05 Agosto 2020
"Vamos ser sinceros: foi necessário o susto do vírus para reacender a centelha da religiosidade em um mundo secularizado e descristianizado". Está convencido disso Enzo Romeo, editor e vaticanista do Tg2, que em seu último livro intitulado Vuoto a credere (em tradução livre, algo como “embalagem acreditável” Ed.Ancora) repercorre o que ele próprio define como um "diário do tempo suspenso". Um volume que quer fotografar, para que seja lembrado no futuro, a fé, a Igreja e o Papa Francisco no tempo da pandemia.
A reportagem é de Francesco Antonio Grana, publicada por Il Fatto Quotidiano, 04-08-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Vuoto a credere:
La fede, la chiesa e il papa al tempo del coronavirus
Enzo Romeo
Por esse motivo, Romeu toma nota de tudo o que Bergoglio fez e disse desde 26 de janeiro, no Angelus de domingo, na Praça São Pedro, onde falou do coronavírus pela primeira vez, até 3 de maio, último dia da chamada fase 1.
O que emerge das páginas não é uma simples crônica dos eventos mais salientes de Francisco e da Igreja universal, com um olhar particular sobre aquela italiana, durante o período de lockdown. Um tempo em que, pela primeira vez, os fiéis, da Península e além, não puderam participar das celebrações eucarísticas, mesmo durante a Semana Santa e a Páscoa. Um inédito no inédito, especialmente na Itália, que ainda mantém suas raízes católicas e suas numerosas e folclóricas tradições populares ligadas à paixão, morte e ressurreição de Jesus espalhadas por todo o território nacional.
O que se evidencia claramente nas páginas de Romeo é um verdadeiro magistério sobre o coronavírus, ou sobre o sofrimento do homem que acredita que sabe dominar tudo e que, pelo contrário, é dominado e atordoado pelo surto improviso da pandemia. Emerge a grandeza da figura de Bergoglio que realmente soube manter o mundo unido, pessoas de fé e não, durante a inesquecível e sugestiva oração de 27 de março em uma deserta e chuvosa praça São Pedro. Uma imagem que permanecerá entre aquelas mais importantes do pontificado, roubando a cena inclusive à abertura do Jubileu Extraordinário da Misericórdia.
Foto: Vatican News
“Durante as semanas da emergência do Covid-19 – escreve Romeo – nas igrejas que permaneciam abertas, pessoas comuns, bem distanciadas umas das outras, em silêncio entre os bancos, procuravam companhia em frente ao Santíssimo. Reapresentaram-se antigas formas devocionais, reapareceram imagens de santos que se acreditavam desaparecidas, olhou-se para o céu e para as nuvens à procura de sinais e aparições, permanece-se colados na frente da TV para acompanhar missas, rosários e liturgias".
Romeo lembra que “essas são expressões típicas de uma fé criança, que busca consolo no medo. Mas há também o germe da busca escatológica, do significado último das coisas, que descobrimos ainda vivo, apesar dos herbicidas à base de materialismo consumista pulverizados abundantemente por décadas nos campos daquela grande fazenda que é a nossa sociedade".
Para o jornalista, no entanto, “seria um erro levar o fenômeno de ânimo leve, esnobá-lo com a superioridade de quem sabe tudo e conhece tudo. Pelo contrário, é uma grande oportunidade para testemunhar. O que está se abrindo diante de nós será um tempo de dor e desafio, no qual seremos chamados a nos curvar sobre homens e mulheres feridos, desorientados e empobrecidos. Teremos que ser uns para os outros como cireneus. Acompanhando-nos com o passo de fiéis humildes e maduros, que sabem como purificar o olhar das escórias emocionais ou miraculosas e seguir pelo caminho das verdades que contam. Peneirar a massa de sensações, de instintos, de impulsos que a emergência do coronavírus gerou. Para que as pequenas pepitas de ouro refinadas pelo sofrimento permaneçam em nossas mãos e tudo o mais seja jogado fora”.
De acordo com o vaticanista, de fato, esse é o caminho “para chegar à fé autêntica, seguros e firmes na rocha do Evangelho, vivida na Ecclesia, medido na concretude da dura vida cotidiana, com o compartilhamento de tantos dramas que estão diante de nossos olhos: o doente que morre sem ninguém ao seu lado, a família isolada, o trabalhador agora desempregado... Um acompanhamento discreto e amoroso, desdobrado em mil maneiras possíveis, de atividades de caridade a um simples sorriso ou um telefonema para dizer que estou aqui, não se preocupe, fico ao seu lado".
Palavras que refletem aquelas pronunciadas por Francisco na oração de 27 de março: "É a vida do Espírito capaz de redimir, valorizar e mostrar como as nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns, geralmente esquecidas, que não aparecem nas manchetes dos jornais e das revistas ou nas grandes passarelas do último show, mas, sem dúvida, estão escrevendo hoje os eventos decisivos da nossa história: médicos, enfermeiros e enfermeiras, atendentes de supermercados, pessoal da limpeza, cuidadores, transportadores, forças da ordem, voluntários, sacerdotes, religiosas e muitos, mas muitos outros, que entenderam que ninguém se salva sozinho".
Como comenta justamente Romeu, “não é o forever young da sociedade da imagem, que pretende cancelar todas as rugas. É a (re)descoberta de uma dimensão mais profunda, de uma eternidade da alma. Chegamos a essa consciência reconhecendo que somos uma única família humana, que o pai e a mãe precisam compartilhar tempo suficiente com seus filhos, que os avós têm muito a dar e receber, que o vizinho não é um estranho, que a pessoa que encontro na rua não está separada do meu destino, que o chinês ou o africano estão na esquina do mundo globalizado e não é tão estranho chamá-los de irmãos. Que cada um é um ser especial. E poderíamos nos dizer, nos prometer: eu cuidarei de você; sim, eu cuidarei de você".
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‘Embalagem retornável’, um diário da fé no tempo suspenso da pandemia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU