23 Dezembro 2020
Uma das lideranças do pensamento teológico cristão falou na quarta-feira que os crentes que se esforçam para fazer argumentos racionais para a fé em conversa com secularistas deveriam ter aspirações mais modestas – basicamente, ele disse, seu humilde papel é “manter a porta aberta” até que venha um santo.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 18-12-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
“Você pode não ver isso, mas não vivemos em universos completamente separados”, é como escreveu o arcebispo Rowan Williams, que serviu como líder mundial da Comunhão Anglicana de 2002 a 2012, na mensagem que os crentes deveriam se esforçar para entregar aos secularistas.
“Continuemos a fazer, até que haja um momento de reconhecimento”, disse ele, sugerindo que a forma mais eficaz de tal momento ocorrer é um encontro com um modelo de santidade.
Williams deu o exemplo de Malcolm Muggeridge, um célebre jornalista britânico e satírico que se sentiu atraído pelo comunismo em sua juventude e mais tarde se converteu ao cristianismo sob a influência de Santa Teresa de Calcutá.
“Não foi uma discussão, mas sim ver algo concreto que fez isso”, disse Williams, “mas ele não teria feito isso sem um envolvimento constante ao longo dos anos com as discussões”.
“Seu mundo não estava completamente isolado”, disse ele.
“Não haverá cientistas e filósofos fazendo fila na pia batismal”, disse Williams, “mas podemos 'manter o pé na porta', deixá-la aberta, esperando o momento de graça chegar”.
O ex-arcebispo de Canterbury, de 70 anos, comparou a apologética com os secularistas ao diálogo inter-religioso.
“Não buscamos a vitória, mas para estabelecer o início do reconhecimento comum, de modo que, se alguma vez a voz totalmente clara de Cristo falar, ela possa ser ouvida”, disse ele.
Williams falou como parte das “Palestras JP2” no Instituto de Cultura São João Paulo II da Pontifícia Universidade de Tomás de Aquino, patrocinada pelos dominicanos, popularmente conhecida como “Angelicum”, em Roma. A série homenageia o falecido João Paulo II, que foi aluno do Angelicum.
O título da palestra de Williams foi “Fé no Areópago Moderno”, uma referência à cena no capítulo 17 em Atos dos Apóstolos em que Paulo apresenta o Cristianismo aos gregos antigos, argumentando que o que eles adoravam como um “Deus desconhecido” era, na verdade, o Deus da fé cristã.
Williams observou que, no capítulo 17, alguns dos atenienses zombaram quando Paulo começou a falar sobre a ressurreição, enquanto outros disseram “gostaríamos de ouvi-lo em outra ocasião”.
“Não devemos esperar que o Areópago moderno seja diferente, mas acho que não é insignificante que houve um ou dois que responderam”, disse ele. “Deus está interessado em cada alma, então isso não é um desperdício”.
“Acho que é um incentivo”, disse ele. “Ele abriu um pequeno espaço em suas mentes e corações”.
O cerne do argumento de Williams era que, apesar da forte devoção aos direitos humanos característica do Areópago moderno, não há base firme para defender a dignidade humana universal e inerente sem a adoração de um Deus transcendente.
Caso contrário, disse ele, os direitos humanos inevitavelmente se tornariam limitados com base na capacidade, ou etnia, ou alguma outra consideração. Ele deu o exemplo do aborto seletivo de fetos com diagnóstico de Síndrome de Down, como na Dinamarca, onde apenas 18 crianças com Down nasceram em todo o país em 2019, e na Islândia, onde a síndrome foi efetivamente “erradicada”.
“A implicação não foi perdida por aqueles que vivem com a Síndrome de Down e suas famílias”, disse Williams. “Isso implica uma norma prescrita de capacidade humana e, portanto, uma falha [da parte dos indivíduos de Down] em ganhar o padrão humano usual” para o reconhecimento de seus direitos.
“É um argumento familiar dos séculos XVIII e XIX, bem como do início do século XX”, disse ele. “Essa não é uma linhagem feliz”.
Williams invocou o falecido filósofo e crítico social francês René Girard para afirmar que, sem uma divindade transcendente para fundamentar um senso de dignidade humana inerente além do poder ou controle de qualquer pessoa, a humanidade geralmente termina com “um ato de exclusão coletiva ou violenta, um processo de sacrifício”.
“O ser humano se vê vivendo de forma precária, em rivalidade incessante com os outros”, disse ele. “Procuramos contornar esse risco tornando os desejos dos outros seus. Esses outros se tornam uma ameaça profunda, uma competição infinitamente intensificada, de modo que a coesão é garantida pela identificação de um candidato coletivo à exclusão, o que leva ao bode expiatório, à expulsão e até ao assassinato”.
O bode expiatório, disse Williams, é a “toxicidade definitiva para o mundo”.
Somente Deus, disse Williams, oferece o universo “incondicional, afirmação não inquisitiva”.
“Direitos inerradicáveis e a dignidade humana não parecem ser simplesmente como uma decisão corporativa da maioria, permanece necessitando de base, e a antropologia cristã e cristocêntrica a fornece”, disse ele.
O cristianismo, disse Williams, permite que a humanidade “veja a ação de uma fonte transcendente de afirmação sobre nós mesmos e nosso mundo, a se identificar com um ato que quebra a espiral mimética”, de modo que a doutrina cristã é “o caminho pelo qual a verdade oculta sobre a humanidade pode vir à tona”.
O cristianismo, argumentou Williams, promove um “envolvimento não competitivo, não vingativo e não violento com os outros”.
Baseia-se na “adoração daquele que é verdadeiramente digno de adoração, que não contende nem desloca a ação finita, e que é capaz de operar uma realidade radicalmente aberta para ser mais completamente um veículo para o ato eterno da dádiva”.
Diante disso, Williams também convidou os candidatos a defensores da fé a uma certa humildade sobre seu próprio papel.
“A sobrevivência da fé cristã não depende de nossos recursos ou engenhosidade”, disse ele. Invocando Etty Hillesum, vítima judia do holocausto, ele sugeriu que o objetivo mais modesto deveria ser “viver de uma maneira que faça sentido dizer que Deus viveu neste tempo”.