Macron passa quase uma hora com o papa: entre os temas, migrantes, Europa e clima

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27 Junho 2018

Depois de um pouco de embaraço no início, o presidente francês Emmanuel Macron concluiu a primeira audiência que o Papa Francisco lhe concedeu no Vaticano, de duração recorde de 57 minutos, dando ao pontífice argentino uma confidencial carícia na bochecha no momento da despedida. Entre os temas no centro das conversas, as migrações, a resolução dos conflitos, a situação no Oriente Médio e na África, e “as perspectivas do projeto europeu”.

A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada em Vatican Insider, 26-0602018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Durante as “cordiais conversas” que o inquilino do Palácio do Eliseu teve primeiro com o papa e depois com o cardeal secretário de Estado, Pietro Parolin, e o “ministro das Relações Exteriores” da Santa Sé, Paul Richard Gallagher, “foram enfatizadas – afirma um comunicado vaticano – as boas relações bilaterais existentes entre a Santa Sé e a França, e destacou-se, com particular referência ao compromisso da Igreja, a contribuição das religiões para a promoção do bem comum do país. Depois – continua a nota –, foram abordadas questões globais de interesse compartilhado, como a proteção do ambiente, as migrações e o compromisso em nível multilateral pela prevenção e pela resolução dos conflitos, especialmente em relação ao desarmamento. A conversa também permitiu uma troca de avaliação sobre algumas situações de conflito, particularmente no Oriente Médio e na África. Por fim, não faltou uma reflexão conjunta sobre as perspectivas do projeto europeu”.

Precedido por um imponente desfile de carros azuis que percorreu uma Via della Conciliazione blindada, esperado na Sala de Imprensa vaticana por um grande número de correspondentes e enviados franceses, Macron chegou ao encontro do papa com cerca de 10 minutos de atraso em relação à agenda planejada, às 10h40 [hora de Roma], e concluiu a conversa a portas fechadas, na presença do Mons. Jean Landousie, da Secretaria de Estado, como intérprete, às 11h37. Uma duração recorde, se compararmos com os 50 minutos do papa argentino com Barack Obama, Vladimir Putin e Recep Tayyip Erdogan, os 40 minutos com o antecessor de Macron no Palácio do Eliseu, François Hollande, e menos de meia hora com Donald Trump.

Depois das fotos de rito, o papa e Macron pareciam ansiosos para iniciar a conversa a portas fechadas, com um pontífice sorridente e um presidente francês que, no início, pareceu um pouco envergonhado.

Macron estava acompanhado pela esposa, Brigitte, tailleur preto com saia abaixo do joelho, cabelos amarrados em um coque, mas sem véu, e por uma delegação de outras 11 pessoas, com dois ministros (o titular do Interior, Gérard Collomb, e o responsável pelas Relações Exteriores, Jean-Yves Le Drian), expoentes do mundo católico (Veronique Fayet, do Secours Catholique, que presenteou o papa com um documento sobre a necessidade de mudar o sistema financeiro mundial, e Xavier Emmanuelli, da Samu Social), intelectuais (entre outros, Dominique Wolton, que entrevistou o papa, e Remi Brague), além da jornalista Caroline Pigozzi, que entrevistou Francisco para a Paris Match e o abraçou nessa terça-feira.

No fim do colóquio, depois de perguntar quem devia começar (“Começo eu?”, perguntou o papa), o inquilino do Palácio do Eliseu presenteou o papa com uma cópia antiga do “Diário de um pároco de aldeia”, de Georges Bernanos.

“É um livro que eu amo. Eu o li muitas vezes e me fez bem”, comentou Francisco, que deu a Macron, além dos seus documentos (Amoris laetitia, Evangelii gaudium, Laudato si’, Gaudete et exsultate e a última mensagem sobre a não violência para o Dia Mundial da Paz), a tradicional medalha de São Martinho de Tours, que socorre um pobre: a obra “quer sublinhar a vocação dos governantes em auxílio dos pobres: todos somos pobres”, anotou Francisco, olhando nos olhos do presidente francês.

Despedindo-se do papa no limiar da biblioteca, no fim, Macron fez uma carícia nada ritual na bochecha do pontífice e depois o abraçou e beijou. Francisco cumprimentou o presidente francês estendendo-lhe as mãos juntas entre as suas.

O longo dia romano de Macron, que chegou nessa segunda-feira, 25, à noite em Roma com a esposa Brigitte, começou com um café da manhã no Palácio Farnese, sede da Embaixada francesa junto ao Estado italiano, com uma delegação da Comunidade de Santo Egídio, ativa também na França com a iniciativa dos corredores humanitários para os refugiados, realidade que o presidente francês citou no seu discurso ao mundo católico dos Alpes, que ele proferiu em abril no College des Bernardins.

No encontro de 45 minutos com Andrea Riccardi, fundador da Comunidade, o presidente, Marco Impagliazzo, Mario Giro, o responsável pelo exterior, Mauro Garofalo, e a responsável pela comunidade francesa, Valerie Regnier, Macron, muito interessado em conhecer melhor a realidade de Santo Egídio e o seu compromisso com a paz e o diálogo inter-religioso, “mencionou os corredores humanitários como um modelo da política de imigração legal, sobretudo para as pessoas que precisam de proteção humanitária”, relatou Impagliazzo.

“Não entramos nas questões políticas entre Itália e França, como era evidente, mas nos foi expressada pelo presidente Macron a vontade de resolver o problema da imigração em nível europeu”. Quanto ao navio Lifeline, “se está encontrando uma solução”.

Depois, houve “uma grande consonância com o presidente sobre esses temas e sobre o trabalho pela paz que a Comunidade desempenha em vários países africanos, particularmente na República Centro-Africana, situação que o preocupa muito”.

Depois do Vaticano, Macron se dirigiu à Embaixada francesa junto à Santa Sé, na Villa Bonaparte, onde foi realizado um café da manhã em sua homenagem, ao qual também foi convidado o cardeal Parolin, e, às 14h30 [hora local], visitou a Basílica de São João de Latrão para tomar posse do título de Protocanônico de honra do Capítulo Lateranense, honraria tradicionalmente concedida a todos os presidentes franceses, mas da qual nem todos tomam posse (não o fizeram nem Georges Pompidou, nem François Mitterand, nem François Hollande: o último a participar de uma pomposa cerimônia presidida pelo cardeal Camillo Ruini foi Nicolas Sarkozy).

A celebração, ao contrário da última vez, foi sóbria. Começou com uma saudação do vigário, o futuro cardeal Angelo De Donatis, depois houve uma oração e a leitura de um texto bíblico, e, em seguida, a visita à Capela Colonna, onde Macron recebeu uma cópia da cruz lateranense, no claustro da Basílica de Latrão e, enfim, no nobre andar do Palácio Apostólico Lateranense. Macron concluiu o dia romano com um discurso à imprensa francesa às 18h15, na Villa Bonaparte.

O inquilino do Palácio do Eliseu já havia ido a Roma em janeiro passado, mas, naquela ocasião, por respeito protocolar à Santa Sé, encontrou-se com os mais altos cargos do Estado italiano – na época, o primeiro-ministro era Paolo Gentiloni –, postergando para uma data diferente a audiência com o papa. Data que, depois, foi fixada semanas atrás – enquadrando as densas agendas dos dois homens – para essa terça-feira. Com um calendário que prevê apenas compromissos eclesiais e, espelhando aquilo que aconteceu em janeiro, nenhum encontro com as autoridades italianas, em um momento, aliás, marcado por duras polêmicas entre Paris e Roma sobre a questão dos migrantes.

Quanto às dinâmicas internas francesas, em abril, Macron tributou um reconhecimento público à Igreja Católica, intervindo em uma recepção promovida pela Conferência Episcopal Francesa e falando da “lingua cristã” de que a França precisa. Um evento que não eliminou as diferenças entre o presidente e a galáxia católica sobre questões como a imigração ou a bioética (Macron está realizando “estados gerais” nestes meses a esse respeito, para introduzir algumas modificações legislativas), mas no qual o chefe de Estado francês admitiu que, no passado, muitos “políticos desconsideraram profundamente os católicos”. Uma busca de convergências que encontrou na audiência dessa terça-feira mais uma confirmação. E que poderia ter uma sequência, se o papa aceitasse o convite que, pelo que já foi informado em ambientes do Palácio do Eliseu, foi-lhe feito de visitar o país, optando até por uma cidade multicultural como Marselha, sem necessariamente passar por Paris.

O encontro com o Papa Francisco, disse Macron, satisfeito, durante um encontro com a imprensa francesa, que concluiu seu dia romano à noite, foi “extremamente rico e intenso”, e “não seguramos as palavras, e isso explica a duração, que é o que acontece quando as discussões são intensas”.

O vínculo entre a França e o Vaticano “é muito singular, mas vivo”, e “os desafios contemporâneos precisam de tomadas de posição comuns, de diálogo e de um trabalho conjunto em muitas regiões do globo”. Durante a conversa a portas fechadas, “falamos com o papa sobre a questão dos migrantes, mas não falamos especificamente sobre a política italiana e a posição italiana, porque cremos que o tema da migração diz respeito a todos”, explicou o presidente francês, que distinguiu entre migrantes que fogem de uma guerra ou de uma situação insustentável, que a Europa e a França pretendem “proteger”, e migrantes que não são oprimidos por perseguições e buscam uma vida melhor na Europa, aos quais é preciso dizer que “a Europa faz a sua parte, mas não mais do que isso”: “Não se pode dizer que a Europa é o Eldorado, e que tudo é possível”.

Com o papa, Macron também abordou temas sensíveis como a bioética. “Há princípios da Igreja que são claros e que são defendidos com força, e há outros princípios que nascem das mudanças na sociedade”, disse ele, dando o exemplo da interrupção de gravidez: “É preciso compor o princípio da vida e o princípio da liberdade da mulher de dispor do próprio corpo”, disse o presidente francês, que especificou ter dito ao pontífice que considera o aborto como um “mal menor”: “Nunca conheci nenhuma mulher que abortou com alegria”.

Quanto à legalização do casamento entre pessoas homossexuais, “reconhecer o amor entre duas pessoas do mesmo sexo tira alguma coisa dos outros?”, perguntou Macron. E, sobre o debate em curso na França sobre a procriação medicamente assistida, o inquilino do Palácio do Eliseu, que especificou que quer aguardar o exame do Conselho Nacional de Bioética antes de qualquer iniciativa legislativa, também apresentou o debate nesse caso como o prelúdio de uma “composição de princípios”, por um lado “o da vida e da filiação”, e, por outro, o de um “projeto parental que pode existir” para uma mulher solteira ou para um casal homossexual.

Para Macron, é preciso se perguntar se “reconhecer esse direito é contrário aos nossos valores profundos”. De acordo com o líder, não se trata de “uma convicção diante da outra”, mas de um “percurso de reconhecimento mútuo”, a partir de alguns “desequilíbrios” graças aos quais a sociedade “avança”.

O chefe de Estado, que aceitou assumir o título honorífico de protodiácono do Capítulo de Latrão,  foi um modo de agradar o eleitorado católico (“Não acho que exista um eleitorado católico ou um eleitorado muçulmano. As coisas são mais complexas”, afirmou, insistindo na ideia de uma “laicidade” que não é contrária às religiões), disse que, com o papa, “trocamos muito as nossas opiniões, ouvimo-nos muito”, e “tivemos trocas filosóficas sobre muitos temas, mas tentando fazer filosofia prática em vez de metafísica”, disse Macron: “Eu descobri que o Papa Francisco é muito apegado às coisas práticas”.

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