Encontro entre Francisco e al-Sistani indica o caminho para a verdadeira tolerância

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06 Março 2021

O encontro entre Francisco e al-Sistani é fundamental para indicar que o único caminho para reconstruir o Iraque passa pelo respeito mútuo e pela tolerância de verdade, não apenas exibida.

A opinião é de Riccardo Redaelli, professor de Geopolítica da Università Cattolica del Sacro Cuore, em Milão, e diretor do Centro de Pesquisa sobre o Sistema Sul e o Mediterrâneo Ampliado (Crissma, na sigla em italiano). O artigo foi publicado por Avvenire, 04-03-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Como água em um terreno árido pela seca, mas muito fértil: assim será a histórica viagem de Francisco ao Iraque, uma terra que hospedou por dois milênios importantes comunidades cristãs, depois oprimidas pela desastrosa invasão anglo-estadunidense de 2003, que removeu, sim, Saddam Hussein, mas também o fez mergulhar em uma espiral de violência e instabilidade da qual ele nunca se recuperou.

Mas, além de mostrar proximidade a essas comunidades e favorecer o retorno de muitos cristãos, forçados a fugir das violências do Daesh, é evidente que essa viagem quer fortalecer o diálogo com o Islã xiita iraquiano, também através do encontro com a sua máxima autoridade religiosa, o marjah al-taqlid (“fonte de imitação”), Ali al-Sistani.

A relação entre cristãos e xiitas no Iraque é cheia de facetas e contradições: por um lado, as duas comunidades têm sido frequentemente objeto das violências nas últimas décadas por parte dos grupos muçulmanos sunitas mais radicais e dogmáticos, às vezes olhando com simpatia umas às outras.

Por outro lado, a contradição de se perceberem, ambas, como “minorias discriminadas”, mesmo em um país como o Iraque, onde os xiitas são a clara maioria e, depois de quase um século de marginalização, estão há muito tempo no poder, mas onde não perderam a sua histórica “síndrome” de serem discriminados.

Quantas vezes as autoridades religiosas xiitas iraquianas sublinharam conosco essa condição comum de “vítimas da violência religiosa”. Isso é verdade para os cristãos e também é verdade para os xiitas, que sofreram assustadores ataques terroristas da jihad, mas que, apesar disso, se envolveram na violência sectária que dilacerou o Iraque. Uma ambivalência que reflete a dificuldade dessa grande comunidade a repensar o seu papel no país agora que o governa.

Desse ponto de vista, a visão religiosa prudente e moderada do ancião al-Sistani foi fundamental. Os iraquianos costumam dizer que, se o país não entrou em colapso definitivamente, é por causa das suas palavras e da sua vontade de rejeitar a vingança sectária e de defender o frágil e imperfeito sistema liberal iraquiano. Ao contrário dos aiatolás iranianos seguidores do pensamento de Khomeini, que levou os religiosos a gerirem diretamente o poder, al-Sistani rejeita a intervenção direta dos religiosos na política, “limitando-se” a indicar o caminho, segundo os preceitos islâmico-xiitas.

Ele vive modestamente, fala muito pouco – por meio de fatwas, ou seja, respostas jurídicas –, mas as suas palavras deixam a sua marca e incidem fortemente nas escolhas políticas. Ele não esconde o seu desprezo pela maioria dos corruptos políticos iraquianos, nem seu aborrecimento com as milícias xiitas ligadas ao Irã, que “traem” o seu país, servindo aos interesses do vizinho inconveniente.

Por fim, os seus apelos em favor da concórdia e da coexistência religiosa, assim como do respeito pelos direitos humanos, parecem coincidir com o extraordinário caminho percorrido por Francisco para falar de fraternidade, respeito e tolerância, bem evidenciados pela declaração de Abu Dhabi de 2019 com os representantes do Islã sunita.

Mas, ao mesmo tempo, agora que os xiitas estão no poder, é evidente o esforço para encontrar um equilíbrio, para limitar as vinganças contra os sunitas, para evitar que políticos e milicianos usem a fé como uma máscara para as suas ambições, para a sua sede de poder e riqueza ou para penalizar as outras comunidades religiosas.

O encontro entre Francisco e al-Sistani torna-se, então, fundamental para indicar que o único caminho para reconstruir o país passa necessariamente pelo respeito mútuo e pela tolerância de verdade, não apenas exibida, ou seja, pela liberdade de viver a própria fé – seja ela qual for – sem medo de ser perseguido por causa dela.

 

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