24 Dezembro 2023
O expoente da ala conservadora contra o Papa: “Os mandamentos são mais úteis que as doutrinas de salvação inventadas pelas pessoas”
Abençoar um casal homossexual é uma “blasfêmia”. É o que afirma o Cardeal Gerhard Ludwig Müller comentando a declaração Fiducia supplicans publicada pelo seu sucessor à frente do dicastério para a Doutrina da Fé, o cardeal Victor Manuel Fernández, e assinada pelo Papa.
A entrevista é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por La Repubblica, 23-12-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Por que fala em blasfêmia?
Digo isso não com base na minha autoridade oficial ou pessoal, mas com base na autoridade da revelação divina. Nas Sagradas Escrituras, o apóstolo Paulo afirma que o comportamento imoral, incluindo as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo, é objetivamente a expressão de culto da criatura e não do Criador. Nós correspondemos à “verdade de Deus” na obediência aos mandamentos do Decálogo. Agir deliberadamente contra esse é um pecado grave que destrói a vida da graça em nós, “e aqueles que concordam com isso também cometem um pecado mortal”. Contudo, como cristãos, não devemos esquecer que Deus, com a sua bondade e misericórdia, sempre perdoa e nos dá um novo começo se nos refugiarmos na graça de Cristo, que nos é transmitida pela Igreja.
Mas o Vaticano esclareceu que não muda a doutrina do casamento e que a bênção não legitima a homossexualidade: isso não é suficiente?
Isto é óbvio e não há necessidade de novas explicações complicadas. Se as relações sexuais fora do casamento contradizem a vontade de Deus, então não podem ser abençoadas, isto é, declaradas boas de acordo com a vontade do Criador.
A imposição de “demasiados pré-requisitos de caráter moral”, diz a Doutrina da Fé, ofusca a “força incondicional do amor de Deus”.
De acordo com a doutrina da graça, a Igreja Católica nunca entende os sacramentos, os sacramentais e todas as suas orações de bênção como recompensa por uma ação moral autônoma, mas não declara de forma alguma que o comportamento imoral seja irrelevante na nossa relação com Deus e com o próximo. Qualquer pessoa que se coloque seriamente no caminho da melhoria deve isso, mesmo que ainda não tenha alcançado a sua meta, à graça de Deus. E a Igreja o acompanha com bênçãos e orações.
Mas os fiéis estão acostumados à bênção das casas, animais, fruta, imagens sagradas: não basta?
As orações de bênção sobre as coisas e os animais são uma imitação da bênção de Deus sobre todas as criaturas, que em última análise expressa a sua vontade para o homem como pessoa. Na bênção de Deus sobre o homem e a mulher, e sobre o casamento, são revelados o significado e a finalidade última de toda a criação e da história da salvação. Seria uma contradição abençoar o que nos separa de Deus. Os mandamentos de Deus não são absurdos, são sempre muito mais úteis do que as doutrinas de salvação inventadas pelas pessoas, como podemos ver todos os dias nas ideologias totalitárias do nosso tempo.
Nos Evangelhos, Jesus nunca fala sobre a homossexualidade, mas no seu tempo também havia homossexuais, dizem os historiadores, entre os soldados romanos presentes na Palestina: por que expressar um julgamento tão definitivo sobre um tema sobre o qual Jesus permaneceu em silêncio?
É ridículo de modo comovente reduzir ao absurdo a rejeição dos atos sexuais homossexuais com base na Sagrada Escritura com um argumento ad hominem, precisamente citando Jesus, que não veio para abolir a divina lei moral e os profetas, mas para dar-lhes cumprimento. Quando os fariseus quiseram destruir a indissolubilidade do matrimônio citando a autoridade de Moisés, Jesus respondeu: “Não lestes que no princípio o Criador criou os homens como homem e mulher... e que são uma só carne?.
Os bispos da Alemanha, mas também de outros países europeus e americanos, aprovam a abertura, muitos bispos africanos protestam. Existe o risco de uma divisão como entre os anglicanos?
Não dá para entender esses bispos que traem a verdade católica e relativizam gravemente os ensinamentos revelados da Igreja. O nível intelectual de alguns pode ser visto pelo fato de se sentirem confirmados na preparação das bênçãos litúrgicas oficiais para os casais homossexuais, enquanto o documento rejeita, em plena conformidade com toda a tradição católica, as práticas desse tipo.
O senhor cumprimentou o Papa com votos de Natal: o que vocês conversaram?
O Santo Padre foi muito gentil e me agradeceu expressamente pelo meu testemunho. O Papa sabe bem que nunca me vi como um cortesão que pede favores ou dobra a consciência por medo. Um cardeal da Santa Igreja Romana só faz justiça à sua eminente dignidade se aconselhar o sucessor de Pedro, que é bispo de Roma por direito divino, com incorruptível competência teológica e espiritual, o defender dos ataques injustos e manter sempre o bem da Igreja de Cristo.
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“A bênção a casais homossexuais é uma blasfêmia”. Entrevista com o cardeal Gerhard Ludwig Müller - Instituto Humanitas Unisinos - IHU