O futuro do trabalho: o teletrabalho

Fonte: Pixabay

14 Junho 2022

 

“O teletrabalho pode ter chegado para ficar; e muitos empregadores podem concordar com uma semana de quatro dias (mas quase certamente apenas se a produtividade aumentar o suficiente para justificá-la e provavelmente com um corte salarial). Mas a escravidão diurna (e noturna) com salários inaceitáveis continuará para a maioria dos trabalhadores”. A reflexão é de Michael Roberts, economista marxista britânico, que trabalhou 30 anos na cidade de Londres como analista econômico, em artigo publicado por Sin Permiso, 10-06-2022. A tradução é do Cepat.

 

Eis o artigo.

 

Há algumas semanas, o homem mais rico do mundo, Elon Musk, CEO da Tesla, disse a seus funcionários que deveriam voltar imediatamente ao escritório ou deixar a empresa. Musk escreveu em um correio eletrônico que todos na Tesla devem passar pelo menos 40 horas por semana no escritório. “Para ser super claro: o escritório deve ser onde seus colegas reais se encontram, não algum pseudo escritório remoto. Se você não aparecer, vamos supor que renunciou”. Na sequência, passou a elogiar os trabalhadores de suas fábricas chinesas por trabalharem até as 3 da manhã, se necessário.

 

Em 2021, o CEO da Goldman Sachs, David Solomon, disse que “o trabalho remoto não é o ideal para nós, e não é um novo normal”, e prevendo que seria “uma aberração que vamos corrigir o mais rápido possível”. Um ano depois, no entanto, menos da metade dos funcionários do banco vinha regularmente à sua sede em Nova York, o que obrigou Solomon a mais uma vez implorar aos funcionários que voltassem. Novamente no ano passado, Jamie Dimon, CEO do JP Morgan Chase, disse que trabalhar em casa “não funciona para a geração espontânea de ideias. Não funciona para a cultura”. Dimon acabou cedendo, dizendo que 40% dos 270.000 funcionários do banco poderiam trabalhar apenas dois dias por semana no escritório. Na sua carta anual aos acionistas, ele escreveu: “Está claro que trabalhar em casa se tornará mais comum nas empresas estadunidenses”.

 

Musk e esses outros executivos são como o Rei Canuto tentando reverter a maré. Desde a pandemia, muitos trabalhadores estão se recusando a retornar a uma semana de cinco dias em tempo integral. Mais de um terço da força de trabalho de escritório do Reino Unido ainda trabalha em casa. No Reino Unido, 23% dos trabalhadores que ganham 40.000 libras ou mais continuam trabalhando em casa cinco dias por semana e outros 38% seguem um padrão híbrido, dividindo seu tempo entre o escritório e a casa.

 

Desde a pandemia existe o fenômeno da chamada Grande Demissão. A grande demissão é a ideia de que muitas pessoas estão deixando seus empregos e estão fazendo isso porque a pandemia lhes deu uma nova perspectiva sobre suas carreiras ou ficaram esgotadas durante a pandemia. Uma pesquisa global da Microsoft com mais de 30.000 trabalhadores mostrou que 41% estavam pensando em se demitir ou mudar de profissão, e um estudo da empresa de software de recursos humanos Personio com trabalhadores no Reino Unido e na Irlanda mostrou que 38% dos entrevistados planejavam se demitir nos próximos seis meses ou um ano. Somente nos EUA, mais de quatro milhões de pessoas deixaram seus empregos em abril, de acordo com um resumo executivo do Departamento de Trabalho dos EUA, o maior aumento já registrado.

 

Não é um fenômeno exclusivamente estadunidense. O movimento chinês “ficar deitado”, no qual os jovens dão as costas à rotina diária, está ganhando popularidade. No Japão, país conhecido por suas longas horas de expediente, o governo propôs uma semana de trabalho de quatro dias.

 

Antes da pandemia da Covid-19, a OIT estimava que 7,9% da força de trabalho global (260 milhões de trabalhadores) trabalhava em casa de forma permanente. Embora alguns desses trabalhadores fossem “teletrabalhadores” à moda antiga, a maioria não era, pois o dado inclui uma ampla gama de ocupações, que inclui trabalhadores industriais a domicílio (por exemplo, bordadores, enroladores), artesãos, proprietários de negócios autônomos e autônomos, bem como empregados.

 

Os empregados representavam um em cada cinco trabalhadores a domicílio em todo o mundo, mas esse número chega a um em cada dois trabalhadores em países de alta renda. Globalmente, dos empregados, 2,9% trabalhavam exclusiva ou principalmente em casa antes da pandemia da Covid-19. Mas cerca de 18% dos trabalhadores têm ocupações e vivem em países com infraestrutura que permitiria que realizassem efetivamente seu trabalho em casa (OIT 2020).

 

Essa estimativa é consistente com outras no Reino Unido, a saber: que 18% dos postos de trabalho no Reino Unido (5,9 milhões no total) são postos de trabalho “em qualquer lugar”. Olhando para a repartição ocupacional, em todos os lugares os trabalhos são predominantemente ocupações profissionais (36%), técnicas (30%) e administrativas (24%). De todos os postos de trabalho em qualquer lugar, 1,7 milhão (28%) encontram-se nos setores da finança, pesquisa e imóveis, e 1,1 milhão (18%) em transporte e comunicações.

 

Mas a maioria dos executivos ainda resiste à mudança e ao trabalho remoto ou à semana de quatro dias. Por quê? Por duas razões. A razão costumeira que se oferece é que quando os trabalhadores estão no escritório, são mais produtivos. É mais difícil colaborar e ser criativo com colegas em videochamadas intermináveis. Essa não é a opinião de muitos trabalhadores, porém, que dizem que fazem muito mais em casa longe das fofocas e de outras distrações do escritório. Em 2015, um estudo com 16.000 funcionários de call centers descobriu que aqueles que trabalhavam em casa (WFH, por sua sigla em inglês) eram 13% mais eficientes do que seus colegas no escritório. A equipe da WFH foi mais produtiva porque fez menos pausas, ficou doente com menos frequência e fez mais chamadas por hora, uma vez que não se distraiu com os intervalos para tomar chá ou beber água.

 

A liberdade física de trabalhar fora do escritório, potencializada pela pandemia, aumentou a liberdade temporária para trabalhar em qualquer hora. “Trabalho assíncrono” é o novo termo da moda nos círculos de gestão e recursos humanos. Isso tem suas vantagens: evita a desagradável sincronia de todos se amontoando nos trens todas as manhãs e tardes e permite que as pessoas ajustem o trabalho com outras prioridades ou responsabilidades.

 

Mas também há desvantagens. Um estudo publicado em 2017 com trabalhadores de 15 países descobriu que o impacto do trabalho remoto no equilíbrio entre a vida profissional e pessoal era “altamente ambíguo”: os trabalhadores relataram passar mais tempo com suas famílias, mas também um aumento nas horas de trabalho e limites turvos entre trabalho remunerado e vida pessoal.

 

Há também preocupações sobre os potenciais impactos na saúde mental de trabalhar em casa. Uma pesquisa realizada pela empresa de consultoria de gestão McKinsey descobriu que trabalhar em casa na realidade aumentou as taxas de “esgotamento” entre todos os empregados, à medida que lutavam para conciliar suas carreiras e vidas familiares, e esse foi particularmente o caso das mulheres. A pesquisa com 65.000 empregados descobriu que a diferença entre as taxas de “esgotamento” de homens e mulheres quase dobrou, com 42% das mulheres assinalando esgotamento em comparação com um terço dos homens.

 

Mas a verdadeira razão da oposição dos empregadores não é apenas a menor produtividade, mas também que a gestão começa a perder o controle sobre seus funcionários, tanto em termos de tempo quanto de decisão sobre a atividade a ser realizada. A opressiva relação chefe-empregado começa a se enfraquecer. E, claro, há a questão do dinheiro. O escritório de advocacia londrino Stephenson Harwood permite que seus funcionários trabalhem em casa 100% do tempo, mas somente se aceitarem uma redução salarial de 20%. “Assim como muitas empresas, achamos valioso estarmos juntos no escritório regularmente, ao mesmo tempo que podemos oferecer flexibilidade ao nosso pessoal”, disse um porta-voz. No popular site do setor jurídico RollOnFriday, um advogado da Stephenson Harwood disse que a política do “100% em casa, 80% de pagamento” foi “uma mudança total”. “Posso morar em Bath e trabalhar para uma empresa da cidade”, ganhando mais que em sua antiga empresa regional “inclusive depois do corte de 20%”.

 

As objeções desses chefes ao trabalho remoto e a uma semana de trabalho mais curta agora serão testadas com um novo plano piloto. Mais de 3.000 trabalhadores de 60 empresas em toda a Grã-Bretanha testarão uma semana de trabalho de quatro dias, no que se acredita ser o maior plano piloto a ocorrer em qualquer lugar do mundo. Joe O'Connor, diretor executivo da 4 Day Week Global, afirmou que não havia como “fazer o relógio retroceder” para o mundo pré-pandemia. “Cada vez mais, gerentes e executivos estão adotando um novo modelo de trabalho que foca na qualidade dos resultados, não na quantidade de horas” (...) “Os trabalhadores saíram da pandemia com expectativas diferentes sobre o que constitui um equilíbrio saudável entre vida e trabalho.

 

Isso soa muito bem para o segmento profissional das finanças, do direito e da tecnologia. No geral, 48% (2,8 milhões de pessoas) das pessoas com empregos móveis têm um título acadêmico. Na verdade, 20% das pessoas com graduação ou de nível superior no Reino Unido estão trabalhando em qualquer lugar. Mas a maioria dos trabalhadores não é necessária em tais trabalhos móveis. A maioria labuta em trabalhos mal pagos e que exigem atividade em tempo integral fora de casa. No Reino Unido, apenas 6% das pessoas que ganham 15.000 libras ou menos trabalham em casa todos os dias e apenas 8% têm privilégios de trabalho híbrido.

 

O Congresso Britânico de Sindicatos (CBS) alertou que trabalhar em casa corre o risco de criar uma “nova divisão de classes”, já que os trabalhadores da linha de frente em supermercados e hospitais, mecânicos e outros trabalhos centrados no cliente não têm a opção de trabalhar em casa. Frances O'Grady, secretária geral do CBS, aponta: “Todos deveriam ter acesso a um trabalho flexível. Mas enquanto o trabalho a domicílio cresceu, as pessoas em trabalhos que não podem ser feitos em casa foram deixadas para trás. Elas também merecem acesso a um trabalho flexível. E elas precisam de novos direitos a opções como horários flexíveis, turnos previsíveis e postos de trabalho compartilhados”.

 

A realidade é que para a maioria dos trabalhadores a redução da jornada de “9 a 17” está em andamento há décadas. Em 2010-11, 20% dos empregados nos EUA trabalharam mais da metade de suas horas fora do horário padrão de 6h às 18h ou nos finais de semana. Uma ampla pesquisa com trabalhadores em toda a União Europeia em 2015 descobriu que cerca de metade trabalhava pelo menos um sábado por mês, quase um terço trabalhava pelo menos um domingo e aproximadamente um quinto trabalhava à noite. E isso ocorre principalmente no local de trabalho, não em casa.

 

Um padrão de turnos comum para os trabalhadores da produção e dos armazéns hoje é trabalhar quatro dias de 12 horas, ter quatro dias de folga, depois trabalhar quatro noites e depois ter mais quatro dias de folga. Outro é trabalhar turnos de oito horas em rodízio. Como explica um anúncio de emprego real no Reino Unido para um posto de armazém: “O horário de trabalho é: 6h às 14h, 14h às 22h, 22h às 6h. Você trabalhará uma semana em um turno e depois alternará, o que requer flexibilidade para cobrir todos os turnos”. Não há possibilidade de trabalhar em casa.

 

As fábricas e os armazéns não são os únicos locais de trabalho que funcionam 24 horas por dia. O trabalho por turnos é comum para médicos, enfermeiras, cuidadores, motoristas e seguranças, entre outros. Parece estar aumentando. Em 2015, 21% dos trabalhadores da União Europeia relataram trabalhar por turnos, contra 17% uma década antes. Embora o trabalho por turnos seja adequado para algumas pessoas, as evidências sugerem que prejudica sua saúde, especialmente se alternam entre o dia e a noite. Os turnos de doze horas, os turnos rotativos e os horários imprevisíveis estão associados ao aumento do risco de doenças mentais, problemas cardiovasculares e problemas gastrointestinais.

 

O trabalho por turnos também pode afetar negativamente a vida familiar. “Os casos de divórcio são bastante abundantes. Vemos muitos divórcios, pelo simples fato de membros, especialmente entre casais jovens, ficarem longe de sua família [durante] 12 horas e, quando voltam para casa de um turno de 12 horas, só querem dormir”, assinalou um gerente de fábrica nos EUA a acadêmicos que estudam o impacto do trabalho por turnos. Um trabalhador observou no mesmo estudo: “Isso muda nosso tempo com nossa família. Muda nosso tempo com nossa vida social e a igreja e os grupos comunitários. Todas essas coisas nas quais você gostaria de se envolver”.

 

O teletrabalho pode ter chegado para ficar; e muitos empregadores podem concordar com uma semana de quatro dias (mas quase certamente apenas se a produtividade aumentar o suficiente para justificá-la e provavelmente com um corte salarial). Mas a escravidão diurna (e noturna) com salários inaceitáveis continuará para a maioria dos trabalhadores.

 

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