Mongólia. Lá na estepe há um cardeal. Entrevista com Giorgio Marengo

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29 Junho 2022

 

"Olharam para ele e foram iluminados", diz o Salmo 34. Está escrito em caracteres mongóis em um pequeno estandarte atrás da mesa de Giorgio Marengo, que tem 48 anos, é missionário há quase 20 anos e também é bispo, prefeito apostólico de Ulaanbaatar, e a partir de 27 de agosto, quando será nomeado, será o cardeal mais jovem do mundo. Tudo isso da remota Mongólia, 1.400 católicos, dez igrejas reconhecidas, das quais oito são paróquias, estepes e deserto.

 

A entrevista é de Annachiara Sacchi, publicada por la Lettura, 25-06-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis a entrevista.

 

Eminência, o que esta nomeação muda em sua vida?

 

É uma pergunta que tenho dificuldade para responder, ainda estou tentando metabolizar. O que consigo dizer é que vejo isso como um ato de espírito missionário do Santo Padre: sua preocupação com toda a Igreja, portanto também com aquela que está nas partes do mundo onde representa uma minoria, o fato dele pensar na Mongólia escolhendo como cardeal um bispo que vem de lá mesmo que não seja cidadão mongol, parece-me um gesto muito significativo.

 

Estamos acostumados a uma igreja eurocêntrica e italocêntrica: como interpreta a decisão de Francisco de valorizar uma comunidade tão pequena e distante?

 

O colégio dos cardeais deve representar toda a Igreja, mesmo aquela das regiões mais remotas. E é algo lindo, porque aumenta sua representatividade e a enriquece com experiências que vêm de pontos do mundo onde ser Igreja se conjuga com a vida de um pequeno grupo imerso em uma sociedade que tem outros pontos de referência. Penso que em uma época como a nossa, em que a universalidade e as dimensões planetárias da Igreja são evidentes, o Santo Padre tenha visto a necessidade de valorizar muitas vozes diferentes.

 

Mas por que um cardeal com 1.400 fiéis, quando as paróquias da Europa precisam de padres preparados e compassivos?

 

É a observação que tantas vezes ouço. Eu respondo dizendo que na Igreja há uma multiplicidade de vocações. E se acreditamos na missão ad gentes, isto é, dirigida àqueles que, por uma razão ou outra, não entraram em contato com a fé cristã, e se existe essa vocação que é um dom de Deus, há homens e mulheres que a encarnam. Portanto, faz sentido hoje, na situação de escassez de clero no Ocidente, ter pessoas que seguem esse dom. O Espírito Santo diz: separem Paulo e Barnabé para a missão que preparei para eles. E eles iniciam uma aventura missionária que ainda continua.

 

Relações com o estado mongol?

 

Formalmente são seguidas pelo núncio apostólico, enquanto o pastor da Igreja cuida da comunidade católica, prestando atenção ao diálogo com todos. Estamos comemorando um aniversário duplo este ano. O primeiro: 30 anos de relações entre a Santa Sé e a Mongólia, uma ligação importantíssima porque o governo mongol, uma vez que o regime comunista desmoronou, imediatamente mostrou interesse em estabelecer relações diplomáticas com a Santa Sé (geralmente acontece o contrário). O diálogo iniciado em 1991 levou ao reconhecimento mútuo em 1992 e logo depois à nomeação do núncio apostólico que representa o Papa no território específico em que se encontra; no nosso caso, a Nunciatura tem sede na Coreia, onde reside o atual núncio, Monsenhor Alfred Xuereb, que cobre a Coreia e a Mongólia. Também em 1992 chegaram os primeiros missionários, por isso celebramos o 30º aniversário da nossa Igreja nestas terras; no dia 7 de julho recordaremos sua chegada a Ulaanbaatar e celebraremos uma missa também nos reconectando com a história antiga, que na época medieval viu aqui uma presença cristã nestoriana.

 

Vocês têm relações com outras comunidades religiosas na Mongólia?

 

O diálogo ecumênico e inter-religioso é um dos pilares da nossa presença eclesial. Há poucos dias participei da festa budista do Vesak: foram convidados o bispo católico, o sacerdote ortodoxo, o imã. Cada um de nós foi chamado a falar.

 

E o senhor, o que disse?

Citei o Papa e seu discurso de 28 de maio em Roma: os líderes religiosos têm o dever de promover a paz e rejeitar o uso instrumental da religião. Nosso trabalho é criar pontes com pessoas que seguem outros percursos na vida, mas com quem queremos estar em diálogo para o bem da sociedade.

 

Funciona?

 

Sim, nossos encontros inter-religiosos se intensificaram.

 

É difícil entrar na mentalidade dos mongóis?

 

Sim, pela riqueza e poliedricidade dessas pessoas que têm uma identidade cultural profundamente enraizada e uma história antiga da qual se orgulham.

 

Relações com a China?

 

A Mongólia é um país soberano que administra sua geopolítica com muita sabedoria.

 

E vocês católicos? Ecos do que está acontecendo na China?

 

Estamos em uma zona interessante do planeta, mas fora isso não chega nada.

 

Como é ser o cardeal mais jovem do mundo?

 

Conto com a ajuda de meus irmãos cardeais: alguns me escreveram e expressaram sua proximidade. Tenho muito a aprender com eles.

 

Falou com o Papa?

 

Sim, em 28 de maio em Roma, onde levei comigo uma delegação budista, mas ainda não sabia da nomeação. Dois anos atrás, porém, depois da minha consagração episcopal, tive a oportunidade de falar com ele. Ele me mostrou proximidade, humanidade e calor, mostrou interesse pela Mongólia, senti que ele realmente se importava com isso. Para mim ele é um pai.

 

Como são seus dias?

 

Sou bispo da Covid, fiz minha entrada na catedral vazia. Há apenas poucos meses comecei a viajar pela Mongólia, o que me dá muita alegria. Há oito paróquias: cinco em Ulaanbaatar e arredores, duas no norte e uma no sul, perto do deserto de Gobi, zona onde fiquei por 16 anos, a 400 quilômetros daqui. São dias feitos de visitas, encontros, catequese, oração, vida comum, pequenas cerimônias, incluindo aquelas ligadas às tradições locais como o corte de cabelo que é feito nas crianças aos três anos.

 

Em que idioma se comunica?

 

Eu falo mongol.

 

Será mais missionário ou cardeal?

 

As duas coisas, porque uma não se sustentaria sem a outra. Eu realmente acredito que o Papa Francisco quis reconhecer o valor missionário de sua escolha. E se eu puder oferecer algo ao colégio dos cardeais, será a partir da experiência de missão que vivo como dom.

 

Onde encontraram 1.400 católicos em 30 anos? São tantos.

 

Relativamente: o mundo protestante está mais presente, com cerca de 50.000 fiéis. E não fomos nós que fomos encontrá-los, mas eles que se aproximaram graças às relações criadas e à graça de Deus que toca o coração das mais diversas formas. Testemunhar a atração que o evangelho exerce é um dom. Mesmo que fosse para apenas uma pessoa, valeria a pena.

 

Estado de saúde da Igreja Católica da Mongólia?

Somos uma pequena comunidade que não deve tomar nada como garantido e que agradece a Deus aprendendo também com seus erros.

 

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