Um Francisco em cadeira de rodas anima às religiosas de todo mundo a ‘abraçar a vulnerabilidade’

Foto: Vatican News

06 Mai 2022

 

Na Sala Paolo VI, o Santo Padre Francesco recebeu em audiência a participação na XXII Assembleia Plenária da União Internacional das Superioras Gerais (UISG), que acontece de 2 a 6 de maio de 2022.

 

 

O discurso foi publicado pela Sala de Imprensa do Vaticano, 05-05-2022.

 

Eis o discurso do Papa Francisco.

 

Queridas irmãs:

 

Desejo saudar-vos, neste tempo pascal, com as palavras do Ressuscitado: "A paz esteja convosco".

 

Tendo presente o tema que escolhestes para a assembleia, “abraçar a vulnerabilidade no caminho sinodal”, gostaria de me deter em alguns pontos e oferecer algumas chaves para o vosso discernimento.

 

Abraçar a vulnerabilidade

 

Ao pensar nesse tema de “abraçar a vulnerabilidade”, duas cenas do Evangelho me vieram à mente.

 

A primeira é quando Jesus lava os pés de Pedro na Última Ceia. Contemplá-la nos leva a reconhecer tanto a vulnerabilidade de Pedro quanto aquela que Jesus assume para sair ao seu encontro. Pedro tem dificuldade em aceitar que precisa de uma mudança na sua mentalidade, uma mudança no seu coração, que tem de se deixar lavar para depois o fazer com os seus irmãos. Saindo ao seu encontro, o Filho de Deus coloca-se numa posição vulnerável, numa posição de servo, mostrando como a vida de Jesus só pode ser compreendida através do serviço. Juntamente com Pedro, a Igreja aprende com o seu Mestre que, para dar a sua vida, servindo os outros, é convidada a reconhecer e aceitar a sua própria fragilidade e, a partir daí, curvar-se perante a fragilidade do outro.

 

Jesus lava os pés de Pedro - Ford Madox Brown (Fonte: Wikimedia Commons)

 

Convido vocês, que têm a missão específica de animar a vida de suas congregações e acompanhar o discernimento em suas comunidades, a entrar nessa cena do lava-pés, percorrer esse caminho da Igreja e viver sua autoridade como um serviço.

 

A vida religiosa hoje também reconhece sua vulnerabilidade, mesmo que às vezes a aceite com dificuldade. Havíamos nos acostumado a ser significativos por nossos números e por nossas obras; ser relevante e considerado socialmente. A crise que atravessamos fez-nos sentir as fragilidades e convida-nos a assumir a minoridade. Tudo isso nos convida a recuperar a atitude que o Filho de Deus tem para com o Pai e a humanidade, a de "tornar-se servo". Não se trata de escravidão. Rebaixar-se não é recuar nas próprias feridas e incoerências, mas abrir uma relação, uma troca que dignifica e cura, como Pedro, e a partir da qual começa um novo caminho com Jesus.

 

Desta forma, o lugar que o Filho de Deus quer ocupar colocando-se aos pés da humanidade é um espaço teológico, e precisamos nos reposicionar ali. Portanto, se a nossa vocação é seguir os passos de Jesus, e fazê-lo "de perto", cada vez que a história e o Espírito recolocar a Igreja e a vida religiosa neste lugar, será para nós fonte de alegria e de crescimento, uma fonte inspiradora que nos permite rejuvenescer. Pois bem, é de lá, de baixo, de onde cada um pode reler seu carisma e sua história.

 

Esta atitude sempre iluminou a vida religiosa. Como Pedro e com Pedro somos chamados agora, depois de nos reconhecermos vulneráveis, a nos perguntarmos quais são as novas vulnerabilidades diante das quais, como consagrados, devemos nos rebaixar hoje. À luz dos sinais dos tempos, que ministérios o Espírito nos pede? Que mudanças requer de nós no modo de viver o serviço da autoridade? Como trabalhar por uma autoridade que é evangélica, uma autoridade que não deixa feridas pelo caminho, mas crescimento? Não tenha medo nesta busca por novos ministérios e novas formas de exercer autoridade evangelicamente. Que não seja uma busca teórica e ideológica — as ideologias mutilam o Evangelho.

 

A segunda cena que me vem à mente, falando de vulnerabilidade, tem Maria Madalena como protagonista. Ela sabe muito bem o que significa passar de uma vida confusa e frágil para uma vida centrada em Jesus e no serviço do anúncio. Os evangelistas mostram-nos como uma mulher que experimentou uma grande libertação no encontro com Jesus (cf. Lc 8,2). Guardaram esta informação, e seguramente não o fizeram para lhe jogar na cara a sua história passada, mas para nos dizer que Jesus conta com ela como sua apóstola no testemunho da ressurreição, pondo a sua fragilidade transformada ao serviço do anúncio.

 

Vós representais numerosos carismas, muitas maneiras de ler o Evangelho: cada um deles nasceu para a missão da Igreja. À luz destes dois discípulos de Jesus, Pedro e Maria Madalena, contempla e deixa Jesus olhar para ti e transformar-te, e assim poderás colocar-te da mesma forma ao serviço da humanidade. Da própria fragilidade, libertos dos espíritos que os perturbam, poderão aliviar o passo para um anúncio esperançoso do Evangelho. Sei que tens muitas preocupações, que provavelmente te mantêm acordado à noite — a falta de vocações, a idade média cada vez mais elevada, o abandono da vida consagrada, entre outras — mas espero que a principal preocupação fosse como proceder para não abandonar a missão horizonte.

 

O caminho sinodal

 

Consideremos, em segundo lugar, qual é a contribuição que a Igreja espera da vida religiosa no caminho sinodal da Igreja, e qual é o vosso serviço como superioras neste caminho. Se o Sínodo é antes de tudo um momento importante de escuta e discernimento, a contribuição mais importante que você pode dar é participar da reflexão e do discernimento, colocando-se em atitude de escuta do Espírito e rebaixando-se como Jesus para encontrar seu irmão na sua necessidade. E isso através das diversas mediações que se planejam neste momento — como consagradas, nas paróquias, nas dioceses —, enriquecendo a Igreja com seus carismas. Ao longo deste processo sinodal, sede construtores de comunhão, memória da vida e missão de Jesus.

 

 

Mas, além de participar ativamente do processo sinodal ao nível da Igreja local, é muito importante que as comunidades, as congregações, façam o seu caminho sinodal. Muitas congregações já estão fazendo isso. É uma oportunidade de escutar uns aos outros, de encorajar uns aos outros a falar com parresía, de fazer perguntas sobre os elementos essenciais da vida religiosa hoje. Também para deixar surgir perguntas desconfortáveis. Não tenha medo de sua própria vulnerabilidade, não tenha medo de apresentá-la a Jesus.


Fiel ao caminho e ao espírito sinodal, devemos ir além do âmbito dos próprios Institutos e da própria União Internacional dos Superiores Gerais. É um caminho que eles já compartilham e os encorajo a continuar. Exorto-vos também a uma profunda colaboração com a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. A comunhão eclesial, a diversidade de vocações e carismas, e o encontro, embora às vezes cansativo, sempre nos enriquecem.

 

Conto convosco, queridas irmãs, ao acompanhar o povo santo de Deus neste processo sinodal, como peritas na construção da comunhão, na promoção da escuta e do discernimento. O ministério do acompanhamento é urgente (cf. Exort. Apostólica Evangelii Gaudium 103; 169; 171).

 

Conto convosco para que o processo sinodal que estamos a viver na Igreja se realize também nos seus institutos, onde jovens e velhos trocam as suas sabedorias e visões de vida consagrada; onde todas as culturas se sentam à mesma mesa do Reino; onde as histórias se processam à luz de Jesus ressuscitado e do seu perdão; onde os leigos podem participar de suas espiritualidades.

 

Um belo sinal desta renovação sinodal deve ser o cuidado mútuo. Neste contexto estou pensando em pequenas congregações ou aquelas que estão declinando a ponto de experimentar uma difícil sustentabilidade. Confio que estes processos, olhando para o futuro, os aproximem ainda mais uns dos outros para se apoiarem e se ajudarem nos caminhos da formação e do discernimento. Confio também que estes processos ajudem a comunidade eclesial no seu diálogo com o mundo, sem esquecer a atenção à casa comum.

 

Sei também que em alguns lugares há preocupação com a falta de vocações e o envelhecimento. Mas o importante é poder sempre dar uma resposta fiel e criativa ao Senhor. Aceite o tempo que vivemos como um dom de Deus, um kairós , porque nada escapa de Sua mão.

 

Com Maria, com passo leve, com fé, avante! Eu os abençoo de coração, abençoo suas comunidades, especialmente os membros mais vulneráveis, e abençoo todos os que se beneficiam do trabalho que realizam. E por favor, não se esqueça de orar por mim.

 

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