15º domingo do tempo comum – Ano C – Compaixão e solidariedade: o mandamento do amor em ação

08 Julho 2022

 

"A parábola tem como figura central um homem 'quase morto', vítima de assaltantes no caminho de Jerusalém a Jericó. E Jesus propõe uma reflexão sobre as várias reações possíveis diante da situação dos 'caídos' à beira do caminho e com as quais nós podemos confrontar nossas próprias atitudes para saber se somos capazes de viver o mandamento do amor."

"A reação do samaritano é apresentada com a indicação de várias atitudes que caracterizam o amor misericordioso: chegou perto, viu o caídomoveu-se de compaixão, aproximou-se, fez curativos, cuidou dele numa pensão, mobilizou a ajuda do dono da pensão... Enfim, comprometeu-se realizando uma ação de misericórdia e compaixão que brota de uma reação humana espontânea diante do sofrimento alheio, sem considerações religiosas, simplesmente por uma questão de humanidade. Ser humano, ser humana é ser solidário, ser solidária."

 

A reflexão é de Cleusa Maria Andreatta, sdp religiosa da Congregação das Irmãs da Divina Providência. Ela possui graduação em Filosofia e Teologia pela PUCRS, mestrado em Teologia pela  FAJE/BH e doutorado em Teologia pela PUC-RIO. Atualmente é professora adjunta da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos e integrante da Equipe de Coordenação do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, com ênfase no Programa Teologia Pública.

 

 

Leituras do dia

 

Primeira Leitura: Dt 30,10-14
Salmo: 68,14.17.30-31.33-34.36ab.37
Segunda Leitura: Cl 1,15-20
Evangelho: Lc 10,25-37

 

A passagem do Evangelho (Lc 10,25-37) que lemos liturgia da Palavra deste 15º domingo do tempo comum nos convida para refletir sobre a prática do mandamento do amor nas situações concretas de nossa vida.


Bem sabemos como o tema do duplo mandamento do amor, o amor a Deus que se expressa às outras pessoas, está no centro do ensino de Jesus.


Os três evangelhos sinóticos apresentam este tema mediante um diálogo entre Jesus e um mestre da Lei, cada um a seu a seu modo e com as nuances próprias do seu contexto literário e catequético. Em Mt (22,34-40) e Mc (12,28- 34) o episódio é relatado no final da vida de Jesus. Em Lucas, a caminho de Jerusalém Jesus propõe a seus ouvintes o ensino sobre o modo prático de fazer a vontade de Deus a partir da pergunta do mestre da Lei: “Mestre, que devo fazer para receber em herança a vida eterna?”. É importante percebermos que do início ao fim o diálogo de Jesus com o mestre da lei é guiado pelo verbo “fazer.”


Num primeiro momento, Jesus leva o legista a retomar a lei, a qual já ensina qual é a vontade de Deus e constitui-se em caminho que conduz à vida eterna. Nela estão os dois grandes princípios da vida religiosa e moral da tradição judaica: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o coração e de toda a alma e com toda a força e de toda a inteligência e o teu próximo como a ti mesmo” (Lc10,27). Este duplo mandamento é a base da ética do amor de/a Deus. A fé judaico-cristã professa que Deus é Amor, que no amor todas as pessoas são criadas à sua imagem e semelhança, como filhas e filhos, e que Ele pede amor recíproco. Neste contexto é impossível amar a Deus sem amar os demais. O amarcomo a si mesmo é expressão de um amor solidário que se traduz na afirmação e reivindicação da existência para os outros assim como a afirmamos e reivindicamos para nós mesmas/os.


Jesus não propõe um novo ensino teórico a respeito desta prática da vontade de Deus, mas uma nova perspectiva e possibilidade de realizá-lo, ao responder a segunda pergunta do mestre da lei – Quem é meu próximo? – com a parábola do Bom Samaritano, que é exclusiva do Evangelho de Lucas.


A parábola tem como figura central um homem “quase morto”, vítima de assaltantes no caminho de Jerusalém a Jericó. E Jesus propõe uma reflexão sobre as várias reações possíveis diante da situação dos “caídos” à beira do caminho e com as quais nós podemos confrontar nossas próprias atitudes para saber se somos capazes de viver o mandamento do amor. 


Três pessoas passaram no local após a agressão dos salteadores e todas viram o homem caído: o sacerdote, o levita, o samaritano. O sacerdote e o levita passaram adiante. O evangelho não explica este comportamento. A reação do Samaritano, um personagem anônimo que “por acaso” passava no mesmo caminho, é descrita em detalhes, apresentando-o como figura exemplar e modelo da prática do amor que se espera dos seguidores e seguidoras de Jesus.


O fato de Jesus tomar como exemplo um samaritano tem um significado por si só se considerarmos que, por razões históricas, havia um conflito e relação de ódio e preconceitos entre judeus e samaritanos.[1]

 

 

A reação do samaritano é apresentada com a indicação de várias atitudes que caracterizam o amor misericordioso: chegou perto, viu o caído, moveu-se de compaixão, aproximou-se, fez curativos, cuidou dele numa pensão, mobilizou a ajuda do dono da pensão... Enfim, comprometeu-se realizando uma ação de misericórdia e compaixão que brota de uma reação humana espontânea diante do sofrimento alheio, sem considerações religiosas, simplesmente por uma questão de humanidade. Ser humano, ser humana é ser solidário, ser solidária.


E Jesus apresenta também sob nova perspectiva a pergunta “quem é meu próximo?”. No tempo de Jesus, o próximo era praticamente o membro do próprio grupo religioso. Jesus coloca a preocupação com a prática do amor ao próximo numa outra direção: “Na tua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” Dessa forma redireciona a reflexão para o sujeito e protagonista do amor ao próximo: toda a pessoa que é capaz de ver os caídos à beira do caminho, quem se deixa mover e comover pela compaixão e se aproxima para oferecer ajuda e realizar um gesto concreto de amor (Lc 10,36). Dito de outra forma, próximo/a é qualquer pessoa capaz de solicitude, que se aproxima dos outros com suas demandas e necessidades, especialmente dos feridos, em situação de vulnerabilidade, os “caídos” á beira do caminho, com um amor generoso e solícito. A medida do amor é demarcada pelas suas necessidades, sofrimento, necessidade de ajuda e cuidado.

 

 

Enfim, esta parábola é uma explicitação de como é o ser humano autenticamente humano: é o ser humano solidário, capaz de ver a miséria da pessoa humana com olhar de misericórdia, mover-se de compaixão, aproximar-se solidariamente e comprometer-se com sua vida. O amor autêntico nos torna pessoas generosas, criativas e livres para buscar e realizar a vontade de Deus no amor aos outros.

 

Relacionando com as outras leituras


A primeira leitura (Dt 30,10-14) nos convida a uma adesão com toda a inteireza do nosso ser aos mandamentos de Deus, como algo que não está fora de nosso alcance: “esta palavra está bem ao teu alcance, está em tua boca e em teu coração, para que a possas cumprir.” Podemos experimentar esta proximidade pela busca sempre renovada da proximidade com Jesus pelos diversos caminhos em que ele se deixa encontrar: na vida compartilhada em comunidades de vida e fé, em sua palavra, na eucaristia, em nossos irmãos e irmãs mais pequenos, que clamam por ajuda, cuidado e acolhida, os quais ele mesmo apresenta como sinal de sua presença em Mateus 25,35-45.

 

A segunda leitura (Cl 1,15-20) nos apresenta um hino cristológico, no qual Cristo é apresentado como a referência central e fundamental de toda da ação salvífica de Deus na criação e na vida da Igreja, na vida de todos nós. Nós podemos ver nesta centralidade de Jesus Cristo como podemos dar atenção ao que ele diz no Evangelho de hoje, aprendendo dele o caminho para vivermos no caminho da compaixão e do amor misericordioso que nos é proposto na parábola do Bom Samaritano. Assim como a nos ensina um modo autenticamente humano de ser, esta parábola também retoma o jeito de Jesus mesmo ser, o qual apresenta o jeito de Deus ser, revelado já no AT e mais plenamente em Jesus Cristo: o Deus que se abaixa em solidariedade com os pequenos, o Deus da compaixão, o Deus “rico em misericórdia” (Ef 2,4).

[1] Contexto histórico da Parábola do Bom Samaritano ( Lc 10,25-37)

 

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