feminista não pode ser pensada como pertencente ao corpo e à experiência das mulheres ou a uma essência feminina, pois estaríamos abandonando muitas coisas. Sendo assim, por exemplo, penso que o feminismo e as lutas LGTBIQ (ou das dissidências sexuais) são inseparáveis.

 

O feminismo que me interessa é aquele que, ao desestabilizar a ordem de gênero, faz parte de um projeto mais amplo de transformação de caráter universalista que se opõe ao capitalismo e ao colonialismo e a todas as formas de exploração, que luta por uma sociedade onde a riqueza é comum e o poder é distribuído ao máximo pelo corpo social.

 

Nuria Alabao, em algumas ocasiões você se referiu ao feminismo como uma ferramenta contra a extrema direita. Por quê? O que devemos aprender com o feminismo nesta luta?

 

É verdade que em muitos lugares do mundo onde as propostas de extrema direita venceram as eleições, como no Brasil e na Polônia, os protestos feministas foram os mais poderosos e conseguiram ser identificados como lugares fundamentais de oposição a esses regimes. Também é normal que se as questões de gênero são centrais para o projeto social e político desses pós-fascistas, o feminismo e as lutas LGTBIQ sejam lugares privilegiados para enfrentá-los.

 

Embora, como eu disse, existem muitos tipos de feminismos. Aquele que acredito que tem maior capacidade de se opor à extrema direita é o que torna sua a luta antirracista, contra as fronteiras e pela liberdade de circulação. As extremas direitas criam a ilusão de que podem criar nações “protegidas” em troca de excluir ou hiperexplorar migrantes e pessoas racializadas. Prometem bem-estar e segurança para as mulheres e as pessoas queer em troca de que lhes sirvamos como desculpa para esse processo de exclusão.

 

Mas, como eu digo, é uma ilusão. Não há defesa da nação que não implique um programa de gênero reacionário que diga quem deve procriar – os nacionais – e quem não deve – os migrantes, os outros –, mas que também implique buscar relegar às mulheres o papel de reprodutoras da nação branca. É claro, os que não podem se reproduzir biologicamente ou atentam contra essa ordem reprodutiva também sobram, como vemos diariamente com as pessoas queer, na Europa do Leste ou Rússia.

 

Portanto, não haverá salvação só para as mulheres ou as pessoas LGTBIQ brancas, ou a luta envolve todos e todas nós, ou, então, cedo ou tarde, sofreremos ataques à nossa autonomia, como prova a questão do aborto nos Estados Unidos. Tampouco haverá preservação das condições de vida para os trabalhadores nacionais, se não tornarem seus os interesses dos migrantes. O cenário é de progressivo declínio das condições de vida e de crise ecológica e temos que lutar contra isso, não devemos permitir que apontem para falsos culpados.

 

Considera que existem movimentos ou correntes no feminismo com ideias reacionárias?

 

O feminismo é plural – sempre foi – e é atravessado por diferentes posições ideológicas, conflitos e interesses de classe, muitas vezes incompatíveis entre si. Nos últimos dois anos, vimos isso na questão das pessoas trans e seus direitos, onde um setor do feminismo gerou o argumento usado por fundamentalistas – fica muito claro quando vemos os textos de Abogados Cristianos, por exemplo – ou lemos o meio de comunicação da Hazte Oír. E, além disso, tem usado seu estilo discursivo e as formas como atacam as pessoas.

 

Portanto, existe um feminismo reacionário que é utilizado para cercear direitos ou para a criminalização de trabalhadoras sexuais, para reforçar fronteiras e o estado penal e carcerário – como acontece com algumas propostas que buscam enfrentar a violência masculina dessa forma – ou que atacam a liberdade de expressão e os direitos civis.

 

Como também disse, há cantos da sereia das extremas direitas acerca da “defesa das mulheres” que servem para justificar a islamofobia e o racismo ou para promover cruzadas neocoloniais, por exemplo, a que está alinhada com as proibições do véu. Sarah Farris chama isso de “feminacionalismo”, e embora essa tendência dentro do feminismo seja mais forte em outros países europeus, também existe aqui e tenho certeza de que essas polêmicas acabarão ressurgindo.

 

A ascensão da extrema direita coincidiu no tempo com o crescimento do movimento feminista. Que razões ou particularidades explicam esta coincidência? É por acaso ou existe uma relação causal?

 

Em geral, existem duas grandes formas de explicar a centralidade do gênero nos projetos de extrema direita. A primeira é a teoria clássica do blacklash, a reação ou a contraofensiva. A primeira a formulá-la foi Susan Faludi, em um livro sobre os anos 1980 estadunidenses, embora acentuasse a banalização do feminismo. A teoria da reação implica que quanto mais presença social ou direitos sejam obtidos - tanto feministas como pessoas LGTBIQ -, mais reação é desencadeada.

 

Para outras autoras, o que está acontecendo supera até mesmo a noção de contraofensiva e é necessário entender esses movimentos reacionários como parte de um projeto de restauração, onde se deseja recompor a supremacia masculina e o patriarcado e suas funções na sustentação de um determinado regime de desigualdade.

 

Evidentemente, aqui, as diferenças regionais são profundas e os ataques mais fortes na Rússia ou na Europa do Leste do que na Europa ocidental. No entanto, podemos considerá-los parte de uma ofensiva global que tem como objetivo sustentar a ordem patriarcal e afirmar a desigualdade social em todas as instâncias.

 

Além disso, digamos, nessa questão estrutural, que esses temas também são funcionais para levar à frente o que chamo de “guerras de gênero”. As temáticas de gênero tocam em elementos que colocam em jogo a identidade das pessoas de uma forma muito profunda e que, portanto, conseguem acionar pânicos morais de forma muito radical. Isso lhes permite gerar bases muito ativas e militantes em apoio aos seus projetos políticos. Não esqueçamos que, no fundo, são utilizados para alcançar poder para seus projetos políticos.

 

Nuria Alabao, diante dos ataques da extrema direita ao movimento feminista, que estratégia deve ser seguida?

 

Penso que tudo o que está acontecendo nos Estados Unidos deve nos levar a sermos atuantes, e não só defendendo as conquistas que já temos, mas também para continuar avançando. É evidente que para a extrema direita isto é uma guerra cultural e que, nesse sentido, tem várias funções como estimular suas bases políticas e sociais, gerir a agenda política etc. Portanto, penso que é importante discutir e definir quais guerras culturais valem a pena travar e quais não.

 

Uma coisa que está acontecendo é que ficamos escandalizadas todas as vezes em que há uma declaração provocativa do Vox, mas estão exatamente buscando essa reação, pois provoca uma multiplicação de seu discurso. Dou um exemplo: em Madri, uma das propostas do Vox foi apagar um mural feminista de Ciudad Lineal, o que gerou uma enorme resposta social. Isto, evidentemente, foi interessante, mas enquanto os murais eram repintados em outros lugares e aconteciam concentrações e protestos por esta questão, Almeida estava retirando recursos das áreas do feminismo do município, fechando centros sociais feministas... e isto nem de longe gerou uma resposta, nem parecida.

 

Penso que temos que nos perguntar por que, algumas vezes, essas questões tão simbólicas geram muita mobilização e outras que poderíamos entender como mais importantes não. Existem algumas teclas que sabem tocar. A questão é se, diante das guerras culturais, somos capazes de definir no que devemos colocar o foco, o esforço político, e também se podemos reorientar-se – buscando o que é o mais importante – e não ficar sempre reagindo ao escândalo midiático.

 

Na sociedade em geral, e na juventude em particular, é possível observar como o ideário feminista foi penetrando, mas também os discursos da extrema direita. Como isto pode ser gerenciado?

 

É paradoxal porque justamente em muitas questões os e as jovens são a vanguarda, como no que diz respeito às dissidências sexuais ou a consciência feminista. Mas há outra parte desses jovens que associam as posições antifeministas a uma posição radical ou antissistêmica.

 

Isso é possível porque o Governo e as instituições assumem o feminismo e determinadas conquistas como um caminho de legitimação política. Hoje, na Espanha, o feminismo é muito paradoxal: uma ferramenta de transformação nos movimentos de base, mas também uma ideologia que serve para nos governar, por isso reagir contra ele pode ser visto como uma posição antissistema.

 

Além disso, os jovens estão em um momento complicado, com poucas perspectivas de futuro, angústia climática etc. Isso pode levar a uma reação identitária, por exemplo, em relação à reafirmação da masculinidade. Penso que uma forma de se aproximar desta questão é apostar em um feminismo que não se baseie na criminalização desses garotos, que fale de responsabilidade e não de culpa, que coloque a ênfase nas questões estruturais e não nas individuais. Um feminismo que inclua esses garotos, que lhes explique os benefícios que uma perspectiva antissexista também oferece a eles, que os inclua ao nosso projeto.

 

Há discursos da extrema direita que estão penetrando na sociedade, entre eles, o que afirma que partidos como o Vox são a favor da igualdade e que por isso são contra o feminismo atual, que discriminaria os homens. Como você combate essa ideia?

 

É verdade que, hoje, até Rocío Monasterio se considera feminista, o que ela chama de “feminismo espanhol”, que realmente também não está muito longe do feminismo liberal, que afirma que já existe uma igualdade formal e que basta tentar corrigir disfunções como o teto de cristal, que com isso tudo já estaria bem, já teríamos nossos 50% do inferno. Essa também é a visão do Vox. Eles dizem que já existe igualdade perante a lei, portanto, qualquer proposta que entenda que a desigualdade é uma questão estrutural e que tente corrigi-la é considerada por eles discriminatória contra os homens.

 

Esses argumentos servem para disfarçar um pouco seu antifeminismo, pois continuam tendo o handicap do voto feminino. O voto do Vox é muito masculinizado, o que é um limite para eles. Além disso, são a primeira força entre os homens divorciados, o que indica um pouco para onde vão suas posições.

 

Contrariar esses discursos, mais uma vez, passa por um feminismo ligado a questões universais que tocam a todos e todas, que seja capaz de vincular a questão da emancipação das mulheres a um projeto de transformação mais amplo. Um que não peça que as mulheres ocupem os espaços de poder, mas que acabe com todo poder, distribua-o, também a riqueza.

 

E que em nosso questionamento da divisão sexual do trabalho aposte em mudar a hierarquia de todos os trabalhos – reprodutivos/produtivos, remunerados/não remunerados – para mudar o eixo em torno do qual gira a organização social. Gênero ou raça são eixos centrais em torno dos quais se estratifica o mercado de trabalho, temos que detonar essas categorias. Penso que este é um projeto político muito mais interessante e que se opõe radicalmente à proposta das extremas direitas.

 

No entanto, não importa apenas o discurso, é ainda mais importante como o feminismo se organiza para penetrar em muitos espaços sociais, não necessariamente institucionais, ou como se compõe com outros movimentos: o de moradia, o dos e das pensionistas, os desempregados, pela renda básica universal etc. … Às vezes, ganhamos mais no face a face do que nos telejornais.

 

Nuria Alabao, nos últimos anos, vimos um aumento do negacionismo da violência de gênero. A tese mantida por aqueles que defendem tal posição é que todas as violências são iguais e, portanto, aplicar diferentes penas é discriminatório. O que fazemos diante disso?

 

Um dos grandes problemas que a emergência da extrema direita trouxe é que os debates ficam muito polarizados e, às vezes, é difícil até mesmo avaliar o que já temos para continuar avançando. Em 2006, quando saiu a lei sobre violência de gênero, foi criticada por um setor do feminismo por ter sido redigida de um ponto de vista punitivo, por deixar de fora elementos importantes como os vícios, por promover uma visão essencialista de homens e mulheres, por não levar em conta, de forma radical, as questões materiais na hora de sair de uma situação de violência.

 

Hoje, com o Vox, parece que a lei é intocável e irreparável. Esses discursos, que complexificam, não podem ocorrer em meio a uma guerra cultural. Nosso espaço para pensar é reduzido.

 

De qualquer forma, em nada acredito que mais punições sejam realmente a solução. As mulheres que sofrem violência machista, além de atendimento psicológico e proteção, precisam de moradia, às vezes, de documentos ou de recursos econômicos. De fato, a proteção que podem acessar depende, em boa medida, dessas questões estruturais, como sempre explica a especialista em violências Laura Macaya.

 

Além disso, nem todas as abordagens precisam ser punitivas, tem que haver recursos para que os homens possam se pensar em outros lugares diferentes do exercício da violência, não só após exercê-la, mas também antes. Então, resta o que podemos fazer para acompanhar essas situações para além do Estado ou do código penal para que essas coisas não aconteçam.

 

Todas essas reflexões mais complexas ficam de fora quando o marco é o da guerra cultural, mas nossa tarefa é continuar trazendo-as para o espaço público, apesar de tudo.

 

Em seu discurso, a extrema direita tenta colocar em disputa os direitos de algumas pessoas e os de outras, como na questão dos migrantes. Como enfrentar esse discurso?

 

A primeira coisa é dizer não em nosso nome. A violência sexual ou as agressões contra pessoas LGTBIQ são questões que de forma alguma se resolvem culpando os migrantes – os muçulmanos – ou fechando as fronteiras.

 

O homonacionalismo ou o feminacionalismo são formas de tentar legitimar seu racismo que, às vezes, penetra em determinados setores conservadores do feminismo ou do movimento LGTBIQ. Isso foi visto no caso de Le Pen, que parece ter obtido uma porcentagem de votos das mulheres e das dissidências sexuais nada desprezível.

 

Novamente, aqui, não é só uma questão de discurso, o feminismo e outros movimentos têm que assumir a luta antirracista pelos direitos das pessoas migrantes, contra as fronteiras ou a Lei de Imigração. Deter as extremas direitas também é uma questão de força, de poder social e de substituir seus imaginários de medo por uma política do face a face, por mais laços sociais.

 

Nuria Alabao, considera que dentro da extrema direita existem diferenças em relação ao movimento feminista?

 

É verdade que existem algumas linhas discursivas básicas comuns, mas existem diferenças regionais importantes, essencialmente devido aos contextos políticos particulares de cada lugar. Aqui, na Europa, as estratégias em relação às questões de gênero são muito diferentes, a depender se ocorrem na Europa Ocidental ou do Leste.

 

Na Europa Ocidental, após as revoltas de 1968 – quando movimentos como o feminista ou das dissidências sexuais ganham muita força –, muda-se o senso comum para sempre, de modo que as extremas direitas precisam se adaptar a essa nova forma de pensar para ter um apoio eleitoral suficiente. Precisam disfarçar suas propostas mais disruptivas. Sim, o Vox é antifeminista, mas não diz que é contra a igualdade da mulher, mas que ela “já foi alcançada”.

 

É o que também se vê com as questões LGTBIQ. O Vox saiu rapidamente para condenar as últimas agressões ocorridas antes do verão e adotou essa posição homonacionalista: a culpa é dos migrantes, nós defendemos as pessoas LGTBIQ. Tudo isso apesar do fato de se oporem ao casamento homossexual e aos direitos trans, é claro. Precisam navegar entre a necessidade de obter votos e a de agradar suas bases mais radicalizadas, como os fundamentalistas cristãos da Hazte Oír, por exemplo.

 

Enquanto na Europa do Leste, onde o fim da URSS deu lugar a um renascimento dos nacionalismos pré-guerra e onde ocorreram alianças com determinadas igrejas – por exemplo, o caso de Putin e dos ortodoxos –, as posições antifeministas e sobretudo antiLGTBIQ são muito mais radicais. Vimos como uma bateria de leis foi aprovada nesse sentido e como alguns partidos instrumentalizam essas posições para conseguir mobilizar seus eleitores.

 

Quais devem ser os próximos passos do feminismo?

 

Bem, na realidade, é uma resposta que não compete a mim, primeiro porque o feminismo é um movimento muito amplo e complexo e, segundo, diz respeito aos movimentos de base, pois é preciso responder de forma coletiva nos espaços organizados.

 

De qualquer forma, é claro que estamos em um ponto de inflexão, como um fechamento de ciclo que deve nos fazer refletir. Por um lado, se estamos em um dos momentos mais altos das mobilizações das últimas décadas, eu diria que as conquistas foram muito limitadas, ao menos as materiais, que vão além da mudança cultural que acredito ter sido o mais interessante que aconteceu. Ao passo que podemos sair dessa onda com a criminalização do trabalho sexual que se dá em nome do feminismo, com a qual a polícia terá mais ferramentas para perseguir migrantes indocumentados ou mulheres pobres em suas casas ou nos locais onde atuam.

 

As prostitutas ficarão ainda mais desprotegidas, caso aumente a clandestinidade, caso o cliente ou o proxenetismo não coercitivo sejam penalizados. Repito, tudo isso em nome do feminismo. Quem dera se fôssemos capazes de responder a essa tentativa de criminalização publicamente e em massa nas ruas, mas a verdade é que isso não está acontecendo.

 

Penso que precisamos desta reflexão e também precisamos pensar sobre a institucionalização do movimento, por que é funcional para alcançar poder para determinadas mulheres e como traz consequências negativas para o restante.

 

Talvez devêssemos redobrar os esforços para visibilizar esse feminismo de base, mais transformador, que acredita que a luta LGTBIQ e a feminista compartilham bases comuns, que se compromete com os direitos trans e dos e das migrantes. Um feminismo antipunitivista que se nega a aplaudir novos crimes – como os incluídos na nova Lei de Liberdade Sexual– ou a criminalização das trabalhadoras sexuais, um feminismo antiessencialista, menos culpabilizador e triste e que é a favor, como eu disse, da redistribuição radical do poder e a riqueza.

 

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