"A visita do papa foi uma oportunidade perdida pela Al-Azhar." Entrevista com Islam Béheiri

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10 Mai 2017

Islam Béheiri foi condenado a cinco anos de prisão por ter criticado a instituição sunita. Em dezembro, ele recebeu o perdão presidencial. A visita de Francisco ao Egito, segundo ele, foi uma honra e um exemplo de tolerância. A Conferência sobre a Paz foi um sucesso midiático, mas sem frutos na luta contra o terrorismo. Para ele, os livros ensinados pela Al-Azhar incitam à violência, e Ahmed Al-Tayeb é uma contradição contínua.

A reportagem é de Loula Lahham, publicada por AsiaNews, 02-05-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Islam Béheiri é um intelectual islâmico, que saiu recentemente da prisão após ter sido condenado pelo Judiciário egípcio por ter expressado opiniões críticas contra a Al-Azhar, a mais importante instância sunita do mundo muçulmano.

As palavras proferidas pelo estudioso na época foram consideradas difamatórias à religião muçulmana. Condenado a cinco anos de prisão, ele teve a pena reduzida a um ano, em um segundo momento. Finalmente, em dezembro passado, chegou o decreto presidencial de libertação antes dos tempos previstos e a consequente retomada da atividade de crítico e estudioso.

Béheiri lançou inúmeros apelos à reforma do discurso religioso e para elaborar uma nova interpretação dos livros clássicos da jurisprudência islâmica. Textos que, na sua opinião, são, em algumas passagens, um verdadeiro hino à violência.

O estudioso, durante a entrevista, quis dar uma leitura pessoal do discurso da grão-imã Ahmed Al-Tayeb, perante o Papa Francisco, no contexto da Conferência Internacional sobre a Paz promovida pela universidade islâmica em 28 de abril.

Eis a entrevista.

O que você acha da visita do Papa Francisco, que repetidamente rejeitou a ligação entre violência e Islã?

Foi uma grande honra para nós que o papa tenha vindo ao Egito. Ele falou muito do Egito, aqui e anteriormente, e apresentou as suas condolências por todas as perdas sofridas. Na minha opinião, ele encarna perfeitamente os ensinamentos do cristianismo, como a tolerância, e não quis indicar com precisão as verdadeiras razões da violência de matriz religiosa. Na realidade, ele tenta virar a página e dar seguimento a um novo começo com os representantes do Islã. Essa chamada “Conferência sobre a Paz” teve um enorme sucesso em nível midiático em escala global, mas não vai mudar nada na realidade dos fatos. Não há nada de específico na luta contra o terrorismo. Aqueles que se iludem de que o terrorismo de matriz religiosa vai dar um passo atrás são sonhadores. Ainda é muito cedo. Ninguém realmente quer combater essas ideologias, e, desse modo, o Daesh [acrônimo árabe para Estado Islâmico] continuará a sua ação.

No seu discurso, o grão-imã de Al-Azhar declarou que não há justificações lógicas para a violência, senão a ideologia pós-moderna e o desejo de algumas potências de vender armas. São essas, para ele, as únicas razões para a violência. O que você acha?

O que ele disse não faz nenhum sentido. Se fosse assim, o Estado Islâmico teria promovido o pensamento pós-moderno. Essa não é sequer uma possibilidade. As minhas pesquisas pessoais nunca me levaram a acreditar que o Daesh tem uma ideologia pós-moderna ou possui uma noção de existencialismo, por exemplo. É como se alguém nos dissesse que, durante o dia, o sol não brilha de fato. Quanto ao tráfico de armas, estou realmente surpreso. Não entendo como o xeique de Al-Azhar pôde dizer uma coisa dessas. Se ele acredita que o terrorismo se deve unicamente ao tráfico de armas, estamos realmente diante de um problema grave: a pessoa chamada a combater por primeira o terrorismo religioso não conhece sequer as causas da sua existência. Todo o Egito deve enfrentar o problema, porque a Al-Azhar é, antes de tudo, uma instituição ligada ao Estado.

E eu repito que, se as razões do terrorismo religioso são o pensamento pós-moderno e o tráfico de armas, vivemos no mundo dos sonhos. De fato, há textos na nossa jurisprudência clássica que incitam à violência. Vemos pessoas que se explodem pelos ares matando dezenas de pessoas, porque leram textos que lhes dão uma carta branca para matar quem quer que seja, pela simples razão de possuírem uma fé inabalável na base da qual fazem bem a Deus ao se imolarem e matando muito outras pessoas junto com eles. Aqui, não se trata apenas de tráfico de armas. Eu convido o governo egípcio a rever minuciosamente as opiniões do xeique Al-Tayeb. Porque, se essa for a sua definição de terrorismo, e se essa for a razão e as suas consequências, com base no seu pensamento, o Estado nunca conseguirá pôr fim à violência.

O grão-imã também falou das guerras religiosas e do fato de que elas sempre existiram em todas as fés. Ele mencionou as Cruzadas e as guerras mundiais...

Não está escrito em parte alguma nos livros de história que as Cruzadas tinham razões de tipo religioso como seu fundamento. Tratava-se de razões exclusivamente políticas. Além disso, em 1994, o Papa João Paulo II pediu desculpas em nome da Europa. E, além disso, não havia nenhuma dimensão religiosa nas guerras mundiais. Eu não sei se o xeique se dá conta disso ou não, mas os livros que são ensinados dentro da sua instituição não têm outra interpretação senão a incitação à violência. E essas interpretações, infelizmente, não estão totalmente equivocadas. Eu também poderia acrescentar que o problema não é a nossa interpretação errada dos discursos. O terrorismo está diretamente ligado aos ensinamentos dos nossos textos, com uma compreensão própria natural e lógica, que remonta há milhares de anos. Eu gostaria muito que o xeique pedisse desculpas por isso e por aquilo que os muçulmanos cometeram na Idade Média e nos tempos modernos.

O que você quer dizer? O que ele deveria fazer, exatamente?

Peço à Al-Azhar que pare de mostrar ao mundo livros escritos por certos imãs da Idade Média, que ela comercializa como se fossem o legado do verdadeiro Islã. Porque o que está contido nesses livros é aquilo que, à letra e até a última vírgula, o Daesh realiza no ato prático.

No seu discurso, o grão-imã condenou as interpretações pós-modernas, a filosofia experimental e o vazio espiritual que elas causam. Você concorda com isso?

Eu acho que o xeique de Al-Azhar escolheu mal as palavras do seu discurso. Ele deveria, antes de tudo, entender as razões do terrorismo para poder combatê-las. Essa Conferência sobre a Paz não leva a lugar algum. É uma comédia muito distante da realidade.

O grão-imã não quer abrir a novas interpretações, mas, ao mesmo tempo, convida a “purificar a imagem da religião”. Não se trata de uma contradição?

Claro que ele se contradiz. Se ele realmente quisesse resolver o que acontece, ele teria ouvido aqueles que o convidavam a fazer uma segunda leitura desses textos e a dizer que o que neles está escrito não corresponde à verdade. Esses imãs de antigamente ofuscaram o nosso modo de ver as coisas, pecaram contra o Islã por mais de 1.400 anos. Fizeram mal ao nosso povo, à imagem do Islã e também às relações do Islã com as outras religiões. O xeique não quer ouvir falar de nova interpretação. Ele a combate com ferocidade e tenta processos contra aqueles que a querem. Na realidade, ele é uma fonte de perene contradição. Em uma declaração dirigida ao Ocidente, ele afirmou que o Islã não convida à morte do apóstata. Mas, no Egito, ele se permite dizer que o Islã encoraja a fazer isso.

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