Pedofilia na Igreja: Papa Francisco fala de "horrendo pecado", mas não de crime

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14 Fevereiro 2017

Uma tocante apresentação do Papa Francisco, antecipada pelo jornal La Repubblica, ao livro de uma vítima da pedofilia na Igreja (La perdono Padre [Eu lhe perdoo, padre], Ed. Piemme), de um abusado desde os oito até os 12 anos. Palavras muito nobres, especialmente pela extraordinária experiência humana do autor, Daniel Pittet, que chegou até o perdão do seu algoz e, embora tendo abandonado o caminho ao sacerdócio, reconciliou-se com sua experiência de vida, apesar de terrível. Continuou sendo católico e acredita em Deus e na Igreja.

A reportagem é de Maria Antonietta Calabrò, publicada no sítio L’HuffingtonPost.it, 13-02-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

No texto, o papa faz referência à sua carta apostólica “Como uma mãe amorosa” de 2016, na qual declarou que é dever da Igreja “dar prova de severidade extrema com os sacerdotes que traem a sua missão e com a hierarquia, bispos ou cardeais, que os protegeu, como já aconteceu no passado”.

O Papa Francisco fala sem fingimento sobre o pecado dos sacerdotes, sobre o diabo que quer destruir a vida da Igreja. Como é justo que seja. Mas talvez falte uma palavra. A palavra “crime”.

O homicídio também é um pecado, mas é um crime grave, e, em todas as latitudes, quem mata acaba na cadeia.

Desde o dia 6 de janeiro de 2002, quando explodiu nos Estados Unidos o caso da pedofilia dos padres no jornal Boston Globe, graças à equipe de jornalismo investigativo Spotlight, passaram-se 15 anos. Um tempo infinito. E a comunidade internacional pede com força ao Vaticano que faça aquilo que todos os outros países fazem: permitir que os responsáveis sejam punidos.

Até hoje, por exemplo, o Vaticano ainda não pôs em prática aquilo que foi solicitado pelo Comitê da ONU contra a Tortura em maio de 2014, para evitar uma mais do que provável sanção por violação da Convenção Internacional sobre o assunto. Foi dado à Santa Sé muito tempo para entrar na linha, até o próximo ano (2018). Mas é claro que, se não foram feitas modificações substanciais do modus operandi da Santa Sé e da sua estrutura legal, o não cumprimento já está escrito.

Os oito pontos críticos destacados pelo Comitê de Genebra são impressionantes, mas não se falou mais sobre eles.

Acima de tudo, deve-se esclarecer que os abusos contra menores por parte dos sacerdotes católicos constituem uma violação da Convenção Internacional assinada também pelo Vaticano sobre a tortura. “Não no sentido – explicou publicamente o então presidente, Claudio Grossman – de que a Santa Sé é responsável por cada abuso individual de cada padre católico, mas de que a Santa Sé assim se torna no marco da Convenção sobre a Tortura e da nossa jurisprudência se não impede, investiga e sanciona quem se manchou, seja em qual parte do mundo ele tenha agido”.

Nas suas “recomendações”, o Comitê pediu que o Vaticano, por isso, colabore plenamente com as autoridades civis que perseguem os abusos nos vários países. Por exemplo, fornecendo todas as informações em posse da Congregação para a Doutrina da Fé. Sobre esse ponto, o Vaticano sempre levantou um muro, e o advogado da Royal Comission australiana, Gail Furness, há poucos dias, fornecendo os dados impressionantes dos abusos dos padres, também lamentou a não colaboração.

O Comitê contra a Tortura (CAT, na sigla em inglês) da ONU de Genebra pediu que a suspensão dos sacerdotes acusados ocorra imediatamente e que estejam previstas sanções efetivas para os superiores que acobertam casos de abuso. A possibilidade de que fosse instituído um tribunal “especial” contra os bispos que acobertam os padres pedófilos foi, primeiro, levantada e, depois, abandonada.

O Comitê também pediu que seja esclarecido se a nova Comissão pontifícia, presidida pelo cardeal Sean O’Malley (aprovada às pressas, às vésperas da reunião do CAT de Genebra em maio de 2014) será dotada de plenos poderes de investigação (que ela ainda não tem; ao contrário, até agora foi excluído que ela possa tê-los).

Finalmente, foi solicitada a revisão das Concordatas nacionais (como o Tratado de Latrão com a Itália) na parte em que desobrigam a hierarquia em relação à denúncia. E este é um ponto muito sensível para a Conferência Episcopal Italiana.

O documento também pede ressarcimentos adequados para as vítimas e, além das indenizações, medidas de reabilitação e de tratamento, também a cargo das ordens religiosas (é explícito o exemplo das “Magdalene Laundries” irlandesas).

A lista dos destaques, como se vê, é longa. O vice-presidente do CAT, a estadunidense Felice Gaer (que permanecerá no seu cargo até 2019), destacou, citando as oito páginas de conclusões, que, “se o Comitê enfrenta um problema e formula recomendações, isso significa que o Estado não responde aos requisitos da Convenção”.

De Genebra, por fim, são pedidas estatísticas sobre os casos de efetiva colaboração com as autoridades civis por parte da Congregação para a Doutrina da Fé. Os dados deverão ser fornecidos no próximo relatório que deve ser apresentado em Genebra pelo Vaticano até o dia 1º de setembro de 2017. Tanto perante o Comitê para os Direitos da Criança, quanto perante o Comitê contra a Tortura.

O abuso de menores é um crime não sujeito a prescrição. Além de todos os pedidos específicos citados, pela primeira vez, com base na jurisprudência do próprio Comitê, os abusos de menores por parte de sacerdotes católicos acabam sob as prescrições da Convenção contra a Tortura, em relação à qual a Santa Sé foi chamada a responder perante o Comitê em todo o mundo, e não só – está escrito explicitamente – no pequeno território do Estado da Cidade do Vaticano.

Essa equiparação terá uma consequência jurídica importante: porque, nos tribunais dos países que têm no seu próprio ordenamento o crime de tortura (na Itália, ele foi introduzido no dia 5 de março de 2014 e é aplicável a todos os cidadãos e não só aos funcionários públicos), o abuso sexual de menores poderia não ser mais sujeito a prescrição. O Comitê pede ainda que seja assegurado um mecanismo independente em que as vítimas possa denunciar os abusos de modo confidencial, de modo que possam permanecer livre de pressões e chantagens.

O Comitê reconheceu o fato de a Santa Sé ter introduzido o crime de tortura no novo Código Penal com a carta apostólica do Papa Francisco, do dia 11 de julho de 2013, e pelo fato de ter criado a nova Comissão Pontifícia para a Proteção dos Menores, no dia 5 de dezembro de 2013. E lembrou que as diretrizes da Congregação para a Doutrina da Fé, do dia 3 de maio de 2011 (durante o pontificado de Bento XVI), preveem que “as prescrições da lei civil relativas às denúncias desses crimes às autoridades competentes devem ser sempre seguidas”.

Resta o fato de que o tempo passa, e as solicitações do CAT da ONU permaneceram por três anos como letra morta. Enquanto isso, incumbem as conclusões da Royal Commission australiana sobre o que aconteceu também na Igreja Católica Down Under e os novos desdobramentos da investigação penal contra o cardeal George Pell.

A partir dessa segunda-feira, reúne-se o C9 dos cardeais, o Conselho da Coroa do Papa Francisco (do qual fazem parte tanto O’Malley quanto Pell). E também sobre isso eles terão que falar, além da aprovação dos orçamentos e da reforma dos dicastérios da Cúria.

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