PIB em queda ameaça corte em gastos sociais

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25 Setembro 2014

Os economistas que acompanham contas públicas estão convencidos que o país, e não apenas o próximo governo, qualquer que seja ele, precisa começar a rediscutir onde gastar a imensa carga tributária hoje recolhida da sociedade. Só no governo federal ficam, a cada ano, R$ 2 em cada R$ 10 gerados pelo Produto Interno Bruto (PIB). Enquanto as receitas da União representam 20% do PIB, os gastos já se aproximam de 19%. Em uma economia que crescerá pouco nos próximos anos, a diferença entre arrecadação e despesas terá que ser feita pela tesoura, uma tarefa bastante complexa e com ares de missão impossível. Afinal, se o governo fechasse 37 ministérios mantendo os gastos de pessoal e às áreas de saúde e educação, economizaria apenas 1% do PIB - metade do que é considerado necessário para estabilizar a relação entre a dívida do setor público e o tamanho da economia.

A reportagem é de Denise Neumann, publicada pelo jornal Valor, 24-09-2014.

O Brasil vai encerrar 2014 com superávit primário efetivo entre 0,5% e 1% do PIB. Como o patamar de saída é baixo, o caminho até uma economia entre receitas e despesas primárias de 2% a 3% do PIB, como defendido por muitos economistas, fica mais longo. Após as crises de 1999 e 2003, o país demorou três anos para fazer uma poupança adicional de cerca de 1,5% do PIB.

O Brasil chegou a um superávit tão baixo pela combinação de aumento de gastos e menor arrecadação (em função do crescimento fraco e do maior uso de isenções tributárias e subsídios). Parte das despesas vem crescendo continuamente nos últimos anos (o abono salarial e o Benefício de Prestação Continuada, o BCP, vêm desde a Constituição de 1988), e outras foram aceleradas ao longo da gestão Dilma Rousseff. Juntos, todos os programas de transferência de renda (incluindo aposentadorias) consomem 9,1% do PIB, três pontos mais que em 2000, mas na área social apenas o Bolsa Família (cujo gasto é de apenas 0,5% do PIB) foi criação do governo petista.

A parcela do governo Dilma na criação de gastos está nos subsídios (Minha Casa, Minha Vida, energia, compensações ao regime de Previdência, entre outros). Nessa rubrica as despesas passaram de 0,21% do PIB em 2009 para 1,05% dele em 2014 (12 meses encerrados em julho), segundo cálculos dos economistas Gabriel Leal de Barros e Nelson Barbosa, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). O governo Dilma também elevou gastos de custeio em educação e saúde, que foram de 1,89% para 2,4% do PIB desde 2009.

Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra e ex-secretário do Tesouro Nacional, pondera que no governo de Luiz Inácio Lula da Silva e em parte da gestão Dilma, os gastos obrigatórios (pessoal, previdência, abono, seguro-desemprego e outros) cresceram de 5% a 6% reais ao ano. "Pouco desse aumento se deu pela criação de despesas", diz ele. Kawall ressalva que a regra de aumento real do mínimo foi uma decisão do governo, mas que as condicionantes que permitem a uma parcela da população ter acesso a abono e seguro-desemprego, por exemplo, pouco mudaram ao longo do tempo.

Uma diferença, diz Kawall, é que enquanto esses gastos cresciam sob a gestão Lula, o mundo também crescia e a arrecadação, em alguns anos, subiu mais que o PIB. "O crescimento da economia permitia 'encaixar' esse gasto dentro do Orçamento federal e a evolução da dívida ficava controlada frente ao PIB", pondera ele. Felipe Salto, da Tendências Consultoria, concorda mas lembra que esse quadro mudou.

Salto diz que as desonerações e isenções fiscais somarão R$ 78 bilhões em 2014. Enquanto algumas foram anunciadas como permanentes (como a da folha de pagamentos), outras podem ser revistas, como a redução do IPI (cerca de R$ 12 bilhões) e a própria Cide (que incide sobre gasolina, renúncia que equivale a R$ 13 bilhões). Juntos, IPI e Cide podem representar 0,5% do PIB, mas significam um aumento de carga tributária.

Nos próximos anos, a arrecadação vai crescer menos (pelo limite para aumentar a carga tributária, pelo fim da incorporação de pessoas ao mercado de trabalho, pela mudança de cenário externo e pela redução do PIB potencial do país) e o governo não poderá contar com crescimento econômico para acomodar os gastos, reforça Kawall.

Fernando Montero, economista-chefe da corretora Tullet Prebon, chama atenção para outro aspecto do gasto. Entre 2003 e 2013, o número de beneficiários dos diferentes programas de transferência de renda do governo federal quase dobrou, o que indica aumento médio de 4% ao ano. Ou seja, todo ano, as regras atuais colocam dentro dos programas algo como 3,5 milhões de pessoas. E essa despesa deve ser paga. Mansueto Almeida, autor do cálculo que mostra que a despesa com custeio de 37 ministérios (fora saúde e educação) representa 1% do PIB também tem insistido na tecla de que é muito difícil fazer um ajuste fiscal duradouro sem rever regras de programas hoje vigentes.

Por isso, Kawall considera que a sociedade vai ter que rediscutir os benefícios sociais que mantém. Para ele, esse debate passa pelo abono-salarial, seguro desemprego e regras de pensão por morte, e deve preservar o Bolsa Família, um programa que custa pouco (R$ 24 bilhões) e ajuda muito. "Afinal, mesmo se você cortasse 100% do investimento, não faria o ajuste necessário", pondera. O investimento federal representa pouco mais de 1% do PIB.

Bernard Appy, que foi secretário-executivo e de Política Econômica do Ministério da Fazenda, também não vê possibilidade de ajuste fiscal pelo lado da receita. Por isso, diz, voltar a um superávit de 2% ou mais do PIB terá que ser feito pelo lado da despesa e vai requerer tempo, mas ele não vê uma trajetória fiscal de curto prazo que seja explosiva.

Sua preocupação é com o longo prazo. Appy acha que é preciso mudar - e melhorar - o debate fiscal no país, o que passa por não focar só no tamanho do superávit primário, mas incorporar a qualidade do gasto fiscal no debate. A sociedade, diz ele, pede mais Estado, mas não discute quanto custa atender às demandas. E muitas vezes o governo se compromete com um gasto sem nenhuma estimativa séria sobre o custo embutido no atendimento dessa demanda: "O que significa destinar 10% do PIB para a educação. Nada contra, mas o que isso compromete de outros gastos? E gastar onde, e como?"

Ele gosta da ideia de instituir um conselho fiscal, com visão macroeconômica, que tenha como missão um acompanhamento fiscal de longo prazo - e independente do governo.

Salto, da Tendências, defende uma regra na qual o aumento das despesas correntes (sem saúde e educação) ficaria restrito a 50% do crescimento do PIB. Com esse controle, diz ele, em 10 anos de crescimento médio de 2,5% da economia, seria possível gerar um ajuste fiscal efetivo de um ponto percentual. "Com mais crescimento e com um controle maior, digamos de 30%, os resultados apareceriam em menos tempo", pondera.

Um assunto que entrou na atual campanha eleitoral - os empréstimos subsidiados ao BNDES - teriam impacto no resultado fiscal, mas não imediatamente. Em 2014, o próprio governo estimou essa conta em R$ 24 bilhões, valor que Salto considera subestimado, embora represente um Bolsa Família. Mesmo que o governo interrompa novos créditos subsidiados ao BNDES, explica o economista da Tendências, os R$ 410 bilhões já repassados continuarão a afetar as contas públicas por mais um tempo.

No documento "O desafio macroeconômico 2015-2018", Nelson Barbosa, ex-secretário-executivo da Fazenda, também defende um superávit de 2% a 2,5% do PIB a ser alcançado gradualmente e sem aumento da carga tributária. Além do orçamento primário, ele diz que o desafio fiscal do período deve envolver o lado financeiro, justamente pelo custo crescente de carregamento desses créditos do governo junto às instituições financeiras oficiais. A redução desse custo, estimado por ele em 0,6% do PIB, tem o mesmo efeito fiscal de uma elevação do resultado primário, uma vez que ele reduz a velocidade de crescimento da dívida líquida do setor público.

Entre os "12 trabalhos fiscais" listados por Barbosa no documento, ele sugere ao debate continuar a reduzir a folha de pagamentos do setor público da União em proporção do PIB, estabilizar as transferências de renda aos indivíduos também em proporção do PIB (o que passa por reavaliar regras de concessão de novos benefícios na Previdência e de programas como abono salarial), ampliar o gasto em saúde e educação, reduzir os demais gastos com custeio como proporção do PIB e realizar uma reforma do PIS/Cofins, com neutralidade fiscal.

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